Arbitragem Legal

Os bastidores da atividade do árbitro na fase arbitral: a fase decisória

Os bastidores da atividade do árbitro na fase arbitral: a fase decisória.

15/12/2020

Nesta terceira e última parte dos estudos sobre os bastidores da atividade do árbitro, serão discutidos os principais aspectos inerentes à fase decisória da arbitragem.

Passada a fase instrutória, e recebidas as alegações finais das partes, chega-se o tão esperado momento de cumprir fielmente a missão confiada pelas partes aos árbitros: proferir uma sentença, seja ela parcial ou final. Conquanto haja a possibilidade de conversão do julgamento em diligência, foca-se nestas breves linhas o que na maioria das vezes ocorre, que é o proferimento de uma sentença.

Na dicção do art. 31 da Lei de Arbitragem, a "sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo". Ao constituir o ápice do procedimento arbitral, a sentença, para que tenha eficácia, deve ser exequível, ou passível de ser cumprida, seja espontaneamente, seja via ação de cumprimento de sentença junto ao Poder Judiciário1. A importância do proferimento de uma sentença exequível e irrecorrível, guarda relação com a confiança que as partes depositaram no instituto arbitral, e principalmente nos árbitros indicados para a resolução da controvérsia. Os árbitros possuem aqui uma verdadeira obrigação de resultado: só se exoneram quando o fim prometido é alcançado, isto é, a efetiva resolução do conflito.

Para que essa obrigação de resultado seja efetivamente cumprida, a interação entre os membros do tribunal arbitral deve ser intensa. Após o recebimento das alegações finais das partes, surge a fase de deliberação, em que os árbitros se reúnem para firmar suas posições acerca das matérias em discussão na arbitragem. Trata-se de momento crucial, em que se verifica, de forma efetiva, o quão independente e imparcial é o árbitro2. Como normalmente se dá a comunicação entre os árbitros durante essa fase?

Não existe uma regra específica para as deliberações dos árbitros no Brasil. O modo de agir parte da forma que cada tribunal arbitral entende ser adequado. Na maior parte das vezes, e mediante prévia informação, o(a) presidente do tribunal arbitral conduz o processo deliberatório por meio da apresentação de documento que reproduza sua opinião acerca dos pontos controvertidos do litígio bem como dos pedidos das partes. A forma de tal documento pode variar: relatório completo do caso com redação resumida do conteúdo decisório, pauta ou roteiro de deliberação, em que o(a) presidente do tribunal exporá seus apontamentos acerca de cada ponto controverso ou cada pedido da parte3, ou, sob a forma de uma decision tree, prática comum nas arbitragens internacionais4.

Apresentado o roteiro/pauta de deliberação ou a mencionada decision tree, devem os membros do tribunal arbitral se reunir, presencial ou remotamente, para deliberar sobre as questões a serem decididas. Podem ser acompanhados de eventual secretário administrativo do tribunal arbitral, que se encarregará de tomar notas da reunião, sem tecer considerações acerca do caso. As deliberações são reservadas aos julgadores e, eventualmente, ao secretário do tribunal, devendo ser respeitado o sigilo das deliberações, sob pena de se macular a higidez do procedimento.

O processo deliberatório não é simples. Não é uma simples reunião em que o(a) presidente do tribunal arbitral tece a sua opinião acerca dos pontos litigiosos e obtém um automático "de acordo" dos demais componentes do painel. Ao revés: o processo deliberatório é um processo intelectual, com ampla interação entre os árbitros e pode durar horas ou dias, a depender do caso. A intelectualidade do processo de deliberação se justifica pela profundidade das questões normalmente postas a julgamento e na importância de que a sentença seja proferida à unanimidade, o que só se consegue mediante estudo profundo dos autos, autoridade para fazer valer sua posição, saber ouvir opiniões diversas e saber abrir mão de determinadas posições e, mediante harmonia, estabelecer consenso5. Tais atos tomam tempo, mas são necessários para a construção do consenso nas deliberações6.

Evidentemente que, ter consenso e estabelecer unanimidade nas deliberações é sempre o mais desejável, porém, nem sempre possível. É normal que possa haver divergências e que um dos membros do tribunal não renuncie a sua posição, o que pode7 gerar um voto divergente, em separado8. Nada impede, entretanto, que a depender da divergência, a posição dissidente conste em nota de rodapé da decisão, prática comum e até mesmo recomendada em arbitragens internacionais9.

Definida a deliberação, cabe, normalmente ao árbitro presidente redigir a primeira minuta da decisão e submetê-la aos demais membros do tribunal arbitral para apreciação e comentários. Importante consignar neste ponto que é absolutamente impróprio submeter ao secretário(a) administrativo(a) do tribunal arbitral a redação da sentença. Quando muito, é admitida a redação do relatório da sentença pelo(a) secretário(a). Elaborar os fundamentos da sentença pelo próprio árbitro é de suma importância, eis que, redigir a decisão constitui parte de um processo intelectual que pertence exclusivamente ao julgador10. O que importa, ao fim e ao cabo, é a qualidade do "produto final"11 adotada nos bastidores da atividade dos árbitros, que é justamente a qualidade da sentença.

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Com o crescimento da prática arbitral no Brasil, e o aumento de seus players, revela-se importante descrever, ainda que resumidamente, como funcionam os bastidores da atividade do árbitro.

Enquanto os juízes estatais estão sujeitos a correição, recursos, bem como ao rígido controle do Conselho Nacional de Justiça ("CNJ") e permanecem em seus gabinetes diariamente recebendo advogados, despachando, realizando audiências e elaborando sentenças e, não é demais dizer, cumprindo metas impostas pelo CNJ, os árbitros não estão sujeitos a quaisquer tipos de controle. Árbitro não é árbitro de profissão, mas está árbitro, cumprindo uma missão confiada pelas partes que o(a)s indica e de forma temporária12. Quando muito, a sentença arbitral (e não o árbitro) é sujeita a uma demanda anulatória junto ao Poder Judiciário. A sentença está sujeita a controle, mas o árbitro não13. Tais pontos se colocam para justificar que essa é mais uma razão para que impere a confiança no instituto arbitral, revelando, essas breves notas, o quão importante é entender, ainda que de forma muito resumida, como funcionam os bastidores da atividade dos árbitros.

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1 Nesse sentido, dispõe o art. 515, inciso VII do Código de Processo Civil: "Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: (...) VII - a sentença arbitral;"

2 No mesmo sentido, a opinião de Piero Bernardini: "The process of deliberation is the moment of truth regarding the actual independence and impartiality required from party-appointed arbitrators beyond what they have stated initially in their declaration of independence notified subsequently during the course of the proceedings. It is only at the time of the deliberation that the true extent of each arbitrator's independence and impartiality comes to light" (Inside the Black Box: How Arbitral Tribunals Operate and Reach their Decisions (ed. Bernhard Berger and Michael E. Schneider). New York: JurisNet, 2014, p. 16).

3 Segundo Piero Bernardini: "(...) The best is for the chairman to prepare a kind of check list of questions for each of the issues to be examined based on the parties' arguments regarding each issue and outlining possible alternative solutions to individual issues so as to permit a full discussion". (Inside the Black Box: How Arbitral Tribunals Operate and Reach their Decisions (ed. Bernhard Berger and Michael E. Schneider). New York: JurisNet, 2014, p. 18).

4 Ver nesse sentido a opinião de Bernhard F. Meyer in Inside the Black Box: How Arbitral Tribunals Operate and Reach their Decisions (ed. Bernhard Berger and Michael E. Schneider). New York: JurisNet, 2014, pp. 59-63. No mesmo sentido ver DRAETTA, Ugo. Behind the Scenes in International Arbitration. New York: JurisNet, 2011, p. 87.

5 William G. Bassler exalta o princípio da colegialidade na arbitragem, da seguinte forma: "The virtue of collegiality is not more important than the duty of independence. Collegiality demands that each arbitrator respect the other arbitrator's view of the facts and the law. The facts are often nebulous and the law often equivocal or non-existent". (Inside the Black Box: How Arbitral Tribunals Operate and Reach their Decisions (ed. Bernhard Berger and Michael E. Schneider). New York: JurisNet, 2014, p. 113).

6 Segundo Ugo Draetta: "But the ultimate aim of a Chairperson is not to issue a majority award, but rather to seek the greatest possible degree of consensus between the co-arbitrators (…)" (Behind the Scenes in International Arbitration. New York: JurisNet, 2011, p. 86.).

7 Diz-se "poder" eis que, idealmente, no caso de divergência, basta que se inclua no dispositivo, por exemplo: "Votação por maioria". A apresentação de voto divergente em separado deve ser apresentada dependendo do nível de seriedade do dissenso, como entende Pierre Mayer: "The normal solution, whether you agree or not, is to sign and not make a dissenting opinion except, and in fact that is the answer if I may propose one, that all depends on the seriousness of the disagreement. I Would think that it is only in cases where the majority view is, in the mind of the other arbitrator, not only erroneous but really shocking that the dissenting opinion is legitimate. In other cases, you should accept that you gave been defeated". (Inside the Black Box: How Arbitral Tribunals Operate and Reach their Decisions (ed. Bernhard Berger and Michael E. Schneider). New York: JurisNet, 2014, p. 70).

8 Art. 24, § 2º da LArb: O árbitro que divergir da maioria poderá, querendo, declarar seu voto em separado.

9 Veja, nesse sentido, o relato de David. W. Rivkin: "In a different ICC case, we had very good discussions. We had a panel that had worked very well together, but in the end one of the arbitrators simply had a different view as to how the damages ought to be calculated. Because we had the trust, because we had all seen how we approached the case, and because that arbitrator felt that, while he disagreed, he understood the positions that other two of us were taking, he agreed to put that dissenting view in a simply footnote at the appropriate point of an opinion rather than writing a long and difficult dissent (…)". (Inside the Black Box: How Arbitral Tribunals Operate and Reach their Decisions (ed. Bernhard Berger and Michael E. Schneider). New York: JurisNet, 2014, p. 24).

10 Segundo Andrea Meier: "Some say a secretary may very well draft an award if he does it upon detailed instructions of the tribunal; others find this notion shocking because they feel that writing is part of the thinking process". (Inside the Black Box: How Arbitral Tribunals Operate and Reach their Decisions (ed. Bernhard Berger and Michael E. Schneider). New York: JurisNet, 2014, p. 82). Para Zachary Douglas: "I say all this despite being a fervent believer that the act of writing is the ultimate safeguard of intellectual control over the decision making process". (Inside the Black Box: How Arbitral Tribunals Operate and Reach their Decisions (ed. Bernhard Berger and Michael E. Schneider). New York: JurisNet, 2014, p. 89).

11 Assim entende Pierre Tercier: "What is important is the quality of the end product that comes out of the black box: the award." (Inside the Black Box: How Arbitral Tribunals Operate and Reach their Decisions (ed. Bernhard Berger and Michael E. Schneider). New York: JurisNet, 2014, p. 107).

12 Segundo o entendimento de Selma Ferreira Lemes: "Indaga-se o que é estar árbitro? Estar árbitro é mais do que investido para resolver a controvérsia. É ser uma pessoa disciplinada e sensível, ter disponibilidade de tempo para analisar convenientemente a demanda, preparar-se para as audiências, ter prontidão e iniciativa, não retardar as decisões e os despachos durante o procedimento arbitral (...) Enfim, estar árbitro é um ser humanista e atuar, também, como um diplomata". LEMES, Selma Ferreira. Notas sobre o Árbitro e o Procedimento Arbitral in Estudos de Direito: uma homenagem ao Prof. José Carlos de Magalhães. São Paulo: Atelier Jurídico, 2018, pp. 750-751.

13 Nesse sentido, o entendimento de Cândido Rangel Dinamarco: "Com esse perfil, a ação anulatória de sentença arbitral guarda alguma semelhança com a ação rescisória de sentenças ou acórdãos judiciais, dela diferindo em alguns aspectos (supra, n. 81). São legitimados a ela, (a) no polo ativo, aquele ou aqueles que houverem sucumbido no processo arbitral, interessados na desconstituição do laudo, e (b) no passivo, o vencedor ou vencedores, interessados em sua manutenção. São esses os sujeitos cujas esferas jurídicas serão de algum modo atingidas pelo julgamento de mérito a ser proferido na ação anulatória. O árbitro ou árbitros, embora sejam eles os autores do ato a ser anulado, não têm legitimidade para figurar na ação anulatória, tanto quanto o juiz estatal não é parte legítima à rescisória" (DINAMARCO, Cândido Rangel. A arbitragem na teoria geral do processo. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 236).

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Colunista

Thiago Marinho Nunes é doutor em Direito Internacional e Comparado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo; Mestre em Contencioso, Arbitragem e Modos Alternativos de Resolução de Conflitos pela Universidade de Paris II – Panthéon-Assas; Vice-Presidente da CAMARB; Fellow do Chartered Institute of Arbitrators; Professor Titular de Arbitragem e Mediação do IBMEC-SP; árbitro independente.