Observatório da Arbitragem

Arbitragem, energia e governança: O desafio da Margem Equatorial

A coluna aborda como a licença na Margem Equatorial expõe que, além do potencial energético, a estabilidade regulatória e a arbitragem são decisivas para viabilizar investimentos estratégicos.

16/12/2025

Após quase cinco anos de impasse entre a Petrobras e o Ibama, a licença ambiental que autoriza a perfuração de um poço exploratório em águas profundas na Margem Equatorial que é uma região estratégica ao largo do Amapá foi finalmente concedida1.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e biocombustíveis a Margem Equatorial tem potencial estimado de 30 bilhões de barris de óleo equivalente e pode adicionar até 1,1 milhão de barris/dia à produção nacional a partir de 2029. A região é tratada pelo governo federal e por agentes privados como a nova fronteira geológica promissora, comparável ao pré-sal em termos de potencial energético e arrecadatório. Contudo, a demora na concessão da licença evidenciou algo maior: a volatilidade regulatória hoje pesa tanto quanto as incertezas geológicas. O custo do tempo é, nesse setor, um custo econômico real: afeta cronogramas, posterga investimentos e reduz a atratividade comparativa do país na disputa global por capital exploratório2.

O episódio deve provocar a expansão do setor de petróleo e gás em novas fronteiras. Contudo isso não depende apenas de tecnologia ou capital. Ela está condicionada, sobretudo, à estabilidade institucional, ao desenho contratual e à existência de mecanismos confiáveis de resolução de disputas.

Para o setor o recado nos parece bem evidente: projetos de alta complexidade, com múltiplas camadas de risco (ambiental, regulatório, socioeconômico e tecnológico), exigem um aparato jurídico capaz de acomodar divergências sem paralisar empreendimento estratégicos.

A modelagem contratual do setor traz consigo a exigência de soluções jurídicas igualmente sofisticadas.

Os modelos contratuais que estruturam o setor de petróleo e gás (concessão, partilha, participation agreements e risk-service agreements) funcionam como diferentes arranjos de alocação de risco, repartição de receitas e definição da titularidade dos recursos, refletindo o grau de intervenção estatal e o apetite de risco dos investidores3.

Nos contratos de concessão, a empresa assume integralmente os custos e riscos geológicos, tornando-se proprietária do petróleo após a extração; na partilha, o Estado mantém a titularidade do recurso até a produção, distribuindo volumes entre custo-óleo e lucro-óleo; já os participation agreements criam joint ventures nas quais o Estado participa diretamente dos investimentos e da operação; enquanto os risk-service agreements preservam a soberania estatal sobre o petróleo, remunerando o contratado por serviços prestados, sem direito ao volume produzido. Essa arquitetura contratual, combinada a cláusulas sofisticadas como take-or-pay, ship-or-pay, reequilíbrio econômico-financeiro, estabilização e revisão de preços evidencia que o setor depende de modelos jurídicos capazes de lidar com projetos de alto CAPEX, ciclos longos e incerteza regulatória, razão pela qual a arbitragem se tornou o mecanismo institucional central para garantir previsibilidade, coerência econômica e enforcement dessas obrigações complexas4.

No Brasil, além da lei de arbitragem, há normas específicas que regulamentam o uso da arbitragem no setor de petróleo e gás. A lei do petróleo (lei 9.478/1997, art. 43, X) prevê que os contratos de concessão devem conter cláusulas sobre a solução de controvérsias, incluindo conciliação e arbitragem internacional, garantindo segurança jurídica às concessionárias.

Da mesma forma, a lei 12.351/10 (art. 29, XVIII), que regula o regime de partilha de produção, estabelece que tais contratos devem prever arbitragem como meio de solução de disputas, reforçando sua aplicabilidade no setor, inclusive em litígios envolvendo a ANP - Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, como será analisado mais adiante.

No regime de partilha de produção, adotado para o pré-sal e áreas estratégicas, a União é proprietária do petróleo extraído, e as empresas contratadas recebem parte da produção como compensação pelos investimentos realizados. Esse modelo dá origem a disputas arbitráveis envolvendo a metodologia de cálculo da produção partilhada, custos recuperáveis, ajustes de pagamentos e fiscalizações da ANP, que impactam diretamente a rentabilidade do projeto. Como envolve negociações complexas entre o Estado e investidores privados, o regime prevê cláusulas arbitrais para resolver litígios relacionados à metodologia de cálculo da produção partilhada, custos recuperáveis e outros assuntos correlatos5.

Além disso, o licenciamento ambiental, embora essencial, não pode se transformar em um campo de incerteza absoluta sob pena de inviabilizar investimentos multibilionários em regiões de grande potencial. Ao mesmo tempo, o rigor ambiental é condição inegociável.

É exatamente aí que a arbitragem cumpre um papel estratégico.

A experiência brasileira e internacional demonstra que setores de infraestrutura intensiva como petróleo e gás só prosperam quando existe um mecanismo estável para recompor expectativas frustradas e evitar que disputas técnicas sejam capturadas por agendas políticas. Casos como Newfield, Cowan e Parque das Baleias revelam que divergências entre órgãos ambientais, reguladores e concessionárias são inevitáveis; o que não pode ser inevitável é a instabilidade decorrente delas6.

É necessário criar uma camada adicional de governança que permita corrigir distorções, resolver impasses e proteger os efeitos econômicos de decisões administrativas sem que isso signifique precarização ambiental ou captura regulatória. A arbitragem, ao focar nos impactos patrimoniais e no equilíbrio contratual, evita que conflitos paralisem projetos estratégicos e preserva a confiança nas regras do jogo7.

Ninguém duvida que a autorização para perfuração na Margem Equatorial marca um avanço importante. Mas também lança luz sobre o que ainda falta: coordenação institucional, clareza processual e mecanismos robustos de estabilidade contratual. Sem isso, o Brasil corre o risco de repetir velhos ciclos, isto é, ter avanços técnicos acompanhados de retrocessos regulatórios.

Se o país quiser se posicionar como protagonista na transição energética e atrair capital global para novas fronteiras, a lição é evidente: segurança ambiental e segurança jurídica não competem entre si. Elas se reforçam mutuamente. E a arbitragem, nesse arranjo, é a ponte que conecta ambas.

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1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui e aqui.

3 Cf. WILLIAMS, Nnanke; ADETUYI, Adetayo. An overview of service contracts in the oil and gas industry. Lagos: Brooks & Knights Legal Consultants, 2020.

Cf. IYNEDJIAN, Marc. Gas Sale and Purchase Agreements under Swiss Law. ASA Bulletin, Geneva, v. 30, p. 746-757, 2012.

5 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito do petróleo e do gás. Belo Horizonte: Fórum, 2021. p. 75.

6 Cf. a exposição de casos que fizemos em MAIA. Alberto Jonathas. A arbitragem no setor de petróleo e gás natural: complexidade contratual e racionalidade econômica. Revista dos tribunais, v. 1079, p. 25-65, 2025.

7 “No que se refere a avenças de maior dimensão econômica e de alta complexidade técnica, é sempre recomendável a adoção da via arbitral, como método de resolução de conflitos, em substituição à via judiciária. O pior cenário, no entanto, é o modelo atualmente em vigor no setor de produção e exploração de petróleo. Não é uma coisa e nem outra. Cabe resgatar, portanto, o modelo existente à época da rodada zero, promovendo-se, nas próximas rodadas da ANP, os ajustes necessários na redação da cláusula compromissória. Nada obstante, se isto não for possível, melhor então é reconhecer a competência do Poder Judiciário para dirimir os conflitos aplicáveis, excluindo-se, em definitivo, a via arbitral dos contratos de concessão celebrados no âmbito do segmento de óleo e gás.” Cf. excelente texto sobre o tema SCHMIDT, Gustavo. A arbitragem no setor de óleo e gás. Considerações sobre as cláusulas compromissórias inseridas nos contratos de concessão celebrados pela ANP. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 50 Sã Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

Colunistas

Marcelo Bonizzi é professor doutor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da USP/Largo São Francisco. Autor de livros e artigos. Pós-doutor pela Faculdade de Direito de Lisboa. Procurador do Estado de São Paulo. Atua como árbitro (FIESP/CAMES E CAMESC).

Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira é procurador do Estado de São Paulo. Doutor e Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP. Professor do Programa de doutorado e mestrado em Direito da UNAERP. Professor convidado de cursos de pós-graduação. Membro de listas de árbitros de diversas Instituições Arbitrais. Foi membro da Comissão Especial de Arbitragem do Conselho Federal da OAB. Autor de livros jurídicos. Coordenador Acadêmico do site Canal Arbitragem.

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