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Reflexões sobre a condenação de Pimenta Neves

José Celso de Camargo Sampaio

Pimenta Neves. Deu o que falar e ainda se gastará muita tinta acerca da condenação imposta ao jornalista, considerando a circunstância de, apesar de condenado, haver permanecido em liberdade. Em verdade, numa análise mais apressada, o fato gera, principalmente, entre os leigos, uma sensação de impunidade.

segunda-feira, 15 de maio de 2006

Atualizado às 10:22

 

Reflexões sobre a condenação de Pimenta Neves

 

José Celso de Camargo Sampaio*

 

 

Pimenta Neves. Deu o que falar e ainda se gastará muita tinta acerca da condenação imposta ao jornalista, considerando a circunstância de, apesar de condenado, haver permanecido em liberdade. Em verdade, numa análise mais apressada, o fato gera, principalmente, entre os leigos, uma sensação de impunidade. É de se compreender. Até os juízes e advogados ficamos, às vezes, indignados com a leniência das Leis Penais e Processuais Penais. Mas, são leis. É melhor se curvar diante delas, a ajoelhar-se diante do tirano...

 

Nem sempre foi assim. Nos longínquos anos de 1962, quando ingressamos na magistratura, as Leis Processuais eram bem severas. Haja vista que, o réu, uma vez condenado à prisão, não poderia apelar da sentença, sem se recolher preso. O acusado de crime de morte, se pronunciado, deveria aguardar o julgamento pelo júri, na prisão. Quem fosse condenado à pena reclusiva, era-lhe negado a suspensão condicional da pena. Prisão em flagrante, por crime inafiançável, não ensejava liberdade provisória e o preso teria de aguardar, preso, o julgamento de primeira instância e, caso a sentença fosse condenatória, permaneceria preso, até que o Tribunal de Justiça apreciasse o seu recurso. Havia a prisão preventiva obrigatória, suficiente que a pena cominada, em seu máximo, ultrapassasse determinado limite, que a lei estabelecia. Assim era a lei Processual Penal.

 

Tanto tempo se passou que alguns sequer se lembram. Os nossos Códigos Penal e Processual Penal tinham inspiração italiana (fascista), e postos em vigor, em plena ditadura de Getúlio Vargas, com exposição de motivos assinada por Francisco Campos, vulgo 'Chico sapientia'... Passam os tempos. sobrevém a 'redentodra' revolução militar, indisfarçável golpe de estado. Começa à caça à bruxa. Os IPMs à granel. Prisões ilegais, torturas, tratos nefandos e exílios. Cassação de direitos e morte civil. Desaparecimento e sumiço de preso. Vai por aí... Mas, mesmo no período férreo, de nenhum respeito aos direitos humanos, ou do cidadão, cuidou-se de se editarem leis processuais, com endereço certo, com o fim precípuo de pôr a salvo, beleguins, moleques de recados do 'sistema', protegendo-os do rigorismo da Legislação Processual Penal então vigente.

 

Assim, foi que, às vésperas da prisão de um Delegado de Polícia, envolvido em crime de morte, por força de sentença de pronúncia, surgiu, de abrupto, encomendada, a lei processual penal. Denominada Lei Fleury... Com a redemocratização do país, cuidaram os constituintes (gato escaldado tem medo de água fria...) de proclamar, minuciosamente, os direitos e garantias individuais. E, entre os preceitos, constou da nova Constituição (1988) a 'presunção de inocência'. Quer dizer, grosso modo, que até que haja uma condenação definitiva, emanada, evidentemente, do Poder Judiciário, o réu goza da presunção de ser inocente. Claramente, grande maioria das vezes, não o é.

 

Mas, os riscos que a sociedade corre de ver um apontado criminoso, solto, até que seja definitivamente condenado, os constituintes, seguindo princípios aceitos nas nações civilizadas, entenderam que seria preferível a ver um cidadão inocente trancafiado, provisoriamente, e, depois de curtir tempo de prisão, vir a proclamação de sua inocência. Claro que o princípio da presunção de inocência, quando se trata de estranhos, contraria o nosso desejo de ver o indigitado autor do crime, de imediato, preso e castigado... Mas, se for nosso próximo, nosso pai, nosso irmão, nosso filho, o princípio é sempre bem invocado por todos e enaltecido como um dos pilares das garantias individuais. Claro que sempre foi assim, e assim será. O homem, de resto, é muito tolerante consigo, mas muito rigoroso com os seus semelhantes. O Judiciário tem costas quentes. Não que não tenha defeitos, por evidente, que os tem. Há necessidade de se garantir o direito de defesa. O postulado irrita o acusador e a vítima. Mas, é princípio também constitucional e, com a Constituição não se brinca, porque o necessitado dela podemos ser nós... A plena garantia enseja o demorar do processo. Além disso, a rapidez processual esbarra em leis obsoletas, falta de recursos financeiros e não aprimoramento dos trabalhos Judiciários, aliados, à evidência, na notória carência de juízes.

 

Pois bem. Voltando à vaca fria: A Lei Processual Penal permite ao acusado, quando primário, de bons antecedentes, emprego e residência certas, aguardar o seu julgamento em liberdade. Queiram, ou não, é o que a lei determina! Errado? Não sabemos. Somos nós quem elege os legisladores que fazem as leis. Se há uma lei, expressamente, dispondo num sentido, o juiz não pode, embora intimamente até possa querer, determinar que o réu permaneça preso, contrariando o que determina a lei. Estaria até prevaricando para satisfazer um desejo de ordem pessoal... O alvoroço que se fez e se faz em torno do acusado 'Pimenta Neves' é bom para repensar as nossas Leis Penais e Processuais, para, de outro lado, modernizar o andamento do processo, dando-lhe maior celeridade. A discussão é válida. Mas, há de se ter bom senso ao direcioná-la. Paixões, nem sempre, geram luzes. Temo, entretanto, que se almeje uma lei que imponha a prisão provisória obrigatória quando o acusado estiver prestes a completar 70 anos, for jornalista e branco...

 

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*Advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados

 

 

 

 

 

 

 

 

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