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Plano de saúde é obrigado a custear tratamento de depende químico

Planos de saúde são obrigados a custear despesas com internações psiquiátricas decorrentes de uso de drogas

A legislação atual determina a cobertura de todos transtornos mentais listados na CID 10.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Atualizado em 25 de abril de 2013 12:41

Estudos brasileiros indicam diversos fatores que contribuem para alguém iniciar o uso de substâncias entorpecentes, como envolvimento de familiar no consumo de álcool ou drogas, não ser criado por ambos os pais, baixa percepção de apoio paterno e materno, ausência de prática religiosa, menor frequência na prática de esportes, violência doméstica, fator hereditário, dentre outros.

O vício nesses tipos de substâncias desencadeia diversos transtornos mentais e de comportamento, sendo que o tratamento dessas enfermidades demanda longo período de internação em clínicas ou hospitais especializados e, muitas vezes, ocorrem múltiplos episódios de internação.

A lei 9.656/98, que dispõe sobre planos e seguros saúde, determina cobertura obrigatória para as doenças listadas na CID 10 - Classificação Estatística Internacional de Doenças e de Problemas Relacionados à Saúde. Trata-se de uma relação de enfermidades que auxilia diversos estudos acerca de cada uma delas, como análise e monitoramento de incidência de determinadas doenças, bem como a avaliação da assistência à saúde que deverá ser prestada.

Os transtornos mentais e comportamentais estão previstos na CID 10, no capítulo V. Além dos transtornos mentais orgânicos, como a demência da doença de Alzheimer e de Parkinson; dos transtornos de esquizofrenia; dos transtornos de humor, como o afetivo bipolar; dos distúrbios neuróticos e da personalidade, dentre muitos outros, estão também os transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de substância psicoativa. Quanto ao último aspecto, há diversos distúrbios causados devido ao uso de álcool, cocaína, alucinógenos, sedativos e hipnóticos, solventes voláteis, múltiplas drogas, dentre outros.

A lei 9.656/98 determina que internações hospitalares, inclusive em centros de terapia intensiva e em clínicas básicas ou especializadas não podem sofrer limitação de dias de internação.

A resolução normativa 262/11 da ANS - Agência Nacional de Saúde Suplementar também estabelece cobertura em número ilimitado de dias, de todas as modalidades de internação hospitalar.

Tal questão, inclusive, já foi objeto de súmula do STJ: "Súmula1 302 - É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado". Seguindo o mesmo entendimento, o TJ/SP editou recentemente a Súmula 92, segundo a qual "É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação do segurado ou usuário".

Em que pese haver previsão legal para cobertura de transtornos psíquicos sem limitação de dias de internação, muitas operadoras de saúde restringem tais períodos; algumas a, no máximo 15, outras a 30 dias ao ano, baseando-se em cláusula contratual que prevê tal limitação, bem como na Resolução 11/98 CONSU, que já se encontra revogada pela RN 211/10 da ANS.

No entanto, importante esclarecer que a cláusula contratual que limita os dias de internação é considerada nula porque restringe o direito do paciente de ter o tratamento que necessita, em clara ofensa ao art. 51 do CDC, que estabelece a nulidade de cláusula que impõe ao consumidor uma desvantagem exagerada ou que seja incompatível com a boa-fé ou equidade.

É certo que uma cláusula contratual que limita o tempo de tratamento que o doente deve receber é abusiva e não pode prevalecer sobre a saúde física e mental do portador de transtornos psíquicos. Ora, não há como prever qual o tempo de internação necessário para a recuperação do paciente nesses casos, que dependem de vários fatores. Portanto, não pode a operadora de plano de saúde pretender estabelecer um prazo para o restabelecimento dos enfermos, eis que somente ao médico cabe prescrever o tratamento adequado e sua extensão.

Além disso, importante ressaltar que a limitação temporal de internação é contrária ao próprio objeto do contrato firmado entre o consumidor e a operadora de saúde, que é assegurar a assistência integral à saúde do paciente.

Quanto à alegação das operadoras de saúde de que a limitação de dias de internação encontra respaldo na Resolução 11/98 CONSU, ainda que esta não estivesse revogada, tal argumento não se sustentaria, eis que uma resolução normativa não pode prevalecer sobre uma lei ordinária, qual seja, a lei 9.656/98, em atenção ao princípio da hierarquia das normas jurídicas.

Outro argumento apresentado por algumas operadoras de saúde consiste na necessidade de que findo aquele prazo contratual de 15 ou 30 dias por ano para internação psiquiátrica, deve o paciente passar a contribuir com parte do custo do tratamento.

Entretanto, a exigência dessa coparticipação também é considerada nula pelo Judiciário, por tratar-se apenas de uma tentativa das operadoras de limitarem os dias de internação ou mesmo de negar o próprio tratamento.

Infelizmente o número de pessoas que se tornam dependentes de substâncias químicas vem aumentando a cada ano, cujo tratamento é longo e requer o atendimento do paciente por uma equipe multidisciplinar. E, embora os planos de saúde apresentem diversos empecilhos para custear o respectivo tratamento, a legislação atual prevê a cobertura de todos os transtornos mentais listados na CID 10, inclusive os casos relacionados à intoxicação ou abstinência provocados pelo uso de álcool e outras substâncias entorpecentes.

Portanto, as limitações temporais e a coparticipação no custeio das internações, impostas pelas operadoras de saúde no tratamento dos distúrbios mentais e comportamentais, são abusivas e vêm sendo repelidas pelo Poder Judiciário, que tem decidido em favor do consumidor e considerado nulas as cláusulas que restringem os direitos dos pacientes e colocam em risco o próprio objeto do contrato de plano de saúde.

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1Súmula é a interpretação pacífica ou majoritária adotada por um Tribunal acerca de um assunto específico, a partir do julgamento de diversos casos análogos.

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* Ana Paula Carvalho é advogada do escritório Vilhena Silva Sociedade de Advogados.

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