Meio de campo

O dilema Moreira Salles

O dilema Moreira Salles.

19/12/2018

João e Walter Moreira Salles trouxeram alguma esperança ao futebol brasileiro. A ilusão de que pudessem adquirir o Botafogo ecoou pelo país, criando a expectativa – equivocada – de que, com essa iniciativa, se escreveria o roteiro de uma história com final feliz.

Porém, a propagação da notícia logo perdeu o ímpeto, indo-se com ela nova oportunidade para empreender-se um debate sobre as causas dos males do futebol e os remédios para combatê-los.

Assim, a suposta iniciativa dos irmãos deixou de ser enfrentada com a devida profundidade, restando, por ora, apenas para memória, um punhado de textos tratados, em sua maioria, de modo superficial.

De todo modo, ainda vale investigar: a entrada da família faria bem ou mal ao Botafogo? Além disso: repercutiria, positiva ou negativamente, no modelo organizacional do futebol brasileiro?

Não se duvide da boa intenção dos irmãos; aliás, é provável que ambos fossem realmente capazes de ajudar o Botafogo, aportando recursos a fundo perdido, se reconhecessem a possibilidade de inauguração de um novo modelo administrativo, imune aos equívocos e às apropriações indevidas que o transformaram numa espécie de entidade vegetativa, que ainda sobrevive à conta da paixão de seus torcedores.

No entanto, parece que o propósito deles é muito mais profundo – e, adotando-se expressão da moda, republicano – do que se divulgou, e não se resume ao aproveitamento de uma oportunidade (financeira ou sentimental).

Em carta ao Blog do Juca, um dos irmãos, João, afirmou que eles não estavam analisando a compra do time, por diversos motivos, dentre os quais o reconhecimento do fracasso do modelo administrativo atual.

Por outro lado, estariam comprometidos com o estudo de uma nova forma de estruturação da atividade futebolística e esperavam oferecer alternativas para que o Botafogo pudesse, a partir delas, escolher seu caminho.

Esse posicionamento se coaduna com a provocação do Jornalista Juca Kfouri, que, apesar de reconhecer a boa intenção dos Moreira Salles, defendeu – e defende - que atos de generosidade não solucionarão o problema estrutural do futebol brasileiro.

O diagnóstico está correto.

Desde o advento da Lei Pelé colecionam-se casos de pessoas – ou empresas – que se apresentaram como salvadoras, transferiram recursos para determinados times, obtiveram êxitos momentâneos e, em algum momento, por esgotamento, perda de interesse ou revelação dos verdadeiros propósitos, interromperam o processo e o fluxo de capital, e, então, desapareceram.

É possível que esse também fosse o desfecho das pretensões dos irmãos, caso se aventurassem por esse ambiente que, como todos sabem, asfixia o futebol brasileiro e repele iniciativas construtivas.

Não se pretende aqui, no entanto, condenar eventuais medidas isoladas. Elas podem atacar problemas pontuais e, conforme o caso, criar sensação de estabilidade, no âmbito do modelo existente, que é pródigo na construção de instabilidade. Porém, jamais induzirão a formação do ecossistema sustentável que o futebol reclama – e merece.

O Palmeiras é, nesse sentido, o melhor exemplo, assim como também foi durante os anos em que recebeu, na década de 90, recursos quase ilimitados de determinado patrocinador transnacional.

Nada atesta que o seu atual sucesso seja sustentável e, pior, que melhorará o ambiente do futebol: primeiro, porque não é replicável e, segundo, porque é escorado em uma relação de dependência e subordinação.

Ou seja, ou o êxito palmeirense criará um hiato insuperável em relação aos oponentes, pela ausência de meios de financiamento da atividade futebolística dos demais times, ou o seu fracasso o recolocará no medíocre patamar de captação dos concorrentes, puxando-o de volta à dura realidade terceiro-mundista.

Nenhum desses casos, incluindo um hipotético investimento dos Moreira Salles no Botafogo, sob o regime associativo atual, estimula, como se demonstra, a transformação sistêmica; resolve, apenas, problemas pontuais e fragiliza as já débeis estruturas internas, que costumam desmoronar com o fim, amigável ou não, das "parcerias".

Tais situações revelam, por outro lado, que há interesse no futebol brasileiro e que, se até este ponto os times locais não foram capazes de encontrar soluções sustentáveis para o enfrentamento da competição com os principais times europeus, isso se deve (i) à inexistência de um marco regulatório apropriado e (ii) à incapacidade da sociedade de reconhecer a importância social e econômica do futebol para a população brasileira e para o país.

Espera-se, assim, que o Dilema Moreira Salles contribua, ao menos, para inserir o futebol no centro das mais relevantes discussões de governo e para estimular a criação, a partir do regime da sociedade anônima do futebol, do novo sistema (e do novo mercado) do futebol.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.