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Os novos rumos interpretativos trazidos pelo Novo CPC

Lucas Cavalcanti Velasco

Um posicionamento interpretativo legítimo depende não de uma aplicação vertical de um sistema fechado de normas, mas de uma construção de sólida argumentação a considerar o ordenamento jurídico com um sistema aberto e dialógico capaz de reconhecer a interpretação adequada.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Atualizado em 13 de julho de 2016 15:36

O novo Código de Processo Civil (lei 13.105/15) simboliza o marco de uma dinâmica que redimensiona o modo de produção e de interpretação das leis em nosso país. Isso se dá, dentre outras variantes, em virtude da análise de dois importantes aspectos: o primeiro, a tentativa da comissão legislativa de obter, no campo da linguagem, o máximo de clareza quanto ao conteúdo de seus termos; o segundo, o notório propósito de se fazer um código de processo totalmente alinhado às novas formas de diálogo hoje perceptíveis no campo do Direito, possibilidades essas que levam em consideração a densidade teórica necessária para o livre exercício de práticas jurídicas construtivas, e não de mera reprodução.

Nesse sentido, o novo diploma processual enuncia a necessidade de se observar, de um modo geral, essas duas premissas na interpretação e na aplicação das disposições normativas. Não é possível afirmar, com convicção, que o conteúdo normativo de determinado dispositivo possui conjunto significativo único simplesmente por apresentar redação clara e inteligível. Do mesmo modo, torna-se difícil compreender a profundidade cognitiva dos possíveis sentidos da norma sem a preocupação com a escrita destituída de formalismos linguísticos desnecessários. Diante dessa realidade, as possibilidades normativas presentes dependem de uma análise de texto e contexto, cujo campo de reconhecimento se faz pela integridade do ordenamento jurídico, pelas práticas jurídicas autorizadas e pelos estudos jurídicos reconhecidos.

Feitas essas considerações, é possível perceber o funcionamento desse novo paradigma interpretativo em vários recortes do novo diploma processual. Um deles se dá pela regra estabelecida no § 5º do artigo 961, cuja redação é a seguinte: "A sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.".

Considerando-se a aplicação da primeira premissa, é possível verificar que o comando normativo situa linguisticamente o intérprete sem maiores dificuldades, visto que apresenta redação clara e concisa. Quanto à segunda premissa, mostra-se evidente o diálogo do referido programa normativo com aquele presente na CF, que, em seu art. 105, inciso I, alínea "i", determina a competência originária do STJ para "processar e julgar a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias".

Por meio dessa relação dialógica, torna-se possível, por exemplo, o questionamento do aspecto formal da constitucionalidade da referida disposição normativa, cujo fundamento seria o de que a Constituição determina que sentenças estrangeiras, sem exceções, devam ser homologadas pela autoridade jurisdicional competente. Assim, em sendo adotado tal sentido normativo, haveria a conclusão de que o novo Código de Processo Civil suprime a competência constitucional do STJ para a homologação de sentenças estrangeiras, ainda que excepcionalmente no que se refere aos casos de divórcio consensual.

Por outro lado, seria de igual forma adequado o entendimento de que o referido enunciado possui validade constitucional por melhor retratar os princípios previstos pela Constituição, dentre eles o da eficiência, o da celeridade processual e o da desburocratização dos atos jurídicos. Assim, a despeito de levantar questionamentos quanto ao alcance da competência para a dispensa da homologação indicada, o dispositivo estaria em relação harmônica com a materialidade dos direitos constitucionais fundamentais.

Sem desconsiderar as demais possibilidades normativas existentes, é possível afirmar, por essa breve reflexão, que um posicionamento interpretativo legítimo depende não de uma aplicação vertical de um sistema fechado de normas, mas de uma construção de sólida argumentação a considerar o ordenamento jurídico com um sistema aberto e dialógico capaz de reconhecer a interpretação adequada. Para tanto, necessária a aplicação da disposição normativa com a percepção dessas premissas complementares, as quais possuem fundamental importância para a realização de um novo modelo construtivo de práticas no Direito.

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*Lucas Cavalcanti Velasco é advogado no escritório Gontijo Freitas Advogados, especialista em Direito Constitucional pela UFGO.

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