CPC na prática

O agravo de instrumento nas execuções fiscais de pequeno valor

Professor Rogerio Mollica destaca julgados do STJ sobre o não cabimento do agravo de instrumento nas execuções fiscais de pequeno valor.

15/9/2022

O Estudo das Execuções Fiscais mostra-se importante, eis que aproximadamente 35% dos feitos em tramitação em nosso país são Execuções Fiscais. As Execuções Fiscais correspondem, por exemplo, a 57% do acervo de processos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.1

E como é notório, em grande parte das Execuções Fiscais o valor cobrado é bastante baixo, muitas vezes sendo inferior ao próprio custo de tramitação do processo2.

 

Desse modo, continua relevante a previsão contida no artigo 34 da Lei de Execuções Fiscais:

"Art. 34 - Das sentenças de primeira instância proferidas em execuções de valor igual ou inferior a 50 (cinqüenta) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN, só se admitirão embargos infringentes e de declaração."3

 

Referida previsão sempre foi questionada por parte da doutrina4, entretanto, teve sua constitucionalidade reafirmada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2011, ao julgar o Tema 408 de Repercussão Geral5.

 

Apesar da previsão legal prever a restrição de recursos em face da sentença, desde muito a doutrina vem entendendo que tal restrição também seria aplicável ao Agravo de Instrumento: 

"(...) é evidente que, eliminando o duplo grau no principal, não o manteve no secundário. Assim, não cabe, nas execuções de alçada, o recurso de agravo(...); em contrapartida, não precluem as decisões. O ideal da irrecorribilidade das interlocutórias se implantou indiretamente, devolvendo-se ao conhecimento do órgão julgador, nas execuções de alçada, através da interposição dos embargos infringentes, todas as questões porventura antes decididas e nele impugnadas."

(Araken de Assis, Manual da execução. 11ª ed., São Paulo: RT, 2007. p. 1.059 e 1.061.) 

"Voltou-se, assim, ao sistema de causas de alc¸ada, para as quais na~o vigora o duplo grau de jurisdic¸a~o por provocac¸a~o das partes.

Duas indagac¸o~es, pelo menos, suscita a inovac¸a~o em seus aspectos pra'ticos:

a) caberia agravo de instrumento das deciso~es interlocuto'rias nas causas de alc¸ada?

b) caberia o duplo grau de jurisdic¸a~o necessa'rio (antigo recurso ex officio)?

Parece-nos que ambos os expedientes esta~o implicitamente inadmitidos pela atual sistema'tica das causas de alc¸ada para as execuc¸o~es fiscais."

(Humberto Theodoro Júnior, Lei de Execução Fiscal, 13ª ed., São Paulo: Saraiva, 2016, edição eletrônica, p. 356/357)

Esse também era o entendimento da Súmula 259 do extinto Tribunal Federal da Recursos: 

"Não cabe agravo de instrumento em causa sujeita à alçada de que trata a Lei 6.825/80, salvo se versar sobre o valor da causa ou admissibilidade de recurso."

Tal entendimento continua sendo prestigiado pelas duas Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça: 

"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. VALOR DA CAUSA INFERIOR A 50 ORTNS. ALÇADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APLICAÇÃO.

1. A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias é regida pela Lei n. 6.830/1980 e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil, conforme dispõe o art. 1º da referida Lei de Execução Fiscal.

2. O art. 34 da LEF estabelece o valor de alçada para eventual acesso ao segundo grau de jurisdição no montante de 50 (cinquenta) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTNs.

3. Em interpretação sistemática do regramento legal, conclui-se pelo não cabimento do agravo de instrumento contra decisões interlocutórias na hipótese de a execução fiscal não alcançar o valor de alçada do art. 34 da Lei n. 6.830/1980, conforme antigo entendimento jurisprudencial sedimentado na Súmula 259 do ex-TFR.

4. Agravo interno não provido."

(AgInt no AREsp n. 1.831.509/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 27/9/2021, DJe de 7/10/2021.)

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. VALOR DA CAUSA INFERIOR A 50 ORTNS. ALÇADA. RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO CABIMENTO.

I - Na origem, trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, em processo de execução fiscal, determinou a intimação da municipalidade para o recolhimento das despesas de citação postal, sob pena de extinção da ação executiva. No Tribunal a quo, não se conheceu do recurso.

II - Não havendo, no acórdão recorrido, omissão, obscuridade, contradição ou erro material, não fica caracterizada ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015.

III - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica ao afirmar que não há recurso para a segunda instância quando o valor executado for inferior ao valor de alçada, de modo que, estando o valor da execução abaixo do estipulado, haverá exceção ao duplo grau de jurisdição, seja para a Fazenda Pública, seja para o executado.

Confiram-se: AgInt nos EDcl no AREsp 1.700.964/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 24/8/2020, DJe 27/8/2020 e AgInt no AREsp 1.831.509/SP, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 27/9/2021, DJe 7/10/2021.

IV - Recurso especial improvido."

(AREsp n. 1.751.847/SP, relator Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 22/8/2022.)

No IAC no RMS 54712 / SP, a Primeira Seção, do Superior Tribunal de Justiça também decidiu que "Não é cabível mandado de segurança contra decisão proferida em execução fiscal no contexto do art. 34 da lei 6.830/80".

Desse modo, a limitação recursal imposta pela lei somente em face da sentença vem sendo estendida para também abranger o Agravo de Instrumento e mesmo o Mandado de Segurança cabendo ao jurisdicional ficar atento a tão extensão.

__________

1 Disponível aqui, p 171.

2 "De todo modo, com base nos dados fornecidos, é possível fazer constatações relevantes em relação a um dos problemas identificados: grande parte das execuções fiscais ajuizadas exige valores inferiores ao custo de tramitação do próprio processo de execução. A análise preliminar dos dados leva à conclusão de que é necessário alterar o sistema de cobrança de débitos, evitando-se ajuizamento de execuções fiscais que custarão mais do que o valor que se pretende cobrar." (Disponível aqui, p. 127)

3 "Valor de alçada: 50 OTNs. Para a atualização do valor de alçada, utiliza-se a sequência de indexadores OTN/BTN/INPC/UFIR, aplicando ainda o IPCA-E a contar de janeiro de 2000, data da última UFIR divulgada. Note-se que a UFIR foi extinta pela MP n. 1973-67, em 26 de outubro de 2000, mas vinha sendo fixada anualmente, sendo que seu último valor foi de R$ 1.0641, em 1o de janeiro de 2000. De rigor a utilização do IPCA-E a partir de janeiro de 2001 consoante a decisão do STJ no REsp 1.168.625, sujeito ao regime do art. 543-C do CPC, pois servia de parâmetro para a fixação da UFIR (vide adiante a ementa e os comentários sobre o critério adotado e os valores indicados em tal julgado). Não há como aplicar a SELIC porque esta abrange tanto correção como juros. A aplicação da TR, por sua vez, não recompõe sequer o processo inflacionário, além do que não encontra sustentação legal, na medida em que a atualização do valor da causa não corresponde à hipótese do art. 1o-F da Lei n. 9.494/97, com a redação da Lei 11.960/2009, que determina a utilização dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança para a atualização das condenações impostas à Fazenda Pública. Valor de alçada, atualizado pelo IPCA-E: jan/2018: R$ 1.020,16; jan/2017: R$ 990,26; jan/2016: R$ 934,74; jan/2015: R$ 844,09; jan/2014: R$ 785,87; jan/2013: R$ 742,45; jan/2012: R$ 701,91; jan/2011: R$ 658,73; jan/2010: R$ 622,66; jan/2009: R$ 597,64; jan/2008: R$ 563,27; jan/2007: R$ 539,72; jan/2006: 524,22; jan/2005: R$ 495,11; jan/2004: R$ 460,42; jan/2003: R$ 419,09; jan/2002: R$ 374,23; e jan/2001: R$ 348,08.” (Leis de processo tributário comentadas: processo administrativo fiscal, protesto extrajudicial de títulos e execução fiscal / Leandro Paulsen, René Bergmann Ávila e Ingrid Schroder Sliwka – 9. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, edição eletrônica, p. 760)".

 

4 "(...) se afirma sem susto a impropriedade do dispositivo. Não há de se conceber, ao menos na vigência da nossa Constituição, a possibilidade de se suprimir o direito de acesso ao Judiciário, seja em primeira ou segunda instância. A ampla defesa e o pleno direito de ação, se tomados como garantias efetivas, como demanda a moderna processualística, fulminam a legitimidade da limitação fundada no valor de alçada." (MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro – Administrativo e Judicial. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2010. p. 678.).

5 "É compatível com a Constituição o art. 34 da lei 6.830/1980, que afirma incabível apelação em casos de execução fiscal cujo valor seja inferior a 50 ORTN."

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).