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Recuperação Judicial: é preciso evitar o abuso

Emmanoel Alexandre de Oliveira e Roberta Maniglia de Resende Matos

Têm sido constante em jornais de grande credibilidade notícias e matérias a respeito do vultoso aumento no número de pedidos de recuperação judicial. O jornal O Estado de São Paulo, em matéria do dia 6 de março último, aduz que o crescimento chegou a 297 % em relação ao início do ano passado.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Atualizado em 13 de agosto de 2009 11:09


Recuperação Judicial: é preciso evitar o abuso

Emmanoel Alexandre de Oliveira*

Roberta Maniglia de Resende Matos*

Têm sido constante em jornais de grande credibilidade notícias e matérias a respeito do vultoso aumento no número de pedidos de recuperação judicial. O jornal O Estado de São Paulo, em matéria do dia 6 de março último, aduz que o crescimento chegou a 297 % em relação ao início do ano passado.

Só agora, em meio à crise econômico-financeira mundial, o instituto da Recuperação Judicial começa a ser efetivamente conhecido e experimentado pelas empresas brasileiras, que têm descoberto na lei 11.101/05 (clique aqui) uma alternativa real para os tempos difíceis

O meio de recuperação judicial mais usado e mais conhecido é a concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas e vincendas, mas o fato é que o artigo 50 da Lei oferece às empresas opções ilimitadas: se em seus 16 incisos cita cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade; constituição de subsidiária integral; administração compartilhada; usufruto da empresa, etc., no caput a expressão "dentre outros" autoriza o preenchimento da cláusula "pela vontade das partes levada ao juiz", conforme preleciona Manoel Justino Bezerra Filho1. Vê-se, pois, que ainda há muito que explorar na Lei de Falências e Recuperação. E no contexto atual, é certo que essas possibilidades começarão a ser experimentadas.

Se o legislador brasileiro foi feliz ao contemplar uma saída para a empresa em dificuldades sem onerar os trabalhadores, ao mesmo tempo que reserva alguma chance de recebimento para os credores (que em uma falência pouco ou nada recebem), há que se pensar que inspira cuidados - mormente em tempos de vacas magras - um instituto que não fixa prazos para o pagamento das dívidas e que coloca ao alcance da mão uma modalidade de suspensão de todas as execuções promovidas em face da empresa.

Assim, o Direito brasileiro terá que enfrentar, em breve, a questão de como regular o uso da Recuperação de modo que não se torne um entrave legal ao cumprimento das responsabilidades assumidas por empresas e empresários imprevidentes, um recurso legal a ser usado por maus empresários para se esquivarem de suas obrigações. A conta da má-administração não pode ser imposta aos credores, àqueles que, em momento anterior, confiaram em sua capacidade de honrar compromissos. E tampouco pode-se deixar que a desconfiança mine o sistema de concessão de créditos.

Em outras palavras, se por um lado a recuperação é um instrumento saudável, capaz de conceder prazo e alternativas de gestão para que o empresário probo se reorganize e continue a operar, por outro, é patente que seu abuso conduzirá ao descrédito do próprio instituto, e mais: protegerá empresários inábeis e empresas inviáveis em detrimento daqueles que um dia optaram por trabalhar pelo financiamento da produção, fonte de riqueza de toda a sociedade.

Pior: a demora pode facilitar a dilapidação do patrimônio, o acúmulo de débitos fiscais e trabalhistas, de modo a afastarem-se, cada vez mais, os credores quirografários do recebimento de seus créditos.

Aliem-se a isso as tentativas desesperadas (ou, por vezes, apenas descaradas) de transformar a recuperação judicial em ferramenta para a quebra, pura e simples, de contratos, com o esvaziamento de garantias, e está formado o quadro que permite dizer que a nova Lei não é, como vaticinou o Professor Manoel Justino, propícia à recuperação dos créditos bancários.

Como muitos doutrinadores do Direito e mesmo articulistas da área econômica têm destacado, nem toda recuperação judicial merece ser acolhida, e nem toda empresa merece ser recuperada. É da lógica do capitalismo selecioná-las.

Nessa linha, Fábio Ulhoa Coelho2 aduz que deve conseguir o benefício a empresa que demonstrar a viabilidade não só do plano de recuperação, mas de sua própria existência, já que há empresas que impõem perigo e risco ao mercado, e assim a toda a coletividade. Outras, pela reunião de algumas condições (importância social, tipo de mão-de-obra e tecnologia empregadas, volume do ativo e do passivo, tempo de existência, etc.), merecem que o poder judiciário e os credores reservem-lhes atenção especial:

Talvez o impasse comece a se resolver a partir da análise do poder que a lei 11.101/05 delegou aos credores reunidos em Assembléia, papel que, diga-se de passagem, é inovador e ativo, diferindo, em muito, da antiga concordata preventiva, em que assistiam, de mãos atadas, ao desenvolvimento burocrático do processo. À proporção de seus créditos, poderão os credores - e mais que isso, deverão - deliberar sobre a viabilidade do plano, bem como da empresa. Reunidos e bem-informados, os credores poderão, quem sabe, separar o joio do trigo, e assim, ditar as regras para a empresa que clama por ajuda.

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1 Manoel Justino Bezerra Filho. Nova Lei de Falências e Recuperação Comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 138.

2 Fábio Ulhoa Coelho. Comentários à Nova Lei de Falências. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 121.

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*Advogados do escritório Mauro Caramico Advogados

 

 

 

 

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