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Considerações sobre a PEC Peluso

Júlio Bernardo do Carmo

Desembargador propõe modificações na emenda e acredita que ela poderá prestar aos cidadãos tutela jurisdicional célere e eficaz.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Atualizado em 7 de dezembro de 2011 11:45

Júlio Bernardo do Carmo

Considerações sobre a PEC Peluso

A PEC Peluso (clique aqui) procura, com a introdução de dois dispositivos na Constituição Federal (clique aqui), acabar com a profusão de recursos hoje existentes no sistema processual brasileiro e, ao mesmo tempo, tornar mais célere o trânsito em julgado das decisões proferidas pelos tribunais de segunda instância, possibilitando com isso a antecipação da efetivação da sentença condenatória que, mesmo na pendência de recurso extraordinário ou especial, transitaria imediatamente em julgado e propiciaria de imediato a sua execução definitiva.

Vejamos primeiro qual é o teor dos dispositivos constitucionais aventados, para depois traçarmos uma ligeira crítica doutrinária a respeito da proposta formulada pelo ministro Peluso.

Art. 105-A . A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte. 1

Parágrafo único. A nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento.

Art. 105-B . Cabe recurso ordinário, com efeito devolutivo e suspensivo, no prazo de quinze (15) dias, da decisão que, com ou sem julgamento de mérito, extinga processo de competência originária:

I - de Tribunal local, para o Tribunal Superior competente;

II - de Tribunal Superior, para o Supremo Tribunal Federal.

A primeira observação que se faz é a de que tanto o recurso extraordinário como o especial perdem a sua característica essencialmente recursal, uma vez que se a decisão judicial da segunda instância transita imediatamente em julgado, possibilitando a execução definitiva do bem de vida conferido no acórdão exequendo, desapareceria, logicamente, o instituto da execução provisória da decisão proferida pela segunda instância.

O instituto da execução provisória continua manejável contra as decisões de primeira instância, só que ao ser proferida a decisão do tribunal de segunda instância, a execução provisória imediatamente converte-se em definitiva.

O veto total ao instituto da execução provisória, seja quanto a acórdão proferido pelo tribunal estadual ou pelo tribunal superior, só ocorre no âmbito dos processos de competência originária de ambas as cortes de justiça, uma vez que, nesta hipótese, tendo a decisão hostilizada extinto o processo com ou sem julgamento de mérito, o recurso cabível é o ordinário, que ostenta, concomitantemente, dois efeitos processuais, ou seja, tanto o efeito devolutivo quanto o suspensivo, sendo que este último efeito, como é curial, obsta o manejo do instituto jurídico da execução provisória.

Todavia, o que se infere da literalidade da proposta contida no art. 105-A da PEC Peluso é que, não sendo a decisão hostilizada extintiva do feito, cabe o recurso com efeito apenas devolutivo para o tribunal superior competente, se a decisão for proferida pelo tribunal estadual e recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal, se a decisão for proferida por tribunal superior.

Agora vem a primeira dúvida.

Se a ideia é antecipar o trânsito em julgado da decisão proferida em segunda instância, o recurso ordinário não quebraria essa regra crucial quando admite expressamente recurso (e não meio impugnativo com efeito desconstitutivo ou de rescisória imprópria) com efeito devolutivo e suspensivo de decisão proferida por tribunal estadual ou superior que extinga o processo de sua competência originária, com ou sem julgamento de mérito?

Tanto o Tribunal Superior de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal não continuariam com competência meramente recursal na hipótese supra apontada, quebrando-se assim o mito da irrecorribilidade das decisões de segunda instância?

A mim me parece não poder ser outro o entendimento, caso contrário poderíamos tirar a falsa ilação de que, quando a decisão não extingue o processo com ou sem julgamento de mérito, nas chamadas competências originárias (sendo que a PEC só especifica a competência originária dos tribunais, estaduais ou superiores, deixando de mencionar a competência originária de primeira instância), não caberia recurso algum.

Isto feriria qualquer lógica processual a par de deitar por terra princípios constitucionais consagradores do direito do cidadão, seja ao devido processo legal ou à ampla defesa, sendo que, tanto em uma quanto em outra situação, seria exterminado ex-radice o Estado Democrático de Direito, porque decisões que não venham a extinguir o processo com ou sem julgamento de mérito, sendo exemplo delas a que apenas julgam procedente ou improcedente a ação proposta, seriam irrecorríveis.

Não há lógica, bom senso ou razoabilidade na afirmativa supra, razão pela qual a consequência plausível que se pode extrair do artigo 105-B da PEC Peluso é a de que, não sendo a decisão originária extintiva do feito, cabe igualmente recurso para o tribunal competente, só que com efeito apenas devolutivo, desprezado o efeito suspensivo, porque a suspensividade não foi prevista para esta hipótese de decisão, ou seja, para os processos que não sejam extintos com ou sem resolução do mérito e sim apenas para os processos que sejam efetivamente extintos, o que exclui necessariamente os processos que continuam tramitando normalmente na justiça competente, após a decisão de mérito, concessiva ou denegatória da pretensão de direito material.

Esta poderia ser, em tese, uma incongruência contida na PEC Peluso e por isso abordo a sistemática adotada para chamar a atenção dos estudiosos sobre esta questão: qual a extensão do recurso cabível contra as decisões judiciais que não extingam o processo?

Como a estrutura do Estado Democrático de Direito exige sim a existência de impugnabilidade recursal às decisões que julgam procedentes ou improcedentes a pretensão de direito material versada na ação, a conclusão inarredável é a de que o recurso que venha a ser previsto na legislação processual, teria efeito apenas devolutivo e possibilitaria o uso da execução provisória, que só seria convertida em definitiva com a decisão final da segunda instância.

Curial observar todavia que, como dito alhures, se a pretensão da PEC Peluso é antecipar o trânsito em julgado das decisões de segunda instância, tal antecipação fica frustrada diante do manejo de recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal, quando se trata de processo de competência originária de Tribunal Superior e o mesmo é extinto com ou sem julgamento de mérito.

Há, nesta hipótese, devolutividade recursal à Suprema Corte que poderá ou não manter a decisão judicial objurgada e se vier a reformá-la mostra-se lógico que o trânsito em julgado seria transferido do tribunal superior para o Supremo Tribunal Federal, que passaria em caráter de exceção a ostentar a natureza de última instância revisora, ferindo-se toda a lógica da PEC Peluso.

E mais, uma vez provido o recurso ordinário pelo Supremo Tribunal Federal (em matéria de competência originária com extinção do processo com ou sem julgamento de mérito), o processo deve volver à instância competente, seja para o tribunal estadual ou para o tribunal superior, para que a ação retome seu curso normal, quando novas e sucessivas impugnações recursais podem ser abertas, porque não seria admissível, e.g., que a decisão meritória seja do tribunal estadual ou do tribunal superior fosse irrecorrível.

Quando a decisão de mérito recorrível é do tribunal estadual, em competência originária, caberia, em tese, recorribilidade ordinária para o Tribunal Superior, sem prejuízo do recurso de índole extraordinária ou desconstitutiva, que tem natureza diversa, eis que o primeiro visa reformar a decisão originária do tribunal estadual e o segundo a desconstituí-la, total ou parcialmente, no exato limite do provimento do apelo extremo.

Esta atuação recursal anômala do Supremo Tribunal Federal não implodiria a lógica da PEC Peluso, já que a sua pedra de toque é antecipar o trânsito em julgado para a segunda instância e transformar os recursos extraordinário e especial em vias impugnativas desconstitutivas ou em verdadeiras rescisórias impróprias? 2

Com relação ao artigo 105-A da PEC Peluso, pode-se dizer que como o recurso extraordinário e o especial não obstam o trânsito em julgado da decisão que os comporte, resta criada uma figura especial de ação rescisória ou quando menos uma via impugnativa com efeito desconstitutivo, eis que, já transitada em julgado a decisão da segunda instância, se sobrevier provimento aos recursos de índole extraordinária, lógico que o seu efeito não é o meramente reformador do acórdão do tribunal e sim o desconstitutivo do mesmo, na exata extensão de seu provimento.

Como decorrência lógica da proposta inserida no artigo 105-A da PEC Peluso, os recursos de índole extraordinária perdem a atual característica que ostentam na Constituição em vigor, porque não mais servirão apenas ao propósito de uniformizar a jurisprudência dos tribunais ou de preservar a uniformidade de interpretação seja de texto de lei Federal ou constitucional, passando a ostentar igualmente efeito desconstitutivo da decisão judicial objurgada.

Seria totalmente destituída de fundamento jurídico a tese juridica de que, como a ideia da PEC Peluso é preservar a compêtencia do Supremo Tribunal Federal como Corte exclusivamente constitucional (excepcionada a hipótese, não completamente inteligida, de competência meramente recursal da Corte Suprema quando aprecia no âmbito do recurso ordinário a decisão do tribunal superior que, em matéria de competência originária, extingue o processo com ou seu resolução de mérito), a última palavra sobre a uniformização da lei Federal e da jurisprudência nacional ficaria a cargo dos Tribunais Estaduais.

Os incautos defensores dessa inusitada tese jurídica indagariam então como seria feita a uniformização da lei Federal ou da jurisprudência discrepante dos valores consagrados na lei Federal ou na Constituição da República, relativamente aos processos que transitam em julgado na segunda instância e onde o atual recurso extraordinário e especial passam a figurar de forma anômala como rescisória imprópria?

Cada Estado da Federação será revestido agora de soberania para interpretar e uniformizar o entendimento sobre a lei Federal e a Constituição da República?

Lógico que não.

Na PEC Peluso, em que pese revestido da natureza anômala de rescisória imprópria, os requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial continuam sendo os atualmente traçados na Carta da República, competindo sim ao Supremo Tribunal Federal e ao Tribunal Superior de Justiça a tarefa de continuar preservando a higidez do direito nacional, tanto no aspecto infra-constitucional como no aspecto constitucional propriamente dito.

A única singularidade é de que os recursos de índole extraordinária, atualmente previstos na Constituição da República, além de sua função de preservar a higidez do direito nacional, passam também a ostentar a natureza juridica de via impugnativa extraordinária com efeito rescisório ou desconstitutivo, pois, como dito alhures, seu provimento não implicará em reforma da decisão judicial atacada e sim em sua desconstituição, no exato limite do provimento concedido, podendo ter efeito desconstitutivo total ou parcial.

O perigo da PEC Peluso, nesta hipótese, reside exatamente no provimento total ao recurso de índole extraordinária, porque o mesmo poderá vir a desconstituir tardiamente a decisão judicial objurgada, porque sendo definitiva a decisão proferida pela segunda instância (ressalvada logicamente as hipóteses de extincão de processo em matéria de competência originária) e já ultimada a execução, com plena satisfatividade do direito material contemplado no julgado, aflorar-se-ia uma situação de extrema periclitância que poderá ocasionar ao demandado um prejuízo de natureza irreversível, uma vez que, já convertido em pecúnia o bem de vida objeto da execução e já transferido para o patrimônio do exequente de forma definitiva, não raro com sua pronta exaustão para atender às necessidades materiais do ganhador da causa, como seria feita uma compensação pecuniária condigna ao demandante vitorioso na instância extraordinária, principalmente quando o patrimônio do beneficiado pela decisão transitada em julgado já se encontra totalmente exaurido?

E a crucial questão dos recursos de índole extraordinária manejados em matéria penal onde o condenado definitivamente em segunda instância, é recolhido à prisão e amarga a privação preciosa de sua liberdade, constatando-se posteriormente quando da apreciação do recurso extraordinário que o réu tinha razão?

O suposto réu amargará uma prisão indevida sem qualquer compensação pela ofensa perpetrada à sua dignidade pessoal?

O próprio ministro Peluso acena para o fato de que mostram-se raros os casos de total procedência dos recursos de índole extraordinária, mas como o prejuízo pode efetivamente ocorrer, não poderia ser idealizada uma forma de minimizar-lhe a consequência?

Ora, como a decisão judicial é um ato estatal privativo, nada mais lógico do que, naqueles casos em que o recurso de índole extraordinária vier a ser apreciado tardiamente, tornando inócuo o seu novel efeito desconstitutivo, deveria ser assegurado ao vencedor da demanda uma hipótese de ser plenamente ressarcido dos prejuízos que sofreu, devendo sim haver responsabilidade da União Federal para aqueles casos onde mostrar-se impossível a reversão ao statu quo ante, ou seja, quando o patrimônio do litigante beneficiado pelo antecipado trânsito em julgado da decisão definitivamente executada não tiver lastro para reparar o prejuízo imposto ao ganhador da causa ou onde o réu cumprir pena indevida em face de decisão favorável do recurso excepcional interposto.

Basta inserir na PEC Peluso um dispositivo com esta garantia, ou seja, a de que nos casos em que a análise do recurso de índole extraordinária vier a ser feita tardiamente, haverá responsabilidade da União Federal, uma vez constatada a impossibilidade de reversão ao estado anterior, ficando a União com o direito de regresso para ressarcir-se oportunamente, quando o patrimônio do beneficiado com o trânsito antecipado do julgado o comportar.

Essa responsabilidade da União Federal compensa a meu ver a redução de recursos e coloca mais equilíbrio na equação constitucional de se garantir ao demandante um processo célere e eficaz, sem prejuízo do direito constitucional que o demandado ostente de ver-se ressarcido contra ato jurisdicional do Estado que, aviando meios de pacificar prontamente os litigios judiciais, venha ocasionalmente a perpetrar prejuízo de impossível reparação ao executado.

Acrescentando-se este grão de sal, creio que a PEC Peluso poderá cumprir sua missão basilar, ou seja, prestar aos cidadãos uma tutela jurisdicional célere e eficaz, sem lesionar a ninguém, já que a verdadeira justiça, além de atribuir a cada um o que efetivamente lhe pertence, não pode servir de instrumento de aniquilamento de direitos, sob pena de perpetrar-se indevida desonestidade.

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1 A PEC deve ser abrangente e abarcar em sua teleologia todo o Poder Judiciário do pais e não apenas a Justiça Comum e a Federal, devendo igualmente ser contemplada a Justiça do Trabalho, onde sua necessidade é ainda mais premente, tendo em vista a natureza alimentar dos créditos trabalhistas. Ao artigo 105-A da PEC deve ser incluído igualmente o recurso de revista para o Colendo Tribunal Superior do Trabalho, que, ostentando a natureza de recurso de naureza extraordinária, seria igualmente guarnecido de efeito misto, uniformizador do direito nacional em matéria de direito do trabalho e desconstitutivo, pois a decisão do recurso de revista não apenas reformaria o acórdão regional e sim o desconstituiria, na exata extensão do provimento concedido. Com isto torna-se desnecessário o uso da ação rescisória para reverter a situação ao estado anterior, naqueles casos em que o recurso de revista for provido.

2 Para evitar que tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal venham a ostentar competência exclusiva recursal nos processos de competência originária dos tribunais, a solução, a meu ver, seria que nesses processos (competência originária dos tribunais) o julgamento das demandas deveria ser iniciado necessariamente pelos órgãos fracionários da Corte de Justiça, com previsão de recurso interno seja para o órgão especial (ou órgão equivalente, dependendo da organização judiciária) ou para o Tribunal Pleno, que atuariam sim como última instância revisora, cabendo a partir daí a interposição de recursos excepcionais (extraordinário, especial e revista) para os tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Superior do Trabalho) e para o tribunal ápice do país. (Supremo Tribunal Federal). A vantagem dessa alteração é a de que nos processos de competência originária dos tribunais, a decisão igualmente transitaria em julgado na própria Corte de Justiça, cabendo a partir daí a interposição do recurso excepcional com efeito misto, revisor e desconstitutivo do acórdão impugnado, na exata extensão de seu provimento. A PEC Peluso com esta alteração seria, a meu ver, perfeita e colocaria o Supremo Tribunal Federal na condição almejada e alcandorada de exclusivamente tratar de matéria constitucional. Para tanto, deveria ser modificada a redação do art. 105-B da PEC Peluso que passaria a figuarar com a seguinte redação: 105-B. Nos processos de competência originária dos tribunais o julgamento será iniciado necessariamente nos órgãos fracionários, atuando o Tribunal Pleno como última instancia revisora. Parágrafo único. Da decisão do Tribunal Pleno, em competência originária, cabe recurso de índole extraordinária: I - de Tribunal local, para o Tribunal Superior competente; II - de Tribunal Superior, para o Supremo Tribunal Federal. A vantagem dessa alteração substitutiva é a de que não se faz distinção entre o processo que é extinto com ou sem resolução de mérito com o processo que aprecia o mérito da pretensão de direito material veiculada na demanda, com a vantagem de que, em quaisquer dessas situações, a decisão transitará em julgado no âmbito do tribunal, seja local ou superior, que ostente competência originária.

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* Desembargador do TRT da 3ª região, integrante da 4ª turma e da 2ª SDI.

 

 

 

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