Meio de campo

Reflexões sobre a SAF, o clubismo e o futuro dos grandes times

Rodrigo R. Monteiro de Castro apresenta reflexões sobre a SAF, o clubismo e o futuro dos grandes times.

10/12/2025

Ao final de 2023, ano em que alguns projetos relevantes de SAFs começavam a engatinhar, analistas afirmavam que o modelo fracassara, por conta dos resultados, sobretudo, de três deles: Botafogo, Cruzeiro e Bahia.

A posição foi imediatamente rechaçada neste espaço e as justificativas pareciam óbvias: apesar de o Botafogo SAF ter liderado a maior parte do campeonato, a 5ª posição, para quem, dois anos antes, estava na Série B, sinalizava uma perspectiva de mudança estrutural relevante; enquanto isso, a proposta dos acionistas da SAF do Cruzeiro contemplava um ano difícil, após subir da Série B para A, mas já projetava uma evolução para o ano seguinte, consistente na participação em uma decisão de copa e um melhor desempenho na Série A. Já o Bahia SAF, com seu poderoso controlador, que pouco falou – e ainda pouco fala –, e recebeu insensatas críticas (por quase o time ter sido rebaixado, posição em que esteve, aliás, em 2022), passava por um processo de compreensão e adaptação do ambiente brasileiro, que logo se reverteria.

Em 2024, o Botafogo SAF atingiu marcas improváveis, em tão curto prazo, com a conquista do brasileiro e do mais importante título de sua história, a Libertadores da América. A SAF do Cruzeiro alcançou a 9ª colocação na Série A e voltou a uma final internacional, na Copa Sul-Americana. E o Bahia SAF reencontrou a mesma Libertadores após 35 anos de ausência.

Neste ano de 2025, a SAF do Cruzeiro atingiu a terceira posição na tabela final. O Botafogo SAF, com a 5ª posição, garantiu sua terceira participação consecutiva na Libertadores da América e o Bahia SAF, pela primeira vez em sua história, disputará essa competição duas vezes seguidas.

As três SAFs passaram por experiências distintas ao longo de, até aqui, suas curtas jornadas.

O Botafogo SAF, após extrema exposição midiática de seu acionista controlador e de movimentos empresariais e esportivos polêmicos, envolveu-se em uma batalha judicial transnacional. A SAF do Cruzeiro mudou de mãos e passou a ser controlada e gerida por um empresário e torcedor emblemático, que tem recursos e fluxo para investir, reinvestir, tomar riscos, corrigir rotas e mirar em alvos grandiosos. O Bahia SAF, por fim, parece conviver com um modelo estável, como nenhum outro, capaz de projetar movimentos e resultados e, quem sabe, surpreender o país com ambições maiores, muito maiores do que se pode supor.

A novidade, no ambiente da SAF, pode ser, conforme notícias veiculadas pela imprensa1, o projeto do Fluminense, já abordado neste espaço2, cujas características únicas o habilitarão aos mais altos voos na hierarquia nacional e latino-americana. Além dele, o ressurgimento do Athlético Paranaense, time que jamais deveria ter caído, e que deverá voltar mais cascudo e, ao que notícias de imprensa também apontam, tende a caminhar para a formação de uma SAF também especial, por conta da solidez de sua estrutura patrimonial e financeira.

Esses times deverão se juntar, se confirmados os projetos, à SAF do Galo, que passa por crise econômica, mas encontrará, com apoio de seus controladores, saída, de modo planejado, para seus desafios; à SAF do Vasco, também em crise, mas que também poderá decolar quando resolver seus imbróglios jurídico-societários; à SAF do Coritiba, que será testada em 2026, como resultado dos esforços pioneiros de um fundo “faria limer”; e ao único clube-empresa na Série A, o Red Bull Bragantino, que convive com uma situação peculiar: ótima estrutura, salários de jogadores em dia, localizado em cidade que oferece boa qualidade de vida, mas que parece ainda lutar contra um possível acomodamento decorrente da ausência de torcida e da pressão externa por resultados.

No curto prazo, apostando-se na implementação de algumas SAFs e na estabilização de outras – que conviverão, sem dúvidas, com baixas em suas trajetórias, porém, com melhores condições para enfrentamento de obstáculos –, como poderão os demais times tradicionais em crise, com grandes torcidas, que insistem no modelo associativo, competir com SAFs capitalizadas, bem administradas, sem conflitos políticos e estáveis nos planos societário e organizacional?

Sem falar na dificuldade – ou quase inviabilidade – de competir com os dois clubes que, em passado recente, descolaram-se dos demais, inclusive das SAFs: o Flamengo e o Palmeiras.

São Paulo, Corinthians, Santos, Grêmio e Internacional encontram-se, pois, em uma encruzilhada histórica, quase mortal. Salvaram-se todos em 2025, mas até quando se sustentarão, por conta de suas torcidas e das glórias do passado, com endividamentos impraticáveis e ineficiências inerentes ao clubismo?

Não há mais tempo, pelas características do mercado do futebol, para que resgates parcimoniosos como o do Flamengo - operado no caso, a partir do início da década passada -, ocorram. O dinamismo das relações e a evolução das receitas dos protagonistas, que progridem geometricamente, não respeitam a evolução aritmética das associações, submetidas a políticas degenerativas.

Mesmo assim, que ninguém se surpreenda se algum dirigente de grande clube, em crise, olhar para o Mirassol e indicá-lo como prova de que ainda há salvação no clubismo. 

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1 Conforme disponível aqui. Acesso em 09.12.2025.

2 Disponível aqui. Acesso em 09.12.2025.

Colunista

Rodrigo R. Monteiro de Castro advogado, professor de Direito Comercial do IBMEC/SP, mestre e doutor em Direito Comercial pela PUC/SP, coautor dos Projetos de Lei que instituem a Sociedade Anônima do Futebol e a Sociedade Anônima Simplificada, e Autor dos Livros "Controle Gerencial", "Regime Jurídico das Reorganizações", "Futebol, Mercado e Estado” e “Futebol e Governança". Foi presidente do IDSA, do MDA e professor de Direito Comercial do Mackenzie. É sócio de Monteiro de Castro, Setoguti Advogados.

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