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Exame da OAB não é concurso

A tradição de resistência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), contra a ditadura e em favor das liberdades democráticas é uma das páginas mais relevantes e gloriosas na história da redemocratização do país.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Atualizado em 6 de julho de 2011 10:09


Exame da OAB não é concurso

Jorge Gama*

A tradição de resistência da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), contra a ditadura e em favor das liberdades democráticas é uma das páginas mais relevantes e gloriosas na história da redemocratização do país.

O grito da OAB contra o arbítrio e a injustiça, funcionou como um verdadeiro "habeas corpus social" em defesa do Estado democrático direito.

Em nosso Estado, a simplicidade e a firmeza de homens como Eduardo Seabra Fagundes, Hélio Saboya, Baeta Neves, que nos momentos mais difíceis dirigiram a instituição com coragem e competência, ao lado de diversos advogados notáveis, constituem-se num verdadeiro exército da resistência contra a violência do regime ditatorial vigente.

Essa é a imagem herdada desse momento de enfrentamento contra o arbítrio e a injustiça, que merece ser preservada.

A visão sobre a OAB não pode ser apenas saudosista ou congelada no tempo, porque as injustiças prosseguem, mesmo nos regimes democráticos, dirão muitos.

A OAB, tanto pelo passado de lutas, quanto pelo elevado números daqueles que escolhem o estudo do Direito como opção profissional, agigantou-se.

As novas relações sociais globalizadas, os novos direitos sociais, as inovações cientificas e tecnológicas, exigem novas leis que acarretam o avanço das relações jurídicas.

A evolução do Direito diante desse novo cenário, necessita, cada vez mais, de profissionais qualificados para o exercício desse ordenamento jurídico dinâmico e complexo.

A adoção pela OAB dos exames para inscrição dos novos bacharéis em Direito em seus quadros, que os credencia ao livre exercício da advocacia, enfrenta um questionamento que já chegou aos tribunais de todo país.

Como sabemos, a exigência dos exames assenta-se no argumento da baixa qualidade de ensino nas faculdades de Direito, por outro lado, os formados alegam que a exigência impede o livre exercício da profissão, amparada pela Constituição.

Examinaremos a trajetória, a mudança de critérios e a terceirização dos exames e o prejuízo ao exercício profissional alegado pelos candidatos.

Os primeiros exames instituídos tinham em torno de 30 questões e se realizava em uma única etapa e nada mais.

Hoje a prova se dá em duas e etapas com 100 questões apenas na 1ª fase do exame, restando ainda a 2ª etapa.

Atualmente, o candidato quando aprovado na 1ª fase com 100 questões, se reprovado na 2ª etapa, retorna à condição inicial dos não aprovados.

Já existe, no Senado Federal, o PLS 188/2010 (clique aqui), de autoria do Ex-Senador Paulo Duque, que dispensa o candidato aprovado na 1ª fase de repetir os exames desta etapa, em caso de reprovação na 2ª fase. Se aprovado será um avanço.

A OAB adota um calendário de, no máximo, três exames por ano, como se fosse um concurso público, coisa que não é, trata-se, isto sim de um exame para ingresso em uma entidade de classe, para início de uma trajetória profissional, cujo exame é um pré-requisito, nada mais.

Embora a OAB possua, de sobra, notória especialização em todos os ramos do Direito, tercerizou seus exames. Ao delegar à Fundação Getulio Vargas (FGV), que, indiscutivelmente, é uma entidade de excelência, diria mesmo a melhor de todas, nas áreas de administração e de economia, a OAB, abriu mão de uma titularidade indispensável à tese da necessidade do exame.

Se o convênio para realização das provas fosse feito, por exemplo, com a Escola da Magistratura, teríamos uma lógica mais reconhecida.

As incontáveis ações judiciais propostas pelos candidatos e agora pelo Ministério Público decorrem das controvérsias dos critérios adotados nas provas terceirizadas.

Ao lado dessa questão, observamos a demora da contratada, a FGV, em oferecer solução aos recursos entre a primeira e a segunda etapa do exame, fato que causa insegurança no candidato e onde se estabelece o jogo de empurra entre a OAB contratante e a FGV contratada.

É improvável que se a FGV realizasse um exame para ingresso em seus quadros, ainda que a matéria versasse sobre qualquer ramo do Direito, contratasse a OAB, certamente o faria com seus próprios profissionais.

Os obstáculos, cada vez maiores, começam a indicar a existência do cerceamento do exercício profissional que, indiscutivelmente, é uma flagrante injustiça.

Seja em que medida for, injustiça é uma lesão à cidadania.

A tese da legitimidade dos exames só se sustentará com a eliminação, por parte da OAB, de todas essas amarras.

A adoção de uma banca examinadora permanente à disposição do candidato que se se considere apto eliminará essa intermediação e a injustiça desse calendário sem lógica.

A OAB deveria inspirar-se nos atuais critérios do DETRAN, que mesmo com toda burocracia, o candidato paga a taxa no banco, marca seu exame de vista, realiza as provas teóricas, prática e o psicotécnico e se aprovado, recebe sua carteira, tudo isso no prazo máximo de 60 dias.

Para muitos, a comparação dos critérios de exames da OAB com o DETRAN pode parecer absurda, mas trata-se, em ambos os casos, de credenciamento para livre exercício da profissão em cada categoria.

Do direito de exigir o exame do candidato, decorre o dever da OAB de disponibilizá-lo, de modo imediato e permanente, se assim o fizer evitará a injustiça do cerceamento do livre exercício profissional, hoje constatado, eliminando o vestígio da inconstitucionalidade.

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*Ex-deputado Federal

 

 

 

 

 

 

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