Meio de campo

O impacto da (suposta) mudança das regras de captação de recursos incentivados pela SAF - mais um levantamento do IBESAF

A coluna aborda como o parecer do Ministério do Esporte limita SAFs na lei de incentivo ao esporte, gerando insegurança jurídica e desigualdade no acesso a recursos.

12/11/2025

Carlos Eduardo Ambiel e Mariana Araújo Evangelista expuseram, por todos, em artigo publicado semana passada, denominado “O retrocesso da nova interpretação que limita os recursos da lei de incentivo ao esporte para as SAF’s”(“artigo”), a (equivocada) orientação que passou a reger a captação de recursos, por intermédio da lei 11.438, de 29/12/06 ou LIE - lei de incentivo ao esporte, pelas sociedades anônimas do futebol.

A qualidade do texto afasta a necessidade de complementação ou aprofundamento. Faz-se a seguir, porém, uma brevíssima recapitulação, apenas como introito do quadro que se mostrará ao final.

O ponto de partida é o parecer 00160/2025/CONJUR-MESP/CGU/AGU (“parecer”), de 26/8/25, que fixou extravagante entendimento sobre o tema, para restringir a legitimação da SAF como proponente de projetos incentivados – apesar da inexistência de fundamento jurídico, como demonstrado pela dupla de articulistas.

Em suma, a captação, por via da LIE, estaria limitada a apenas uma das manifestações previstas no art. 2º desta lei2, qual seja, a educacional, desautorizando-se, assim, projetos enquadrados nas outras modalidades, em especial a manifestação de desporto de rendimento.

O Parecer funciona como farol para os membros da comissão técnica vinculada ao Ministério do Esporte, órgão competente para avaliar e aprovar o enquadramento de projetos, apresentados na forma do art. 5º da LIE. Mesmo que eles tenham posições divergentes, não deverão conduzir-se de modo autônomo, por temor de responsabilização. Inclusive porque, ao se acessar o sítio eletrônico do Ministério dos Esportes, o leitor encontrará um aviso sobre o imbróglio, com o seguinte conteúdo:

Proponentes de SAF’s. Considerando a orientação no parecer (...), informamos que: Todos os novos projetos apresentados no âmbito da lei de incentivo ao esporte deverão, obrigatoriamente, ser enquadrados na manifestação educacional. Os projetos já protocolados (independentemente da fase que se encontram) deverão ser adequados, no momento oportuno, para atender a essa determinação. A observância desta orientação é condição indispensável para a conformidade legal e para a regular tramitação dos projetos3.  

Mais: com essa orientação expressa, o patrocinador ou o doador (que é “a pessoa física ou jurídica, contribuinte do imposto de renda, que apoie projetos aprovados pelo Ministério do Esporte”) que pretendesse destinar impostos para projetos de manifestação de desporto de rendimento, na forma da LIE, conforme arranjos previamente estabelecidos com proponentes, também deverá suspender ou interromper a destinação, pela insegurança causada pelo parecer.

Disso tudo resulta que, por força do Parecer, clubes, constituídos sob a forma de associação sem fins econômicos, estão autorizados a captar sob qualquer manifestação, mesmo que tenham receitas multimilionárias ou bilionárias, e SAF’s, qualquer que seja seu tamanho ou propósito, até mesmo a prática exclusiva do futebol feminino, estarão admitidas apenas à captação sob a manifestação educacional.

Em função disso, vislumbram-se, em princípio, três caminhos para pacificação da situação: um, que não deve ocorrer, consistente no conformismo das SAF’s diante do tratamento não previsto em lei e na desistência do acesso a recursos incentivados; segundo, de natureza administrativa, que envolve a revisão do conteúdo do parecer, mediante sua revogação; terceiro, judicial, para afastamento de seu conteúdo e efeitos.

O segundo caminho poderia (ou deveria) ser mais rápido e seguro, pois seus resultados não cambaleariam em função de decisões liminares, pedidos de revisão, recursos e assim por diante, e devolveria ao contribuinte a segurança da aplicabilidade da política de incentivo ao esporte.

O terceiro, apesar dos diversos argumentos de ataque, afastaria o interesse dos mesmos contribuintes, que continuariam a ter outros setores incentivados para destinar parcela de impostos, sem a incerteza jurídica provocada pelo Parecer.

Diga-se, ademais, que a orientação implica inevitável custo jurídico e econômico ao sistema, que deverá se ver às voltas com mais e novos processos judiciais, movimentadores da estrutura de Estado, para questionamento não apenas do próprio parecer, como da surpreendente (e irrealista) indicação contida no sítio eletrônico, para que projetos em andamento sejam adequados à modalidade educacional admitida.

Por fim, para que se tenha ideia do impacto, o IBESAF - Instituto Brasileiro de Estudos e Desenvolvimento da Sociedade Anônima do Futebol realizou, sob a condução do pesquisador Iago Fernandes Espírito Santo, um levantamento dos projetos que envolvem SAF’s e extraiu as seguintes informações4:

O quadro abaixo plota as informações da pesquisa:

Proponente

Projeto

Finalidade Desportiva

Valor Autorizado para Captação

1

Cuiabá Esporte Clube - Sociedade Anônima do Futebol

 PDE - Programa de Desenvolvimento Esportivo, Social e Educacional do Cuiabá

Educacional

R$ 1.451.074,00

 Centro de Formação de Atletas do Cuiabá Esporte Clube – SAF

Rendimento

R$ 3.796.623,84

Centro de Formação de Atletas do Cuiabá Esporte Clube - SAF - 2ª Edição

Rendimento

R$ 2.652.570,12

Participante do Edital LIE - 2024 - PDE do Cuiabá Esporte Clube - SAF

Educacional

R$ 320.087,50

2

Cruzeiro Esporte Clube - Sociedade Anônima do Futebol

Educação 5 Estrelas

Educacional

R$ 3.583.202,76

Crias da Toca

Rendimento

R$ 4.989.365,94

Crias da Toca - Os Campeões

Rendimento

R$ 3.998.017,47

3

Sfera Sociedade Anônima do Futebol

De jogador a Atleta - Desenvolvimento Integral de Atletas de Futebol de Alto Rendimento do Sub 15

Rendimento

R$ 1.661.273,52

De jogador a Atleta - Desenvolvimento Integral de Atletas de Futebol de Alto Rendimento do Sub 15

Rendimento

R$ 1.347.192,04

4

Itabirito Sociedade Anônima do Futebol

IFC Sub 15 e 17

Rendimento

R$ 3.517.923,65

IFC Sub 14 e 12

Rendimento

R$ 1.558.701,24

IFC - Sub 20

Rendimento

R$ 2.193.952,73

IFC Sub 20

Rendimento

R$ 2.203.952,73

Gato do Mato

Educacional

R$ 2.124.439,70

Gato do Mato II

Educacional

R$ 2.360.287,75

Gato do Mato - Núcleo BH

Educacional

R$ 4.109.973,60

5

Clube Laguna Sociedade Anônima do Futebol

Joalheria Laguna de Formação

Rendimento

R$ 1.103.800,28

6

Boston City Futebol Clube Brasil S.A.F

Boston City - Sub 15

Rendimento

R$ 1.694.411,69

Boston City - Sub 17

Rendimento

R$ 1.694.411,69

 Boston City - Sub 20

Rendimento

R$ 1.694.411,69

Boston City - Sub 15

Rendimento

R$ 621.697,86

7

Maringá Futebol Clube S.A.F

Meninos do Ingá

Rendimento

R$ 1.318.972,20

Futebol para todos - Formando campeões Ano II

Educacional

R$ 393.262,10

8

A.C. Esportes S.A.F.

AC Iniciação

Rendimento

R$ 2.009.343,78

AC Formação

Rendimento

R$ 3.892.548,05

Esquadrão São João Del Rei

Educacional

R$ 2.073.510,24

9

Santa Cruz Acre Esporte Clube S.A.F.

Centro de Formação de Atletas do Santa Cruz e.c. – SAF

Rendimento

R$ 1.272.007,50

Participante do Edital LIE 2024 - PDE do Santa Cruz Acre – SAF

Educacional

R$ 393.552,20

10

Esporte Clube Bahia S.A.F

Bahia do Futuro: Iniciativas de Desenvolvimento na Divisão de Base do EC Bahia

Rendimento

R$ 4.998.397,00

11

Atlético Mineiro S.A.F.

Galinho CAMpeão - Sub 15

Rendimento

R$ 2.437.242,34

Galinho CAMpeão - Sub 13

Rendimento

R$ 2.014.774,68

Galinho CAMpeão - Sub 14

Rendimento

R$ 2.293.422,82

Vingadoras Base Futebol Feminino

Rendimento

R$ 3.425.753,38

Galo Doido por Minas Gerais

Participação

R$ 498.105,71

12

 Ferroviária S.A.F.

Base de Ferro – Estruturação

Rendimento

R$ 4.030.578,36

13

Bom Jesus dos Perdões Sport Club S.A.F.

Base BJP SPORT CLUB

Participação

R$ 903.181,92

14

Esporte Clube São Bernardo S.A.F

Cachorrão Down é Up

Educacional

R$ 364.837,44

Cachorrão Down é Up

Educacional

R$ 364.837,44

15

Azuriz Futebol de Alta Performance SAF

Azuriz Futebol de Alta Performance SAF - Base Sub 20

Rendimento

R$ 1.168.630,00

16

Nova Venécia SAF

Nova Venécia - Esporte e Inovação Social

Rendimento

R$ 3.800.341,82

TOTAL

R$ 86.330.670,78

Por fim, vale registrar que, além dos projetos apresentados pelas SAF’s, desde o advento da própria lei da SAF, foram aprovados outros 11.109 projetos propostos por clubes, federações, institutos, fundações e demais entidades sem fins econômicos, totalizando montante autorizado para captação de R$ 12.958.285.128,82

_______

1 Disponível aqui.

2 Art. 2º Os projetos desportivos e paradesportivos, em cujo favor serão captados e direcionados os recursos oriundos dos incentivos previstos nesta Lei, atenderão a pelo menos uma das seguintes manifestações, nos termos e condições definidas em regulamento:

I - desporto educacional;

II - desporto de participação;

III - desporto de rendimento.

§ 1º Poderão receber os recursos oriundos dos incentivos previstos nesta Lei os projetos desportivos destinados a promover a inclusão social por meio do esporte, preferencialmente em comunidades de vulnerabilidade social.

§ 2º É vedada a utilização dos recursos oriundos dos incentivos previstos nesta Lei para o pagamento de remuneração de atletas profissionais, nos termos da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, em qualquer modalidade desportiva.

§ 3º O proponente não poderá captar, para cada projeto, entre patrocínio e doação, valor superior ao aprovado pelo Ministério do Esporte, na forma do art. 4º desta Lei.

3 Disponível aqui; Acesso em 11/11/25.

4 As informações foram obtidas a partir de dados disponibilizados pelo Ministério do Esporte, disponíveis aqui; Acesso em 11/11/25.

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Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.