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Os fundos de investimentos e a guarda de documentação

Otávio Augusto de Lara Borsato

A CVM, sensível às dificuldades enfrentadas pelo mercado, introduziu importante precedente para viabilizar a estruturação de FIDCs NP ao permitir (sob determinadas condições) a guarda dos documentos comprobatórios pelos cedentes dos créditos.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Atualizado em 13 de janeiro de 2015 11:44

Dentre as diversas alterações trazidas pela Instrução CVM531/13 à Instrução CVM 356/01, que regulamenta os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs), destaca-se a vedação de guarda dos documentos relativos aos créditos pelo cedente dos ativos integrantes da carteira dos fundos. Tais alterações são aplicáveis também aos fundos de investimento em direitos creditórios não padronizados (FIDCs NP), regidos pela Instrução CVM 444/06 e, subsidiariamente, pela Instrução CVM 356/01.

Após entrar em vigor, a Instrução CVM 531/13, gerou uma das grandes dificuldades enfrentadas pelo mercado no que diz respeito à guarda dos documentos comprobatórios dos FIDCs NP que adquirem carteiras de direitos creditórios inadimplidos (os chamados non performing loans ou NPLs).

A principal questão relacionada à guarda dos documentos é a operacionalização da transferência de tal documentação, até então mantida na maioria das vezes na posse dos cedentes, para os custodiantes ou para terceiros, especialmente contratados para tal finalidade, nos termos do art. 38, parágrafo 6º, da Instrução CVM 356/01.

Na maioria das vezes, esta transferência tem se mostrado inviável principalmente em razão:

(i) dos custos relativos à contratação de terceiros (custo este considerado muitas vezes alto se comparado à média de valor das carteiras detidas por este tipo de fundo);

(ii) do alto custo de transferência para os custodiantes e/ou para os terceiros; e

(iii) dos riscos de extravio, perda ou danos dos documentos comprobatórios quando do transporte e transferência de tal documentação.

As dificuldades operacionais têm gerado diversos pedidos de dispensa à CVM com o objetivo de permitir que o cedente continue a efetuar a guarda destes documentos. Os principais argumentos que embasam tais pedidos versam em torno da natureza e das características dos créditos integrantes da carteira destes FIDCs NP (créditos inadimplidos, de reduzido valor médio unitário, cessão de tais créditos por baixo percentual do valor de face, expressiva diversificação de devedores e significativo número de documentos comprobatórios que lastreiam os referidos créditos).

Face aos impasses encontrados pelo mercado, a CVM, em importante e recente decisão proferida no Processo RJ2013/4911, concedeu a dispensa da guarda da documentação pelo custodiante. Neste julgado, a Comissão concedeu a dispensa requerida pela instituição administradora em razão das particularidades existentes em torno da estrutura dos FIDCs NP, quais sejam:

(i) são fundos de investimento destinados a um público alvo sofisticado, capaz de assimilar os riscos envolvidos na aquisição de cotas de FIDCs NP;

(ii) possuem tratamento regulatório diferenciado dos FIDCs, na medida em que os FIDCs NP realizam investimentos envolvendo riscos maiores e mais complexos aos cotistas); e

(iii)gozam da prerrogativa prevista no Art. 9º da Instrução CVM 444/06, que possibilita o pedido de dispensa do cumprimento de algumas regras trazidas pela Instrução CVM 356/01.

Esta decisão foi ainda condicionada ao cumprimento de algumas regras básicas pelos fundos favorecidos, tais como:

(i)aprovação da dispensa da guarda pelo custo diante, sendo tal aprovação pela unanimidade dos cotistas do fundo, visando a adequada informação e proteção aos investidores;

(ii)existência de obrigação formal de recompra do crédito pelos cedentes caso haja algum problema decorrente dos documentos comprobatórios mantidos em sua posse, sendo que os créditos deverão ser recomprados pelo valor integral pago pelo fundo quando da aquisição, visando mitigar perda financeira aos cotistas; e

(iii)divulgação de fato relevante sempre que uma cláusula de recompra for exercida, visando a divulgação da real situação do fundo a todo o mercado.

Importante ressaltar que, sem prejuízo da dispensa concedida pela Autarquia, restou claro que o custo diante permanece responsável por todas as atividades previstas no art. 38 da Instrução CVM 356/01 e, quando da guarda da documentação pelos cedentes, terá o dever de fiscalizar os serviços prestados, respondendo igualmente pelos prejuízos causados aos cotistas detentores de cotas do fundo ao qual foi concedida a dispensa.

Sendo assim, a CVM, sensível às dificuldades enfrentadas pelo mercado, introduziu importante precedente para viabilizar a estruturação de FIDCs NP ao permitir (sob determinadas condições) a guarda dos documentos comprobatórios pelos cedentes dos créditos.

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* Otávio Augusto de Lara Borsato é advogado do escritório Barcellos Tucunduva Advogados, formado pela Faculdade de Direito da USP e especialista em Direito do Mercado Financeiro e de Capitais pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais - IBMEC/SP.

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