COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Observatório da Arbitragem >
  4. Arbitragem, energia e governança: O desafio da Margem Equatorial

Arbitragem, energia e governança: O desafio da Margem Equatorial

terça-feira, 16 de dezembro de 2025

Atualizado em 15 de dezembro de 2025 14:00

Após quase cinco anos de impasse entre a Petrobras e o Ibama, a licença ambiental que autoriza a perfuração de um poço exploratório em águas profundas na Margem Equatorial que é uma região estratégica ao largo do Amapá foi finalmente concedida1.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e biocombustíveis a Margem Equatorial tem potencial estimado de 30 bilhões de barris de óleo equivalente e pode adicionar até 1,1 milhão de barris/dia à produção nacional a partir de 2029. A região é tratada pelo governo federal e por agentes privados como a nova fronteira geológica promissora, comparável ao pré-sal em termos de potencial energético e arrecadatório. Contudo, a demora na concessão da licença evidenciou algo maior: a volatilidade regulatória hoje pesa tanto quanto as incertezas geológicas. O custo do tempo é, nesse setor, um custo econômico real: afeta cronogramas, posterga investimentos e reduz a atratividade comparativa do país na disputa global por capital exploratório2.

O episódio deve provocar a expansão do setor de petróleo e gás em novas fronteiras. Contudo isso não depende apenas de tecnologia ou capital. Ela está condicionada, sobretudo, à estabilidade institucional, ao desenho contratual e à existência de mecanismos confiáveis de resolução de disputas.

Para o setor o recado nos parece bem evidente: projetos de alta complexidade, com múltiplas camadas de risco (ambiental, regulatório, socioeconômico e tecnológico), exigem um aparato jurídico capaz de acomodar divergências sem paralisar empreendimento estratégicos.

A modelagem contratual do setor traz consigo a exigência de soluções jurídicas igualmente sofisticadas.

Os modelos contratuais que estruturam o setor de petróleo e gás (concessão, partilha, participation agreements e risk-service agreements) funcionam como diferentes arranjos de alocação de risco, repartição de receitas e definição da titularidade dos recursos, refletindo o grau de intervenção estatal e o apetite de risco dos investidores3.

Nos contratos de concessão, a empresa assume integralmente os custos e riscos geológicos, tornando-se proprietária do petróleo após a extração; na partilha, o Estado mantém a titularidade do recurso até a produção, distribuindo volumes entre custo-óleo e lucro-óleo; já os participation agreements criam joint ventures nas quais o Estado participa diretamente dos investimentos e da operação; enquanto os risk-service agreements preservam a soberania estatal sobre o petróleo, remunerando o contratado por serviços prestados, sem direito ao volume produzido. Essa arquitetura contratual, combinada a cláusulas sofisticadas como take-or-pay, ship-or-pay, reequilíbrio econômico-financeiro, estabilização e revisão de preços evidencia que o setor depende de modelos jurídicos capazes de lidar com projetos de alto CAPEX, ciclos longos e incerteza regulatória, razão pela qual a arbitragem se tornou o mecanismo institucional central para garantir previsibilidade, coerência econômica e enforcement dessas obrigações complexas4.

No Brasil, além da lei de arbitragem, há normas específicas que regulamentam o uso da arbitragem no setor de petróleo e gás. A lei do petróleo (lei 9.478/1997, art. 43, X) prevê que os contratos de concessão devem conter cláusulas sobre a solução de controvérsias, incluindo conciliação e arbitragem internacional, garantindo segurança jurídica às concessionárias.

Da mesma forma, a lei 12.351/10 (art. 29, XVIII), que regula o regime de partilha de produção, estabelece que tais contratos devem prever arbitragem como meio de solução de disputas, reforçando sua aplicabilidade no setor, inclusive em litígios envolvendo a ANP - Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, como será analisado mais adiante.

No regime de partilha de produção, adotado para o pré-sal e áreas estratégicas, a União é proprietária do petróleo extraído, e as empresas contratadas recebem parte da produção como compensação pelos investimentos realizados. Esse modelo dá origem a disputas arbitráveis envolvendo a metodologia de cálculo da produção partilhada, custos recuperáveis, ajustes de pagamentos e fiscalizações da ANP, que impactam diretamente a rentabilidade do projeto. Como envolve negociações complexas entre o Estado e investidores privados, o regime prevê cláusulas arbitrais para resolver litígios relacionados à metodologia de cálculo da produção partilhada, custos recuperáveis e outros assuntos correlatos5.

Além disso, o licenciamento ambiental, embora essencial, não pode se transformar em um campo de incerteza absoluta sob pena de inviabilizar investimentos multibilionários em regiões de grande potencial. Ao mesmo tempo, o rigor ambiental é condição inegociável.

É exatamente aí que a arbitragem cumpre um papel estratégico.

A experiência brasileira e internacional demonstra que setores de infraestrutura intensiva como petróleo e gás só prosperam quando existe um mecanismo estável para recompor expectativas frustradas e evitar que disputas técnicas sejam capturadas por agendas políticas. Casos como Newfield, Cowan e Parque das Baleias revelam que divergências entre órgãos ambientais, reguladores e concessionárias são inevitáveis; o que não pode ser inevitável é a instabilidade decorrente delas6.

É necessário criar uma camada adicional de governança que permita corrigir distorções, resolver impasses e proteger os efeitos econômicos de decisões administrativas sem que isso signifique precarização ambiental ou captura regulatória. A arbitragem, ao focar nos impactos patrimoniais e no equilíbrio contratual, evita que conflitos paralisem projetos estratégicos e preserva a confiança nas regras do jogo7.

Ninguém duvida que a autorização para perfuração na Margem Equatorial marca um avanço importante. Mas também lança luz sobre o que ainda falta: coordenação institucional, clareza processual e mecanismos robustos de estabilidade contratual. Sem isso, o Brasil corre o risco de repetir velhos ciclos, isto é, ter avanços técnicos acompanhados de retrocessos regulatórios.

Se o país quiser se posicionar como protagonista na transição energética e atrair capital global para novas fronteiras, a lição é evidente: segurança ambiental e segurança jurídica não competem entre si. Elas se reforçam mutuamente. E a arbitragem, nesse arranjo, é a ponte que conecta ambas.

_______

1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui e aqui.

3 Cf. WILLIAMS, Nnanke; ADETUYI, Adetayo. An overview of service contracts in the oil and gas industry. Lagos: Brooks & Knights Legal Consultants, 2020.

Cf. IYNEDJIAN, Marc. Gas Sale and Purchase Agreements under Swiss Law. ASA Bulletin, Geneva, v. 30, p. 746-757, 2012.

5 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito do petróleo e do gás. Belo Horizonte: Fórum, 2021. p. 75.

6 Cf. a exposição de casos que fizemos em MAIA. Alberto Jonathas. A arbitragem no setor de petróleo e gás natural: complexidade contratual e racionalidade econômica. Revista dos tribunais, v. 1079, p. 25-65, 2025.

7 "No que se refere a avenças de maior dimensão econômica e de alta complexidade técnica, é sempre recomendável a adoção da via arbitral, como método de resolução de conflitos, em substituição à via judiciária. O pior cenário, no entanto, é o modelo atualmente em vigor no setor de produção e exploração de petróleo. Não é uma coisa e nem outra. Cabe resgatar, portanto, o modelo existente à época da rodada zero, promovendo-se, nas próximas rodadas da ANP, os ajustes necessários na redação da cláusula compromissória. Nada obstante, se isto não for possível, melhor então é reconhecer a competência do Poder Judiciário para dirimir os conflitos aplicáveis, excluindo-se, em definitivo, a via arbitral dos contratos de concessão celebrados no âmbito do segmento de óleo e gás." Cf. excelente texto sobre o tema SCHMIDT, Gustavo. A arbitragem no setor de óleo e gás. Considerações sobre as cláusulas compromissórias inseridas nos contratos de concessão celebrados pela ANP. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 50 Sã Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.