CPC na prática

Majoração e redução da multa do art. 537, do CPC/2015

Majoração e redução da multa do art. 537, do CPC/2015.

29/4/2021

Como se sabe, o § 1º do art. 536 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), traz um rol exemplificativo de medidas executivas que podem ser utilizadas para a obtenção do cumprimento de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa ("para atender ao disposto no caput,  o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial").

Dentre tais medidas a serem empregadas para a execução forçada de uma obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa, está prevista a multa (também conhecida como astreinte ou multa cominatória). Nas palavras de Cassio Scarpinella Bueno, "a multa deve ser compreendida como uma das diversas técnicas executivas com viés coercitivo que tem como finalidade convencer o executado de que é melhor acatar a decisão do magistrado, performando como lhe é determinado, seja para fins (preferencialmente) de obtenção da tutela específica ou, quando menos, para obtenção do resultado prático equivalente"1.

O art. 537, do CPC/2015, trata especificamente desta multa e de sua disciplina processual, ao esclarecer logo em seu caput que "A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito".

Cumpre observar que esta multa mencionada no § 1º do art. 536 e no art. 537, ambos do CPC/2015, não representa uma novidade em relação ao Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973). O art. 461, § 5º, do CPC/1973, estabelecia igualmente que "para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com a requisição de força policial”. E o § 4º do mesmo dispositivo dispunha que “o juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente e compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para cumprimento do preceito".

Porém, teve uma alteração na disciplina da multa entre o CPC/2015 e o CPC/1973 que está dando o que falar! Foi publicada no "site" do Superior Tribunal de Justiça (STJ) uma notícia para divulgar uma decisão tomada nos autos do EARESP n. 650.536/RJ. O título da notícia publicada em 09.04.2021 é o seguinte: "Desproporção do valor ou enriquecimento ilícito justificam a revisão de astreintes a qualquer tempo"2. Esta notícia, como era de se esperar, teve repercussão entre os estudiosos do direito processual civil, como se percebe no artigo de Flávia Pereira Ribeiro e Fernanda Zambrotta, publicado no Migalhas em 16.04.20213.

A alteração legislativa que está no cerne da polêmica diz respeito à possibilidade de revisão do valor da multa. O § 6º do art. 461, do CPC/1973 prescrevia que "o juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva". Já o § 1º do art. 537, do CPC/2015, dispõe que "o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: (...)"4.

Note-se bem: no ordenamento anterior o juiz estava autorizado a modificar o valor da multa, sem especificar se era o valor das multas vencidas ou das vincendas ou de ambas. No ordenamento atual, o CPC/2015 confere poder para o juiz modificar apenas o valor das multas vincendas. Em outras palavras, em uma interpretação literal do § 1º do art. 537, o juiz atual não pode modificar o valor das multas que já venceram.

Esta interpretação de que não é possível ao juiz reduzir o valor das multas que já venceram é adotada por parte da doutrina, como se pode depreender da lição de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, ao mencionarem: "(...) A redução, porém, não pode ter efeitos retroativos, atingindo valores que já incindindo; só se reduz multas vincendas"5.

Também avessa à hipótese de se modificar o valor da multa após o seu vencimento é a lição de Paulo Henrique dos Santos Lucon, para quem "(...) Decisão judicial existe para ser cumprida e não para ser objeto de infindáveis recursos. Minorar multa diária depois de tantos anos de litígio somente incentiva o obrigado a não cumprir suas obrigações e sendo a educação um dos escopos sociais da jurisdição, tem o efeito pedagógico negativo de fazer com que os outros devedores deixem igualmente de cumprir ordens judiciais"6.

Pois bem, pela notícia que foi publicada no "site" do STJ em 09.04.2021, a Corte Especial decidiu que o valor da multa pode, sim, ser alterado após o seu vencimento. "No caso dos autos, o ministro lembrou que, na fase de conhecimento – a ação discutia o reembolso de despesas médicas por operadora de plano de saúde –, o TJRJ determinou o pagamento de R$ 19,3 mil e fixou multa de R$ 500,00 por dia de descumprimento de ordem. Não havendo, portanto, empecilho para a reanálise das astreintes, Raul Araújo apontou que a multa cominatória de mais de R$ 730 mil ultrapassou, em muito, o valor da obrigação principal. Assim, segundo o voto do relator, a Corte Especial estabeleceu astreintes de R$ 100 mil". Em suma, nos termos da notícia veiculada pelo STJ sobre o acórdão do EARESP 650.536/RJ ainda não publicado, "instrumento legal para forçar o cumprimento de uma decisão judicial, as astreintes (multa cominatória) podem ter o seu valor revisto a qualquer tempo, a pedido ou por iniciativa do próprio juízo, sempre que se mostrar desproporcional ou desarrazoado, ou causar enriquecimento ilícito a uma das partes"7.

Obviamente, seria necessário ter acesso à íntegra do acórdão para se tecer maiores comentários à recente decisão da Corte Especial do STJ, mas parece que a decisão tomada está mais alinhada à segura lição de Cassio Scarpinella Bueno, para quem: "Assim, de forma bem direta, a multa é arbitrada com a expectativa de que seja suficiente e compatível para obter do executado o fazer ou não fazer desejado pelo exequente em prazo razoável (art. 537, caput). Na exata medida em que ela não se mostre capaz de levar àquele resultado ou próximo a ele (‘tutela específica ou resultado prático equivalente’, respectivamente), não há motivo para entender que a multa incida de maneira estática indeterminadamente. Ela deve ser majorada ou alterada sua periodicidade para o atingimento daquela finalidade. Se, mesmo assim, o direito do exequente não for satisfeito, o caso é de adoção de outras medidas de apoio em substituição à multa para, ainda assim, (tentar) perseguir a tutela específica ou quando menos o resultado prático equivalente. Na impossibilidade (ou se esta for a vontade do exequente), a solução reside na conversão da obrigação da obrigação em perdas e danos"8.

Em suma, não apenas o comportamento do executado deve ser levado em consideração para modificação do valor da multa, mas também o comportamento do exequente. Este último não pode aguardar por tempo indefinido o início da cobrança dos valores relativos à multa que o favoreçam sem tomar providências que lhe cabem para a satisfação do seu direito. Tal multa tem natureza coercitiva e não tem o objetivo de enriquecimento sem causa. Por outro lado, por mais que se concorde com este raciocínio e esta ordem de ideias, rever a multa já vencida contrariaria a letra fria do § 1º do art. 537 do CPC/2015 que autoriza apenas a modificação das multas vincendas. Aguardemos a publicação do acórdão do EARESP 650.536/RJ para sabermos exatamente, com todos os detalhes, como este problema foi superado pela Corte Especial do STJ...

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1 Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 3, 10ª edição, São Paulo, Saraiva, 2021, p. 545.

2 Disponível aqui (acesso em 28/4/2021).

3 Disponível aqui (acesso em 28/4/2021)

4 Grifos nossos.

5 Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, Novo código de processo civil comentado, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015, p. 584.

6 Cassio Scarpinella Bueno (org.), Comentários ao código de processo civil, v. 2. In: Paulo Henrique dos Santos Lucon, Comentários ao art. 537, São Paulo, Saraiva, 2017, p. 763.

7 Disponível aqui (acesso em 28/4/2021).

8 Cassio Scarpinella Bueno, Curso sistematizado de direito processual civil, v. 3, São Paulo, Saraiva, 2021, p. 552.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).