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Observatório da Arbitragem

Artigos sobre arbitragem, visando a divulgação do instituto e decisões dos Tribunais.

Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira e Marcelo Bonizzi
A lei de concessões, em seus arts. 3º e 29, inciso I, atribui expressamente à administração pública concedente, titular do serviço público, a prerrogativa de fiscalizar o serviço concedido, para que possa garantir a sua adequada prestação. Ainda, nos termos do art. 23, VII, da lei 8.987, de 1995, a forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos, dos métodos e práticas de execução do serviço, bem como a indicação dos órgãos competentes para exercê-la, deve ser definida no próprio contrato. Isso constitui medida essencial para definir, de maneira clara, os deveres e obrigações de ambas as partes do contrato relacionadas à fiscalização, garantindo maior eficiência na atuação administrativa. Note-se que a prerrogativa de fiscalização não se equipara ao exercício do poder de polícia. Mas é por meio dela que a administração pública assegura a adequada prestação do serviço público e verifica se é ou não o caso de se valer das demais prerrogativas concedidas pelo legislador, como a aplicação de sanções ou a modificação unilateral do contrato. A prerrogativa de fiscalizar a execução do contrato é competência privativa e irrenunciável do poder público concedente. Mas, note-se, isso não significa que se trata de um "ato de império". Não existe vedação para que seja definida no próprio contrato a forma de fiscalização. Ao contrário, como já afirmado, essa disciplina é exigida pelo art. 23, VII da lei 8.987, de 1995. Em outras palavras, a administração pública não pode renunciar, em abstrato, ao exercício dessa competência, atribuída por lei com a finalidade de assegurar a prestação do serviço público adequado. Mas deverá estabelecer em contrato as regras para o exercício dessa fiscalização e, assim o fazendo, atua para o atendimento do interesse público no caso concreto, conferindo maior estabilidade e segurança à relação contratual. Nessa linha, considerando o quanto disposto no artigo 151 da lei 14.133, de 2021, que declara serem patrimoniais disponíveis e, portanto, arbitráveis, controvérsias relacionadas ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes, estará dentro da jurisdição dos árbitros a verificação do adimplemento, seja pela administração pública, seja pelo concessionário, das obrigações contratuais assumidas, referentes ao exercício da fiscalização. Ressalte-se que não se está aqui afirmando que poderão os árbitros proferir uma ordem impedindo a administração pública, por exemplo, de instaurar ou dar prosseguimento a procedimentos administrativos internos destinados a apurar eventuais descumprimentos contratuais. Como já afirmado, a prerrogativa de fiscalizar a execução do contrato constitui uma competência privativa e irrenunciável do concedente. O que se está afirmando é tão somente que, em havendo determinadas regras contratuais voltadas ao exercício da fiscalização, essas regras deverão ser obedecidas por ambas as partes. E que, dessa forma, controvérsias acerca de seu eventual inadimplemento poderão ser dirimidas pelo tribunal arbitral. Em outras palavras, são arbitráveis eventuais litígios decorrentes de alegados inadimplementos de obrigações contratuais assumidas para o exercício da prerrogativa de fiscalização. Assim, considerando a competência dos árbitros para dirimir conflitos relacionados ao adimplemento ou inadimplemento contratual, nos termos do parágrafo único do artigo 151 da lei 14.133, de 2021, e considerando que a fiscalização tem como objetivo e resultado apontar a existência desses adimplementos e inadimplementos, os árbitros poderão, após o regular processo de fiscalização pela administração pública, referendar ou rechaçar a conclusão do concedente no sentido de que houve inadimplemento contratual. Ainda, como o exercício da fiscalização pode ensejar o exercício de outras prerrogativas da administração concedente, a decisão dos árbitros a respeito do acerto ou não das conclusões a que a administração pública chegou por meio da fiscalização, pode vir a ter um efeito cascata relacionado a outras possíveis discussões colocadas no processo arbitral, por exemplo, a aplicação de uma penalidade em decorrência de um inadimplemento declarado pela administração pública mas contestado pelo concessionário. Conclui-se, assim, que a lei atribui expressamente à administração pública a prerrogativa de fiscalizar o serviço concedido, para que possa garantir a sua adequada prestação. Muito embora a administração pública não possa renunciar, em abstrato, ao exercício da competência estabelecida com a finalidade de assegurar a prestação do serviço público adequado, deverá, conforme determinado pelo legislador, estabelecer em contrato as regras para o exercício dessa fiscalização. Assim, atua para o atendimento do interesse público no caso concreto, conferindo maior estabilidade e segurança à relação contratual. Nessa linha, estará dentro da jurisdição dos árbitros a verificação do adimplemento, seja pela administração pública, seja pelo concessionário, das obrigações contratuais assumidas, referentes ao exercício da fiscalização. Ainda, os árbitros poderão, após o exercício da fiscalização pela administração pública, referendar ou rechaçar a conclusão do concedente no sentido de que houve inadimplemento contratual. Isso porque os árbitros possuem competência para analisar a legalidade do ato administrativo praticado em decorrência de um eventual inadimplemento contratual, ainda que esse ato administrativo consista numa prerrogativa da administração pública prevista em lei. __________ *Esse artigo foi elaborado a partir da tese de doutoramento defendida em 21 de setembro de 2023 e expressa opinião acadêmica da autora.
Nos últimos anos, o Brasil tem assistido a uma crescente utilização da arbitragem como um meio adequado para a resolução de conflitos, especialmente em contratos empresariais, como é o caso dos contratos de franquia. No entanto, algumas recentes decisões judiciais, especialmente do TJSP - Tribunal de Justiça de São Paulo1, têm levantado questionamentos sobre a segurança e previsibilidade deste instituto nas relações de franchising. Este artigo tem como objetivo tecer breves considerações a respeito do posicionamento jurisprudencial das Câmaras Especializadas do Tribunal de Justiça de São Paulo. A arbitragem é amplamente reconhecida como uma ferramenta eficaz para resolver disputas em contratos complexos. Nos contratos de franquia, que podem ser classificados como híbridos2, as partes muitas vezes possuem uma relação empresarial de longo prazo e de elevada complexidade. A arbitragem, assim, é uma alternativa adequada, rápida e especializada, que permite, inclusive, o desafogamento do já bastante assoberbado Poder Judiciário. A escolha pela arbitragem geralmente é realizada por meio de cláusula compromissória, presente no contrato, que direciona qualquer conflito contratual futuro para uma câmara arbitral. De modo a manter a segurança jurídica de tal cláusula e estabelecer a força necessária para vinculação das partes à arbitragem, há um princípio basilar: o da competência-competência3. Esse princípio estabelece que é o próprio tribunal arbitral quem, em primeiro lugar, tem a competência para decidir sobre sua jurisdição, ou seja, se ele pode ou não julgar a disputa em questão. Esse princípio busca garantir que a arbitragem funcione de forma autônoma e eficiente, sem intervenções desnecessárias do Judiciário. Contudo, há exceções a esse princípio. Segundo a jurisprudência da Col. STJ, o Judiciário pode analisar e afastar a vinculação das partes à arbitragem, desde que a patologia da cláusula seja evidente, isto é, que seja possível verificar a sua patologia prima facie4. Exemplificativamente, são os casos em que, de plano, verifica-se a inexistência da cláusula arbitral ou que estão ausentes os requisitos necessários para sua validade ou eficácia (e.g. cláusula arbitral vazia). Vale dizer, só é permitido ao Judiciário, em hipóteses excepcionais, adentrar à análise perfunctória sobre a existência, validade e eficácia da cláusula arbitral. É defeso, portanto, analisar questões relacionadas à relação contratual para, então, verificar a validade e eficácia do compromisso arbitral (e.g. desequilíbrio contratual, dependência econômica e hipossuficiência).  Apesar dessa posição ser, até recentemente, consolidada nos Tribunais de Justiça e no STJ, houve a recente prolação de acórdãos que afastaram a obrigatoriedade das partes de dirimirem seus conflitos perante a arbitragem, mesmo com a existência e celebração de cláusula compromissória. Esses julgamentos, que serão indicados a seguir, têm algo em comum: os contratos eram de franquia.     Recentemente, o TJSP, em julgamento da apelação 1003513-24.2020.8.26.0271, reconheceu uma cláusula arbitral como patológica, sob o fundamento de que não houve a devida prestação de informação ao franqueado sobre os custos e despesas para acesso à arbitragem. Segundo a decisão, essa informação deveria estar na COF - Circular de Oferta de Franquia, até porque um dos pilares da relação de franchising é a prestação adequada de informação e esclarecimentos ao franqueado. O tribunal entendeu que a ausência dessas informações violaria o princípio da boa-fé objetiva, um pilar fundamental nas relações contratuais, privaria de todo o efeito do negócio jurídico (CC, art. 122) e a sua celebração caracterizaria abuso de direito (CC, art. 187), dado que impediria o acesso à justiça ao franqueado. Por esses motivos, houve o reconhecimento de invalidade da cláusula compromissória. A decisão trouxe à tona uma importante discussão: até que ponto a falta de informação na COF pode justificar o afastamento de uma cláusula arbitral validamente acordada pelas partes? Embora a legislação de franquia exija transparência e uma comunicação clara entre franqueador e franqueado, há de se considerar o contexto completo. O franqueado, como empresário, tem acesso facilitado a informações sobre os custos da arbitragem, que podem ser consultados diretamente nos sites das câmaras arbitrais. Seria razoável exigir que todos os detalhes estejam contidos na COF, especialmente quando essas informações são de fácil obtenção? O tema acendeu debates tanto no meio do franchising quanto na comunidade arbitralista. Nessa linha, em consulta realizada pelo CBAr - Comitê Brasileiro de Arbitragem, a professora Aline Terra5, posicionou-se em relação a este entendimento do TJSP, principalmente sobre o dever de informação: "O dever de informação convive, portanto, com o ônus de autoinformação, expressão do dever geral de diligência que a todos incumbe para tutela e promoção de interesses próprios. Referido dever não se impõe de maneira uniforme a todos, mas ostenta diferentes graus conforme as circunstâncias do caso concreto, dentre as quais se destacam aquelas relativas aos meios disponíveis para obtenção da informação mediante esforços razoáveis: se é possível ao agente obter a informação adotando esforços razoáveis e padrão médio de diligência, mas não o faz, suportará as consequências adversas da sua conduta negligente. (...) Esclarecidas as bases jurídicas, é possível afirmar que o dever de informação imposto ao franqueador na fase pré-contratual não ostenta a extensão que o acórdão lhe conferiu. Encerra ônus do candidato a franqueado se autoinformar acerca dos custos relativos à solução de controvérsias via arbitragem, ainda que o contrato seja celebrado por adesão." Em julgado ulterior (apelação 1026438-08.2021.8.26.0100), a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, uma vez mais, afastou cláusula compromissória firmada em contrato de franquia. Neste decisum, a corte entendeu que a alteração da situação econômica da parte não poderia impedi-la de buscar a tutela jurisdicional de seus pleitos, sob pena violação ao direito constitucional previsto no art. 5º, inc. XXXV.  Neste caso concreto, a parte não teria recursos para custear o procedimento arbitral. E, assim, afastou-se o cumprimento da cláusula, "baseada na teoria da imprevisão e no princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição". Em oportunidade ainda mais recente, o TJSP, ao julgar a apelação 1086295-14.2023.8.26.0100, considerou que a cláusula compromissória, celebrada em contrato de franquia, era inválida, pois não houve o cumprimento do requisito disposto no art. 4, §2º, da lei de arbitragem, que estabelece os requisitos de validade para a cláusula de arbitragem em contrato de franquia.  Segundo a decisão, não há menção à arbitragem no local destinado para assinatura específica da cláusula de eleição de foro, motivo pelo qual a cláusula seria inválida. Isto é, embora o franqueado tenha assinado especificamente uma cláusula que confirmava a sua declaração quanto à cláusula de foro, que estabelecia a arbitragem, o TJSP entendeu que não houve o cumprimento do requisito constante do art. 4º, §2º, da lei de arbitragem.  Conquanto as decisões acima tenham causado grande repercussão no meio jurídico, é importante destacar que há inúmeros precedentes no âmbito do TJSP, igualmente recentes, reconhecendo a validade e eficácia de cláusulas compromissórias em contratos de franquia. Nesse sentido e apenas a título de ilustração: apelação 1124890-53.2021.8.26.0100; apelação 0020148-50.2023.8.26.0576; apelação 1064938-46.2021.8.26.0100; apelação 1132102-38.2015.8.26.0100. As recentes decisões do TJSP geraram preocupações no meio jurídico, diante da insegurança acarretada em torno da utilização da arbitragem no segmento do franchising. Como se sabe, a previsibilidade e a confiança que deveriam permear as relações empresariais ficam comprometidas com a variação do posicionamento jurisprudencial acerca de determinados temas, o que, por sua vez, pode afetar negativamente o ambiente de negócios e o fluxo de investimentos no país. Diante dessa crescente insegurança jurídica, será fundamental observar como o STJ se posicionará sobre a força vinculante das cláusulas arbitrais. O STJ tem, em diversas ocasiões, reforçado a importância da arbitragem como um mecanismo legítimo e eficiente de resolução de conflitos, e sua jurisprudência tende a proteger a autonomia da vontade das partes, especialmente em relações empresariais. __________ 1 TJSP, Apel. n. 1086295-14.2023.8.26.0100, Rel. Des. Cesar Ciampolini, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 19.6.2024 e TJSP, Apel. n. 1003513-24.2020.8.26.0271, Rel. Des. Alexandre Lazzarini, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 1.6.2022. 2 Não se encaixam como contratos típicos de associação de agentes econômicos (contratos de sociedade - interesses convergentes entre as partes) e nem contratos de intercâmbio (interesses divergentes entre as partes). Como ensina o professor e ministro Eros Grau: "nos contratos de comunhão de escopo (...) os interesses dos contratantes são paralelos. Se um dos contratantes sofre prejuízo, os outros também o suportam. Do espírito de solidariedade de interesses que os caracteriza, o lema: a vantagem dele é a minha vantagem, minha vantagem é a sua vantagem" (Eros Grau, Licitação e contrato administrativo, São Paulo: Malheiros, 1995, pp. 91/92). 3 Art. 8º, parágrafo único, da Lei 9.307/96: "[c]aberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória." 4 "(...) o Poder Judiciário pode, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral 'patológico', i. e., claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula, independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral" (STJ, REsp nº 1.602.076/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, j.15.9.2016) 5 Aline de Miranda Valverde Terra. Parecer Jurídico. Disponível aqui. Acesso em 23 de set. de 2024
Nunca foi muito fácil falar em arbitragem esportiva e ser imediatamente compreendido. O imaginário popular costuma relacionar esse termo com a figura do cidadão que, ungido pelo sistema esportivo como árbitro e munido de um apito e de um conjunto de cartões (vermelho e amarelo atualmente), garante o bom andamento de uma partida de futebol1. É, de fato, arbitragem. E é esportiva. Em tempos em que lançar mão do google costuma solucionar problemas, nesse caso a emenda pode ficar pior que o soneto. Segundo páginas e páginas de resultados, no mundo das apostas, arbitragem esportiva é sinônimo de apostas certas ou sem riscos (surebets), nas quais o jogador aproveita-se das odds das diversas casas de apostas para sempre ganhar. Mais uma que, não se pode negar, é arbitragem, e é esportiva. Num meandro labirinto como esse torna-se tarefa das mais inglórias; digna de um gol de placa, explicar que por arbitragem esportiva também se pode entender um meio adequado de solução de controvérsias naquela seara. E é desta que iremos tratar.     Tão difícil quanto situar a arbitragem como meio adequado de solução de controvérsias no meio esportivo é a tarefa de desvendar as várias espécies de "arbitragens esportivas" supostamente enquadradas nesse gênero, eis que parte desses fenômenos costumam apresentar elementos bastante semelhantes a uma arbitragem, mas carecem do elemento que mais distingue esse instituto: A voluntariedade2. Dentre as arbitragens esportivas que fazem jus ao nome e carregam todos os elementos daquele instituto, inclusive a voluntariedade, pode ser citada aquela objeto de cláusula ou compromisso entre atletas, clubes, federações, entre outros, voltada a dirimir disputa envolvendo direitos patrimoniais disponíveis. Na mesma esteira, a arbitragem trabalhista esportiva, a qual, desde que observados os contornos estabelecidos pela legislação trabalhista (art. 507-A da CLT) e atendidos os parâmetros que vêm sendo delineados pela jurisprudência da justiça do trabalho, é admissível como forma regular de utilização deste mecanismo privado de solução de controvérsias. Os procedimentos arbitrais carreados nestes casos podem, em tese, ser "ad hoc" ou institucionais e, neste último caso, pode-se lançar mão de qualquer câmara arbitral idônea, passando pelas câmaras tradicionais até chegar a câmaras "a priori" especializadas, como a CNRD - Câmara Nacional de Resolução de Disputas da Confederação Brasileira de Futebol e o  CBMA - Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem, o qual possui, inclusive, regulamentos próprios para a arbitragem esportiva3-4. Por outro lado, a chamada cláusula estatutária/regulamentar, utilizada na seara esportiva através da inclusão de cláusula arbitral em regulamento ou estatuto, pode ensejar problemas relacionados ao citado elemento basilar da voluntariedade. Conforme já afirmei em outra oportunidade5, a posição monopolística exercida pelas entidades de administração do esporte no que concerne às respectivas modalidades atribui-lhes uma posição de poder em relação àqueles que delas dependem - em termos de chancela esportiva de resultados - para o livre exercício profissional. Assim, diferentemente do que ocorre com o acionista que opta por ingressar nos quadros de uma companhia e, ao fazê-lo, adere ao respectivo Estatuto, os profissionais do esporte não têm a opção de fazer ou não parte da Federação da respectiva modalidade. Se querem seus resultados validados nacional e internacionalmente, precisam fazê-lo. Assim, a cláusula arbitral estatutária não pode ter o mesmo tratamento em uma e outra situação. A voluntariedade, na seara esportiva, deve ser efetiva e não pressuposta. Como exemplo desse tipo de "arbitragem esportiva", pode ser citado o art. 59 do estatuto do COB - Comitê Olímpico Brasileiro6, que institui o tribunal arbitral do desporto para julgar, em primeira instância e de acordo com as regras de arbitragem, uma série de disputas.7 A previsão repete-se nos estatutos de entidades filiadas, como a CBV - Confederação Brasileira do Voleibol, que chega a prever, no art. 69, que "caso as partes falhem em chegar a um consenso amigável, os conflitos ou litígios deverão ser submetidos, em caráter cogente, à Arbitragem (...)"8, solapando de vez a voluntariedade que deveria reger a eleição de tal meio de solução de conflitos. Outro exemplo - denominado por alguns de competência associativa - é o procedimento previsto no Regulamento da CNRD - Câmara Nacional de Resolução de Disputas da Confederação Brasileira de Futebol (art. 3º) nas situações em que não há convenção de arbitragem firmada pelas partes, sendo a competência também lastreada na previsão estatutária ou regulamentar, independentemente da manifestação de vontade dos envolvidos. Por fim, uma última espécie relevante de arbitragem esportiva é a desenvolvida no âmbito da CAS - Corte Arbitral do Esporte, tribunal arbitral com sede na Suíça especializado em questões esportivas e com atuação como instância única ou recursal em disputas relacionadas ao esporte9. Sem adentrar nas hipóteses de previsão do CAS como instância recursal nas arbitragens por referência mencionadas (o que é bastante comum e recai na mesma problemática da voluntariedade já explorada), há uma atuação bastante interessante daquela corte no que diz respeito à segunda instância recursal de atletas internacionais em caso de procedimentos envolvendo potenciais violações à regra antidopagem10. Trata-se de situação "sui generis" em que a primeira instância do procedimento é levada a cabo no bojo da justiça desportiva antidopagem - instância de natureza não arbitral11 - e a segunda instância - de acordo com a opção do atleta12 - é levada a cabo no bojo de uma arbitragem instituída perante o CAS. Com essa última espécie "sui generis" que mistura justiça desportiva e arbitragem esportiva, verdadeira jabuticaba brasileira, para usar da expressão tão comumente utilizada pelo prof. Carlos Alberto Carmona, retomo o início desta coluna, agora tendo demonstrado, e não apenas afirmado, o quanto é difícil navegar pelas diversas "arbitragens esportivas" existentes. Dar nome aos bois não é tarefa fácil e esse foi apenas o primeiro capítulo do que ainda pretendo escrever sobre esse tema. ________ 1 Muito embora é sabido que o árbitro é também um ator das demais modalidades esportivas, o imaginário popular não se afasta da figura, outrora vestida em listras brancas e pretas, que simboliza as regras do jogo no campo de futebol, podendo, por vezes, ser o algoz de uma derrota, quando multidões creditam à sua "má prática" o resultado indesejado de sua equipe do coração. 2 A voluntariedade da arbitragem lhe é elemento constitutivo e essencial na medida em que a Constituição Federal assegura, no art. 5º, inc. XXXV, que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Ou seja, tal "exclusão" deve ser voluntária. Nessa mesma linha, Carlos Alberto Carmona afirma que "a escolha do meio adequado de solução de controvérsias é sempre voluntária, ou facultativa, eis que não existe no Brasil a arbitragem obrigatória (abolida entre nós em 1866)". CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei nº 9.307/96. 4ª Ed. São Paulo: Atlas, 2023, p. 35. 3 Disponível aqui. 4 Disponível aqui.  5 NUNES, Tatiana Mesquita. Olímpia e o Leviatã: a participação do Estado para garantia da integridade no esporte. Belo Horizonte: Forum, 2023. 6 Art. 59. Fica instituído o Tribunal Arbitral do Desporto, o qual terá competência para julgar, em primeira instância, de acordo com as regras de arbitragem estabelecidas na legislação brasileira (Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996), através do qual todos os membros de poderes e de todos e quaisquer órgãos do COB, bem como as entidades associadas, liadas, vinculadas ou reconhecidas, comprometem-se desde já a submeter à arbitragem os litígios que possam surgir, sempre observadas as disposições de seu regimento interno e suas próprias regras de procedimento: I - as questões de qualquer natureza oriundas dos Jogos Olímpicos, Jogos Pan-Americanos e Jogos Sul-Americanos, ou a eles relacionadas, ou quaisquer outras competições esportivas de igual natureza nas quais seja o COB o responsável pelo envio da delegação brasileira; II - as questões entre as entidades filiadas ou vinculadas ao COB e suas respectivas Federações e associações liadas, seus dirigentes, atletas e treinadores, ou entre qualquer destes e o Comitê Olímpico Brasileiro; III - as questões entre o COB, quaisquer das entidades referidas no item II deste artigo, destas entre si, seus dirigentes, atletas e treinadores, e terceiros com os quais tenham estabelecido relações contratuais ou mantenham vínculo em decorrência de disposições legais; IV - as questões entre as pessoas jurídicas referidas no item II deste artigo; V - as questões decididas pelos Poderes do COB. 7 Esta previsão causou bastante discussão no bojo do caso "Wallace", no qual uma decisão do Conselho de Ética do COB foi levada, em recurso, para apreciação em arbitragem instituída no CBMA (naquele momento, a Câmara eleita pelo COB na qualidade de "Tribunal Arbitral do Desporto"). 8 Disponível aqui. 9 Disponível aqui. 10 A disciplina em questão encontra-se no art. 8º do Decreto 8.692/2016 e em diversas disposições do Código Brasileiro Antidopagem. 11 A Justiça Desportiva, com assento no art. 217, § 1º, da Constituição Federal de 1988, difere da arbitragem, na medida em que, no mínimo durante o período de sessenta dias a que se refere o § 2º, tem exclusividade na apreciação das disputas envolvendo disciplina e competições esportivas, diferindo a apreciação judicial a que e refere o art. 5º, inc. XXXV, da Constituição. 12 Embora, neste caso, o elemento voluntariedade seja solucionado no que diz respeito ao atleta, dúvidas podem surgir em casos nos quais a submissão de recurso ao CAS seja feita por outras partes interessadas. Nada obstante, a discussão é bastante complexa para os limites desta coluna, cabendo estudo aprofundado em outra oportunidade.
Introdução O projeto de lei 2.486/22, de autoria do atual presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco (PSD/MG), dispõe sobre o uso da arbitragem para dirimir controvérsias tributárias, sem restrição à fase processual, podendo, inclusive, ser adotada em conflitos já instaurados no contencioso administrativo e judicial. Trata-se de importante avanço em relação aos demais projetos em andamento, cujo alcance é extremamente limitado. Ao analisar as disposições preliminares do PL 2.486/22, entretanto, surgem questões complexas que precisam de revisão por parte dos legisladores. O texto proíbe a arbitragem tributária e aduaneira para créditos que tenham reconhecimento inequívoco, mesmo extrajudicial, pelo devedor. Essa disposição é controversa, uma vez que há jurisprudência no sentido de reconhecer que a confissão da dívida não impede o questionamento judicial da obrigação tributária. Além disso, o STJ já decidiu que parcelamentos e transações realizados após o prazo prescricional não restabelecem a exigibilidade do crédito tributário. Esse tema não é novo e a doutrina se divide. Alguns acreditam que o sistema de precedentes deve ser seguido sempre que houver conflito entre fisco e contribuinte. Outros defendem a total liberdade do juízo arbitral, argumentando que a função do árbitro é solucionar o conflito apresentado de forma autônoma e independente. Propostas do PL 2.486/22 Entre as principais mudanças, o projeto de lei prevê, em seu art. 5º, inciso II, que os precedentes judiciais são normas jurídicas para fins de julgamento arbitral, impondo ao árbitro o dever de segui-los, conforme o art. 927 do CPC, sob pena de nulidade da sentença arbitral (art. 29, inciso X do PL 2486/22). Além disso, o art. 31 do projeto de lei enfatiza a aplicação dos temas de repercussão geral 881 e 885, destacando a observância aos precedentes constitucionais nas relações de trato continuado e impondo a interrupção dos efeitos de sentenças arbitrais que contrariem tais entendimentos. O PL 2.486/22 apresenta diversas propostas para a arbitragem tributária, mas um dos aspectos mais incentivadores para os contribuintes é o desconto incidente nas multas, que servirá como verdadeiro estímulo para a adesão ao processo arbitral. Críticas e implicações A) Arbitrabilidade - limites materiais A principal função da arbitragem é oferecer uma forma mais rápida e eficiente de resolver conflitos, contribuindo para a redução do elevado contencioso fiscal. A adoção de um sistema de precedentes é crucial para uniformizar entendimentos, criar previsibilidade e confiança no Direito, promover igualdade e isonomia, favorecendo a pacificação dos conflitos. Já votado pelo Senado Federal e enviado à Câmara dos Deputados, o PL 2.486/22 estabelece que a arbitragem tributária deve seguir os precedentes judiciais. O texto até então aprovado proíbe a arbitragem tributária e aduaneira para créditos que tenham reconhecimento inequívoco, mesmo que extrajudicial, pelo devedor. Esta disposição é controversa, pois há jurisprudência que reconhece que a confissão da dívida não impede o questionamento judicial da obrigação tributária. Além disso, como já foi dito, o STJ decidiu que parcelamentos e transações realizados após o prazo prescricional não reestabelecem a exigibilidade do crédito tributário. O PL 2.486/22 trata das matérias que podem ser submetidas à arbitragem tributária de forma negativa, ou seja, especifica nos parágrafos 1º e 2º do art. 4º àquelas que não podem ser julgadas por arbitragem. Estas incluem: 1) controvérsias envolvendo a constitucionalidade de normas jurídicas ou a discussão sobre leis em tese, e 2) sentenças arbitrais cujos efeitos prospectivos resultem, direta ou indiretamente, em regime especial diferenciado ou individual de tributação. A restrição à utilização da arbitragem para resolver disputas que envolvam questões de constitucionalidade merece reflexão, o que parece reduzir excessivamente o alcance da arbitragem, especialmente na área tributária, na qual muitas questões estão relacionadas a matérias constitucionais. Conforme o projeto de lei, as matérias submetidas à arbitragem serão àquelas previamente escolhidas pela Fazenda Pública. Dessa forma, não há risco de um contribuinte impor unilateralmente o julgamento arbitral de uma matéria - seja constitucional ou não - que a Fazenda Pública considere inadequada para tal método. Assim, não deveria haver limitação prévia na lei sobre as matérias passíveis de julgamento por arbitragem. Tampouco há impedimento técnico para a submissão de conflitos envolvendo matéria constitucional à arbitragem, desde que no âmbito do controle difuso, uma vez que o controle concentrado é reservado ao STF. Quanto à vedação de que a sentença resulte em "regime especial diferenciado ou individual de tributação", também parece inadequada, pois, na esfera tributária, toda sentença judicial de algum modo atribui ao sujeito passivo um tratamento diferenciado em relação a outros que não levaram a mesma discussão ao Poder Judiciário. Há ainda questionamentos sobre as situações adequadas para a arbitragem tributária. Se os precedentes devem ser seguidos independentemente da via adotada, o resultado da resolução do conflito, seja na arbitragem ou no Judiciário, deveria ser o mesmo. Estas questões podem e devem ser discutidas, mas parece que a arbitragem tributária se limitará a casos específicos que envolvem provas técnicas complexas e de elevado valor para as partes, permitindo que elas aproveitem todos os benefícios. Entre as propostas estão a introdução de mediação e arbitragem nas discussões tributárias com a União, uma nova lei para o processo administrativo fiscal, mudanças no CARF -Conselho de Administração de Recursos Fiscais e a criação de um código de defesa dos contribuintes. O objetivo é reduzir litígios e encontrar soluções para conflitos entre contribuintes e autoridades sem a necessidade de recorrer ao Judiciário, um passo importante para a redução da litigiosidade no país, pois, de acordo com dados do CNJ, as execuções fiscais representam um terço dos processos em tramitação, com uma taxa de solução de apenas 12%. A iniciativa é legítima, um verdadeiro avanço, até bem pouco inexistente. Incentivar outras formas de prevenção e solução de conflitos, além daquelas que já conhecemos, significa uma evolução positiva. A aprovação desse projeto dá ensejo a criação de um espaço menos conflituoso e mais harmônico entre o contribuinte e a Fazenda Nacional e, a depender do seu sucesso, extensivo às fazendas estaduais e municipais. O senador Efraim Filho (União-PB), relator da comissão temporária, destacou em audiência que essa iniciativa é tão importante quanto a reforma tributária, evidenciando que a litigiosidade gerada pelos problemas do processo administrativo é central no chamado Custo Brasil. B) Observância aos precedentes vinculantes dos tribunais superiores Em paralelo, o projeto de lei determina que a sentença arbitral deve respeitar os precedentes reiterados e vinculantes dos tribunais superiores, sob pena de nulidade. Estabelece que a arbitragem tributária deve ser decidida com base na legislação brasileira, devendo observar os precedentes vinculantes dos tribunais superiores, que assumem a natureza de normas jurídicas do ordenamento. Além disso, o PL prevê que será "nula a sentença arbitral se: (...) art. 29, inciso X - proferida em contrariedade a precedente qualificado de que trata o art. 927 da lei 13.105/15". Os precedentes vinculantes compõem o ordenamento jurídico com a mesma importância das demais normas do sistema. Portanto, a jurisprudência reiterada dos tribunais superiores tem significativa importância na conformação do sistema aplicável. É inevitável, portanto, que sua aplicabilidade nos julgamentos arbitrais seja estabelecida, sob pena de nulidade, conforme previsto pelo PL 2.486/22. Além disso, o projeto sugere a aplicação subsidiária da lei 9.307/96 à arbitragem tributária e aduaneira, o que pode ser visto como uma tentativa de aproximar modelos com pressupostos distintos. A arbitragem, como instituto geral, é um processo de julgamento privado que busca oferecer uma justiça adequada à administrada pelo Poder Judiciário, permitindo que partes capazes de contratar utilizem-na para resolver litígios sobre direitos patrimoniais disponíveis.  Expandir amplamente o campo arbitrável em matéria tributária e aduaneira é uma iniciativa ousada, desafiadora e controversa, especialmente ao considerar a arbitragem para a prevenção de controvérsias no contencioso administrativo. Nesses casos, mesmo que a prevenção não seja a essência da arbitragem, submete-se a constituição do crédito tributário a um terceiro fora da relação obrigacional. É sabido que a atribuição do tributo é uma atividade exclusiva da autoridade administrativa, mesmo que essa tarefa se reduza à mera homologação. A intervenção de terceiros na constituição do crédito tributário pode sugerir um avanço normativo inadequado em matéria reservada à lei complementar, levantando dúvidas sobre a constitucionalidade do projeto. Estas são apenas algumas impressões iniciais que anunciam um debate fervoroso pela frente. Conclusões O PL 2.486/22 representa um avanço significativo na arbitragem tributária ao permitir a aplicação desse método para resolver controvérsias em todas as fases do processo, tanto no contencioso administrativo quanto no judicial. Esta flexibilidade é um destaque em comparação a outras propostas, como o PL 4.257/19 e o PL 4468/20, que têm escopos mais restritos. Ao não limitar previamente as matérias tributárias passíveis de arbitragem e ao permitir que estas sejam estabelecidas por ato da Fazenda Pública, o PL 2.486/22 se destaca pela sua abordagem inclusiva. No entanto, a ausência de regras detalhadas sobre o procedimento arbitral representa uma lacuna que pode ser preenchida com a aplicação subsidiária da lei de arbitragem. A vedação de arbitragem para disputas envolvendo a constitucionalidade e a imposição de regimes especiais é uma limitação que reduz o potencial da arbitragem tributária. Embora o projeto estabeleça restrições, como a vedação à arbitragem em disputas que envolvam a constitucionalidade de normas jurídicas, essa limitação é aplicada apenas em tese, pois as matérias submetidas à arbitragem serão escolhidas previamente pela Fazenda Pública. Assim, a vedação à inconstitucionalidade não impede, de fato, a resolução de questões complexas e significativas por meio da arbitragem, oferecendo uma oportunidade para reduzir a litigiosidade e encontrar soluções eficazes no âmbito tributário. Um ponto de destaque do PL 2.486/22 é a exigência de respeito aos precedentes vinculantes dos tribunais superiores, garantindo que a arbitragem esteja alinhada com o ordenamento jurídico existente. Essa exigência é fundamental para assegurar a uniformidade e a previsibilidade nas decisões arbitrais, especialmente em um campo no qual a jurisprudência dos tribunais superiores tem papel importante. Um dos aspectos mais atraentes do projeto é o desconto incidente nas multas tributárias para os contribuintes que optarem pela arbitragem. Esse incentivo financeiro é significativo porque pode ser o fator decisivo para que muitas empresas e indivíduos considerem a arbitragem como uma alternativa viável e vantajosa ao litígio judicial tradicional. As multas tributárias, que podem ser extremamente onerosas, frequentemente desencorajam os contribuintes a contestarem débitos fiscais, mesmo quando acreditam ter argumentos sólidos. O custo elevado das penalidades, somado ao longo e incerto processo judicial, leva muitos a preferirem pagar as multas ou buscar acordos menos favoráveis com o Fisco.  Ao oferecer um desconto nas multas àqueles que optam pela arbitragem, o PL 2.486/22 não apenas alivia o peso financeiro sobre os contribuintes, mas também incentiva uma resolução mais ágil e eficiente dos conflitos. Esse desconto funciona como um poderoso incentivo porque reduz significativamente o risco financeiro envolvido na disputa tributária. Com um custo potencialmente menor, os contribuintes podem se sentir mais encorajados a buscar a arbitragem como um meio de defesa de seus direitos, especialmente em casos nos quais há complexidade técnica ou necessidade de interpretação mais especializada da legislação tributária. Em resumo, o PL 2.486/22 avança na direção de uma arbitragem tributária mais ampla e adaptada à realidade dos conflitos tributários, embora algumas áreas ainda necessitem de regulamentação mais detalhada. A combinação de uma abordagem inclusiva com a observância dos precedentes judiciais estabelece uma base sólida para o desenvolvimento futuro da arbitragem tributária no Brasil onde a segurança jurídica tem papel fundamental para garantir a previsibilidade e a estabilidade das relações.
A lei 9.307/96 e o próprio instituto jurídico da arbitragem no Brasil se encontram permanentemente em risco. Que ninguém mais se iluda1. Assim anunciou um dos idealizadores da Lei de Arbitragem brasileira, Petronio R. Muniz, em "A Operação Arbiter", livro que narra a árdua trajetória legislativa que levou o Brasil a ter uma das leis arbitrais mais modernas do mundo. A arbitragem tem se consolidado como um dos principais métodos de resolução de disputas no Brasil. No entanto, o instituto não está a salvo de interferências externas. Refiro-me especificamente sobre o Projeto de Lei (PL) n. 3293/2021 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 1.0502, que representam verdadeira ameaça ao sistema arbitral brasileiro, bem como aos precedentes judiciais relativos à violação do dever de revelação, objeto de pretensões anulatórias de sentença arbitral, o que será analisado à luz do recente entendimento formado, por maioria, na 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 2101901/SP3. O PL 3293/2021 visa introduzir novas regras para a atuação dos árbitros e, em tese, aprimorar o dever de revelação. Paralelamente, na ADPF 1.050, busca-se que o Supremo Tribunal Federal estabeleça critérios sobre o dever de revelação dos árbitros, conforme previsto no artigo 14 da lei 9.307/96 (Lei de Arbitragem). Essas medidas têm o potencial de alterar substancialmente a Lei de Arbitragem e, apesar de se apresentarem como "aprimoramentos", a nosso ver colocam em risco a autonomia do sistema arbitral ao desafiar os mecanismos legais intencionalmente flexíveis que promovem a confiança das partes no árbitro. A Lei de Arbitragem impõe poucas regras cogentes ao procedimento arbitral, garantindo a sua flexibilidade. Esses aspectos procedimentais concentram certo destaque na atuação do árbitro, que deve, "no desempenho de sua função", proceder com "imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição" (art. 13, § 6º da Lei de Arbitragem). O árbitro pode ser "qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes" (art. 13 da Lei de Arbitragem). Comumente, ele é nomeado de acordo com regras pré-estabelecidas - na cláusula compromissória ou compromisso arbitral. Essas regras, na prática, geralmente fazem referência a outras existentes, como as de uma câmara de arbitragem eleita pelas partes (instituição privada que tem como função auxiliar nas funções administrativas do procedimento). Uma vez nomeado, o árbitro deve ter a confiança das partes, atuando com imparcialidade e independência. Uma das formas de promover essa confiança é o "dever de revelar" fatos que possam levantar "dúvida justificada" quanto à imparcialidade ou independência (art. 14, § 1º da Lei de Arbitragem). Em outras palavras, o árbitro deve revelar fatos que, em seu conteúdo, suscitem "dúvida justificada", permitindo que as partes, em posse desses fatos, questionem o árbitro ou, em determinadas circunstâncias, o impugnem pela falta de imparcialidade ou independência, utilizando mecanismos adequados (como os comitês de impugnação), ou ainda, concordem com sua atuação apesar do fato revelado. O dever de revelação permite ao árbitro evitar a aparência de parcialidade, revelando fatos que poderiam conotar, em algum grau, a falta de imparcialidade aos olhos das partes. A revelação permite que as partes considerem as circunstâncias dos fatos revelados para a tomada de uma decisão mais informada sobre a aceitação da nomeação, destacando-se também os fatos que, apesar de não relevados, são conhecimento público e notório, e que devem ser objeto de questionamento na primeira oportunidade das partes de se manifestar sobre a aceitação da nomeação. O PL 3293/2021, entre outras questionáveis alterações, sugere a substituição do termo "dúvida justificada" por "dúvida mínima" do § 1º do artigo 14 da Lei de Arbitragem. A modificação, em teoria, amplia os fatos a serem revelados que poderiam suscitar questionamentos sobre a independência e imparcialidade do árbitro. No entanto, o termo "dúvida mínima" não elimina a subjetividade inerente à extensão daquilo que deveria ser revelado e, indiretamente, amplia as razões que as partes poderiam usar para fundamentar pedidos de anulação da sentença arbitral por possível violação do dever de revelação, mesmo que tal fato não tenha comprometido a imparcialidade e independência do árbitro. Para corroborar com o risco advindo da proposta de alteração legislativa, o Ministro Humberto Martins, em voto vencido proferido no mencionado Recurso Especial n. 2.101.901/SP4, fez referência à PL 3293/2021 que propõe nova redação ao § 1º do artigo 14 da Lei de Arbitragem, para fundamentar o seu entendimento de que não caberia uma avaliação subjetiva a respeito da relevância e do impacto da omissão na imparcialidade para a aferição da ocorrência de violação ao dever de revelação do árbitro, cabendo ao juiz da ação anulatória, definir, tão somente, se os fatos são relevantes, ao ponto da omissão impactar, pela perspectiva das partes, na aceitação do árbitro, a justificar a pretensão anulatória mesmo que o fato omitido não comprometesse, concretamente, a imparcialidade ou a independência do árbitro. Ao contrário e brilhantemente destacado pela Ministra Nancy Andrigui em seu voto vencedor, também proferido no julgamento do Recurso Especial n. 2101901/SP, "anular uma sentença arbitral por requerimento da parte perdedora, sob a alegação de que houve ofensa ao princípio da confiança, com base em fatos que eram do conhecimento público e notório desde a indicação do referido árbitro, no meu modo de ver, respeitosamente, descredibilizaria todo o sistema de arbitragem nacional"5. Não parece haver dúvidas de que o termo "justificada" carrega consigo a necessidade de uma base factual para a dúvida. Por outro lado, "dúvida mínima" amplia essa definição para incluir qualquer dúvida, mesmo que seja apenas uma incerteza trivial, como as hipóteses especulativas reiteradamente usadas por advogados para questionar a alegada imparcialidade dos árbitros. A alteração para "mínima" altera as expectativas envolvidas, pois qualquer incerteza, por menor que seja, passa a ser relevante. Do ponto de vista lexicográfico, "mínima" é uma escolha que reduz o limiar para o que pode ser considerado uma dúvida relevante. A ADPF 1.050, por sua vez, requer que, à luz da Constituição Federal, o STF "declare quais são os critérios/standards constitucionais do exercício do dever de revelação pelos árbitros, previsto no artigo 14, da LArb". Com isso, busca-se uniformizar - por via legal - os parâmetros ao dever de revelação, com o objetivo de evitar o julgamento parcial de disputas e impedir controvérsias judiciais relativas ao tema da violação da imparcialidade ou independência. Ambas as medidas têm a utópica finalidade de reduzir a margem interpretativa intencionalmente presente no § 1º do artigo 14 da Lei de Arbitragem. No entanto, ao contrário do que se propõem, elas podem gerar efeitos adversos aos que se desejava evitar. Não se discute a importância da imparcialidade do árbitro. O que se discute é se o enrijecimento dos parâmetros do dever de revelação por via legislativa e/ou judicial tem como resultado a garantia da imparcialidade do árbitro e, por extensão, o aprimoramento da segurança jurídica. Por um lado, os parâmetros buscam "sistematizar" tudo aquilo que deve ser revelado. Por outro, a revelação de fatos que não possuem relevância à arbitragem pode ser instrumentalizada para tentativas de anulação de sentenças arbitrais. A não revelação de fato que gere "dúvida justificada" não implica, imediatamente, na anulação da sentença arbitral. E esse conceito é fundamental. Findo o processo e proferida a sentença, as hipóteses de anulação estão previstas no artigo 32 da Lei de Arbitragem. No que diz respeito à nossa discussão, são as hipóteses dos incisos II e VIII do artigo 32: caso a sentença tenha sido proferida por quem não podia ser árbitro, ou se desrespeitados os princípios da imparcialidade ou independência. O árbitro tem o dever de revelar quaisquer fatos que possam suscitar dúvidas justificáveis quanto à sua imparcialidade ou independência. Com isso, as partes podem realizar suas próprias análises e decidir se concordam da nomeação. Caso tenham dúvida quanto à imparcialidade e independência, a parte poderá impugnar a nomeação. Ainda que o fato não revelado gere dúvidas justificadas quanto à imparcialidade ou independência do árbitro, a não revelação não deve implicar na imediata anulação da sentença. Não existe uma relação direta, um critério objetivo de causa efeito. A anulação somente é possível se, no conteúdo do fato não revelado, houver violação concreta às regras de imparcialidade e/ou independência.. Em lição conhecida, Arnold Wald já indicava as consequências da ampliação das exigências: "sujeitar-se-á o árbitro a verdadeira e constante "caça às bruxas", impondo-lhe o ônus  com o qual, numa perspectiva realista, dificilmente conseguirá arcar, e permitindo que qualquer das partes disso se aproveite, no futuro, para, se for de seu interesse, questionar a sentença arbitral utilizando-se deste fundamento6"; já Carlos Alberto Carmona bem destaca que "o desenvolvimento da prática da arbitragem no Brasil provocou as diversas entidades que lidam com a arbitragem a procurar alguns parâmetros mais ou menos concretos para orientar os árbitros neste difícil mister que é a dosagem das informações que devem dar aos contendentes. Informar pouco pode gerar dúvida sobre a imparcialidade; informar demais pode estimular impugnações frívolas"7. Logo, à medida que se exigem maiores deveres de revelação do árbitro, aumentam também as possibilidades de arguição de nulidade da sentença com base em fatos que não comprometem a imparcialidade. A simples não revelação desses fatos poderia, por si só, ocasionar a nulidade. E uma total insegurança jurídica. A esquizofrenia conceitual que vem sendo adotada na prática promove um receio aos árbitros e uma paranoia às partes, especialmente advogados, de que absolutamente tudo, inclusive o trivial e o circunstancial, deva ser revelado, sob o risco da parte "perdedora" anular a sentença arbitral pela simples razão do fato "não ter sido revelado", independentemente do seu conteúdo ou do momento em que a parte toma conhecimento deste fato, especialmente se público e notório, o que, nos termos do voto do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, no já mencionado Recurso Especial n. 2.101.901/SP, configuraria uma verdadeira "nulidade de algibeira", ou seja, as partes não poderiam "guardar uma nulidade de algibeira para depois que perdem a questão na arbitragem, ir ao Judiciário para discutir uma suposta nulidade que não se verificou"8. Esse risco atinge não apenas o prestígio de muitos árbitros que trabalham na área, mas também promove uma escalada de revelações que em nada colaboram com a construção do ideal de confiança, gerando mais questionamentos, mais demora e, por vezes, redundam na renúncia do árbitro. Essa soma de mal-entendidos (ou pressupostos de má-intenções) em relação ao instituto da revelação promove o desprestígio da prática arbitral e um acúmulo de ações anulatórias no Judiciário sem fundamento (e que, ao final, visam somente reverter um resultado "ruim"). A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou um parecer extremamente pertinente nos autos da ADPF 1.051, concluindo pela irrazoabilidade de exigir a revelação de fatos que não apresentam qualquer risco à parcialidade do árbitro: "[...] em situações concretas, é possível que determinados dados não sejam indicativos de risco real de parcialidade, e por isso, não se haveria de exigir que fossem compartilhados com as partes. É análise possível de ser feita a posteriori pelo juiz de eventual ação anulatória, que não mitiga o dever de revelação do árbitro"9. No requerimento de ingresso como amicus curiae na ADPF 1.051, o Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), em irretocável manifestação, igualmente ressaltou que "questões referentes ao dever de revelação e à parcialidade e suspeição de árbitros vêm sendo e devem ser decididas nos casos concretos" e que a "constitucionalidade do dispositivo objeto da ação em questão é certa e não deveria sequer ser objeto de debate, uma vez que a disciplina legal das causas de impedimento e suspeição de árbitros e do dever de revelação é adequada e consonante com os ordenamentos e práticas mais avançados do mundo"10. Em sede de ação anulatória, os tribunais frequentemente abordam a revelação do árbitro como um dever absoluto, o que pode levar à anulação da sentença arbitral pela posterior constatação de um fato, independentemente de sua relevância ou impacto na disputa. Não se pode admitir que a não revelação de determinado fato seja causa de anulação da sentença arbitral e, nesse viés, o recente entendimento formado no Recurso Especial n. 2101901/SP, que afastou a pretensão anulatória da sentença arbitral pela omissão de fatos que não possuíam o condão de impactar a imparcialidade do árbitro, evidencia uma vez mais o papel fundamental que o Superior Tribunal de Justiça tem desempenhado para salvaguardar o sistema arbitral, interpretando os dispositivos legais de modo a preservar a segurança jurídica e prestigiar a prática nacional. Nesse âmbito, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, no mencionado Recurso Especial n. 2.101.901/SP, apontou em seu voto que a extensão interpretativa do dever de revelação poderia vir a comprometer a rigidez do sistema arbitral que tem se consolidado ao longos dos anos e, notadamente, ressaltou a essencial função que tem se revelado ao Superior Tribunal de Justiça como "verdadeiro guardião do sistema arbitral no país, garantindo que as sentenças arbitrais sejam cumpridas devidamente; dado que os índices de rejeição de sentenças arbitrais no STJ é ínfimo, como deveria ser, em prol da segurança jurídica"11. Portanto, o anúncio profético de Petronio R. Muniz foi mais uma vez provado real. O Projeto de Lei n. 3293/2021 e a ADPF n. 1.050 que alteram a Lei de Arbitragem não apenas colocam em risco o instituto jurídico da arbitragem no Brasil, como também expõem o miasma que contamina o legislador em projetos tipicamente abrasileirados. A proposta ignora a auto-regulação do sistema arbitral, que, por meio de práticas e normas estabelecidas pelas próprias partes e instituições arbitrais, tem se mostrado mais eficaz na correção de imperfeições do sistema, tampouco considera as relevantíssimas discussões que vem sendo travadas nas Cortes Superiores do país sobre o dever de revelação, como se verifica no julgamento do Recurso Especial n. 2101901/SP. A imposição de regras rígidas e a interferência estatal excessiva podem desvirtuar a natureza privada da arbitragem. Que as ameaças ao instituto jurídico da arbitragem no Brasil se mantenham apenas como ameaças!  Referências CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. Um comentário à Lei nº 9.307/96. São Paulo: Atlas, 4ª Edição, 2023. MUNIZ, Petronio R. G. Operação Arbiter. A História da Lei nº 9.307/96. Sobre a Arbitragem Comercial no Brasil. Brasília: ITN, 2005. WALD, A. A Ética e a Imparcialidade na Arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 10, n. 39, p. 1, out.-dez. 2013. __________ 1 MUNIZ, Petronio R. G. Operação Arbiter. A História da Lei nº 9.307/96. Sobre a Arbitragem Comercial no Brasil. Brasília: ITN, 2005, p. 135. 2 Supremo Tribunal Federal. ADPF n. 1.050. Relatoria do Ministro Alexandre de Morais. 3 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 2.101.901/SP. Relatoria da Ministra Nancy Andrigui. Julgado em 18/06/2024, pela 3ª Turma, que, por maioria, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Ministra Relatora. Vencidos os Ministros Humberto Martins e Moura Ribeiro. Os Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze votaram com a Ministra Relatora para não anular a sentença arbitral objeto da anulatória cujo fundamento arguido era, justamente, a violação do dever de revelação do árbitro. 4 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 2.101.901/SP. Relatoria da Ministra Nancy Andrigui. 3ª Turma. Julgado em 18/06/2024. Voto proferido oralmente pelo Ministro Humberto Martins, conforme disponível aqui, na minutagem: 1:24:50 ao 1:25:40. 5 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 2.101.901/SP. Relatoria da Ministra Nancy Andrigui. 3ª Turma. Julgado em 18/06/2024. Voto proferido oralmente pelo Ministro Humberto Martins, conforme disponível aqui, na minutagem: 1:42:16 ao 1:42:45. 6 WALD, A. A Ética e a Imparcialidade na Arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, v. 10, n. 39, p. 1, out.-dez. 2013, p. 34. 7 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. Um comentário à Lei nº 9.307/96. São Paulo: Atlas, 4ª Edição, 2023, p. 260. 8 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 2.101.901/SP. Relatoria da Ministra Nancy Andrigui. 3ª Turma. Julgado em 18/06/2024. Voto proferido oralmente pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, conforme disponível aqui, na minutagem: 1:44:56 ao 1:45:10. 9 Supremo Tribunal Federal. ADPF n. 1.050. Relatoria do Ministro Alexandre de Morais. ID n. 85. Manifestação da PGR (91368/2023), p. 19. 10 Supremo Tribunal Federal. ADPF n. 1.050. Relatoria do Ministro Alexandre de Morais. ID n. 29. Pedido de ingresso como amicus curiae (39252/2023), pp. 27-28. 11 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 2.101.901/SP. Relatoria da Ministra Nancy Andrigui. 3ª Turma. Julgado em 18/06/2024. Voto proferido oralmente pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, conforme disponível aqui, na minutagem: 1:46:05 ao 1:47:00.
O 'hot-tubbing', também conhecido como testemunho simultâneo de peritos ou conferência de peritos, é uma técnica interessante no procedimento arbitral que visa aumentar a eficiência e a eficácia da apresentação de provas periciais.1 Originária dos países de sistema Common Law, essa prática tem ganhado reconhecimento e aplicação em arbitragens internacionais, sobretudo nas disputas complexas envolvendo questões técnicas ou científicas. Hot-tubbing é um método pelo qual os peritos de ambas as partes em uma arbitragem são ouvidos juntos, na presença do tribunal arbitral e das partes, para discutir suas evidências e pontos de vista. De fato, o hot-tubbing é melhor classificado como um método de prova, em vez de um meio de prova. Isso porque ele não constitui uma prova em si, mas sim uma técnica utilizada durante processos arbitrais para examinar e comparar os materiais apresentados por peritos ou especialistas de ambas as partes. Diferentemente do formato tradicional em que cada perito é ouvido separadamente, o hot-tubbing permite uma interação direta e espontânea entre os peritos, facilitando a identificação de áreas de acordo e desacordo, e esclarecendo pontos técnicos complexos e permitindo que o tribunal arbitral faça perguntas diretamente aos peritos de forma mais eficaz. A crescente popularidade da conferência de peritos decorre dos inúmeros benefícios que traz para os procedimentos e sua contribuição para a revelação da verdade de forma mais eficiente.2 Tal método de produção de prova apresenta vantagens em relação ao procedimento tradicional de apresentação de provas periciais. Primeiramente, promove uma discussão mais dinâmica e focada, auxiliando o tribunal a compreender melhor as questões técnicas em disputa. Além disso, ao permitir que os peritos interajam diretamente, reduz-se o risco de mal-entendidos ou interpretações equivocadas das evidências apresentadas. Essa prática pode levar a uma economia significativa de tempo e custos, já que facilita a identificação rápida das questões centrais e minimiza a necessidade de repetidas rodadas de manifestações. Por outro lado, embora o uso de hot-tubbing tenha o potencial de reduzir a duração de uma audiência, e, portanto, seu custo, não se pode desconsiderar que exigirá de cada parte mais tempo de preparação com sessões prévias de treinamento para uma melhor apresentação no momento da audiência propriamente dito. Esse método também pode ajudar a evitar potenciais problemas de imparcialidade e enviesamento cognitivo, incluindo a supervalorização de peritos indicados pelo tribunal.3 Isto porque quando um perito é indicado exclusivamente pelo tribunal, existe o risco real e natural de que sua opinião seja vista como mais autoritativa simplesmente por causa de sua indicação. Ao permitir que os peritos de ambas as partes sejam ouvidos e questionados conjuntamente, o hot-tubbing promove uma atmosfera de equilíbrio, na qual as opiniões de todos os peritos são consideradas lado a lado. No entanto, a implementação do hot-tubbing em procedimentos arbitrais não está isenta de desafios. A eficácia dessa técnica depende, em grande medida, da habilidade e experiência dos árbitros em conduzir a discussão de maneira equilibrada, assegurando que todos os pontos de vista sejam adequadamente considerados. Além disso, pode haver preocupações relacionadas à pressão exercida sobre os peritos, especialmente em casos de elevada complexidade técnica ou quando há desequilíbrios significativos de poder entre as partes. Para superar esses desafios e maximizar os benefícios do hot-tubbing, algumas considerações práticas são essenciais. É crucial que o tribunal arbitral estabeleça regras claras para o procedimento, incluindo o escopo das questões a serem discutidas e os limites da interação entre os peritos. Isso deve ser estabelecido por meio de ordem arbitral depois de ouvidas as partes previamente. A preparação adequada dos peritos e a escolha de especialistas com habilidades de comunicação são igualmente importantes para garantir que a discussão seja produtiva e focada. A adoção de práticas cuidadosas de planejamento e execução, bem como da habilidade dos árbitros em gerenciar efetivamente a discussão também pode influenciar no melhor aproveitamento do método. Além disso, o uso de tecnologias de informação e comunicação pode facilitar a organização e a condução dessas sessões.4 Mas há mais: Questões econômicas e temas envolvendo engenharia, contabilidade, ou outras ciências exatas, em teoria, não deveriam gerar grandes discordâncias, já que se baseiam em princípios e cálculos objetivos. Contudo, na prática, observa-se frequentemente que as partes envolvidas em disputas ou análises apresentam pareceres técnicos com conclusões diametralmente opostas. Isso se deve, em grande parte, à interpretação dos dados, à escolha de metodologias específicas e à aplicação de pressupostos variáveis, que podem levar a resultados substancialmente diferentes. Esta realidade ressalta a complexidade inerente à aplicação de conhecimentos técnicos em contextos disputados. Mesmo dentro de campos aparentemente objetivos, como as ciências exatas, a seleção de modelos econômicos, métodos de avaliação de engenharia ou critérios contábeis específicos pode ser influenciada por juízos de valor ou interesses das partes. Além disso, a complexidade dos temas abordados e a especialização necessária para compreendê-los podem criar barreiras adicionais ao consenso. A consequência disso é um aumento no raio de dúvida e na ampliação de debates, especialmente em contextos ou arbitrais, onde cada parte procura fundamentar seu ponto de vista com o apoio de especialistas. Durante a audiência, seguindo as diretrizes estabelecidas pelo tribunal arbitral, ou no termo de arbitragem ou do próprio regulamento de arbitragem os peritos têm a oportunidade de apresentar um resumo de sua metodologia, o alcance de seu trabalho e as conclusões alcançadas. Essa apresentação, quando feita, geralmente toma o lugar do interrogatório direto e normalmente é seguida por um modelo de cross-examanination conduzido pelo advogado da parte adversa. Após isso, pode ocorrer um re-interrogatório e, se aplicável, perguntas por parte dos árbitros. Além disso, os peritos são ouvidos e questionados simultaneamente, de acordo com um protocolo específico de conferência determinado pelo tribunal arbitral, é justamente esse momento que ocorre o chamado hot-tubbing:Como se pode perceber, a prática foi desenvolvida como meio para a coleta de provas periciais, para preencher a lacuna entre as visões, por vezes, polarizadas sobre os pareceres de peritos. Esse debate qualificado de especialistas envolve uma discussão em mesa com os peritos e o tribunal arbitral, onde pontos controvertidos são colocados em pauta e cada perito nomeado pela parte responde à questão e confronta o outro perito. A dinâmica permite que os árbitros questionem cada perito sobre o que o outro afirmou. Alternar entre eles permite que o tribunal arbitral entenda melhor a posição de cada perito. Essa abordagem promove um ambiente onde os peritos podem, de forma direta, expressar seus pontos de vista sobre as opiniões apresentadas pelos colegas. Tal interação facilita não apenas a troca de perspectivas, mas também capacita o corpo arbitral a discernir, com precisão, as áreas onde existem divergências reais e substanciais entre os especialistas. A natureza interativa da conferência de peritos encoraja cada especialista a ultrapassar as respostas pré-estabelecidas e partilhar as suas perspectivas técnicas de modo mais espontâneo. Este processo promove um diálogo interessante e mais dinâmico entre os peritos, permitindo-lhes esclarecer ao tribunal arbitral os fundamentos de suas discordâncias. Tal abordagem não só esclarece as questões para o tribunal, como também pode fomentar um consenso entre os peritos sobre pontos anteriormente controvertidos. O método de hot-tubbing possibilita que especialistas das mesmas áreas sejam apresentados e ouvidos conjuntamente, permitindo que ocupem a mesma posição de depoentes simultaneamente. O tribunal analisa as informações e os dados permitindo uma comparação simultânea das respectivas declarações dos peritos, o que pode resultar em audiências mais curtas e eficientes. O uso de hot-tubbing em um ambiente virtual também é possível seguindo a mesma dinâmica e ordem daquela que é praticamente em sessões presenciais. No entanto, há quem diga que em processos arbitrais, os tribunais podem enfrentar problemáticas adicionais ao tentar avaliar a credibilidade e o peso relativo das opiniões de peritos que estão em desacordo, especialmente quando a interação direta e a resposta imediata entre os peritos são minimizadas devido à falta de proximidade física. A transição para o ambiente virtual, apesar de amplamente adotada em várias etapas do processo arbitral, introduz uma nova dinâmica na avaliação das provas e dados apresentados. A adaptação à ausência de interações face a face entre os peritos e as partes envolvidas pode representar um desafio inicial, mas é um obstáculo superável.5 Embora muitos protocolos tenham sido agora elaborados sobre o tema das audiências virtuais6, com relação ao hot-tubbing, é recomendável adotar algumas práticas:As considerações acima significam que os advogados precisarão ser mais proativos para garantir que as provas apresentadas sejam claras e apresentadas adequadamente. Além disso, alguns peritos têm uma personalidade mais dominante que outros, de modo que o(s) outro(s) perito(s) falha(m) em ser eficaz(es) na apresentação de suas opiniões. Há também preocupações de que o hot-tubbing possa criar um ambiente que leva os peritos a se entrincheirarem em suas posições quando o perito pode temer perder credibilidade diante dos clientes, do perito oposto ou do tribunal.7 Enfim, a prática de hot-tubbing representa uma evolução na forma como as provas periciais são apresentadas e avaliadas em procedimentos arbitrais. À medida que continuar a ganhando aceitação, é provável que sua aplicação seja refinada, expandida e regulada de modo mais claro, contribuindo para o desenvolvimento e aplicação desse método na arbitragem. __________ 1 A expressão é uma metáfora, o "hot-tubbing" sugere a imagem de peritos relaxando juntos em uma banheira de hidromassagem, numa atmosfera mais colaborativa e menos confrontacional, embora, na prática, o processo seja rigorosamente estruturado e focado na elucidação de fatos e dados técnicos. 2 Cf. Disponível aqui. 3 Cf. COSTA. Eduardo Fonseca. Levando a imparcialidade a sério. Salvador: Juspodium, 2018. 4 Cf. Disponível aqui. 5 Cf. Disponível aqui. 6 Cf. Disponível aqui. 7 Cf. Disponível aqui.
A arbitragem especializada em direito marítimo, portuário e aduaneiro assume papel de crescente relevância no cenário nacional, em especial, pelo grau de tecnicidade das controvérsias e pelo seu vulto econômico. Há tempos, estou dentre aqueles que afirma inexistir qualquer concorrência entre as portas do Poder Judiciário e da Arbitragem, em um sistema de jurisdição multiportas em que cabe à parte optar pelo método de solução que lhe for mais conveniente, estando ambos com capacidade de entregar uma solução à altura de sua expectativa1. Nesse cenário, assume elevada importância analisar os efeitos da decisão do Tribunal Marítimo no processo arbitral. O Tribunal Marítimo, com jurisdição em todo o território nacional, é órgão autônomo da Administração Federal, auxiliar do Poder Judiciário2, competente para jugar os acidentes e os fatos da navegação, sediado na Capital do Rio de Janeiro. É formado por Magistrados especialistas em Direito Marítimo, Direito Internacional, Armação e Navegação, mas também por Capitães de Longo Curso, de Mar e Guerra e de Fragata do Corpo de Engenheiros da Marinha, que são responsáveis por afirmar a natureza e a extensão dos acidentes ou fatos da navegação, indicando a causa determinante de cada um deles e, se o caso, impor sanções de caráter meramente administrativo. A prova produzida no âmbito do Tribunal Marítimo está sob o crivo do contraditório, tendo a Corte o dever de imparcialidade. O Tribunal Marítimo julga os fatos e acidentes da navegação, em processo contencioso, com aplicação de normas técnicas e jurídicas compatíveis à solução do conflito e aplicabilidade subsidiária dos códigos de processo, e adota o mesmo procedimento de qualquer outro tribunal3. Dois pontos merecem destaque quando o tema é estudar os efeitos da decisão do Tribunal Marítimo, quais sejam: a autonomia do Tribunal Marítimo; a composição plural da Corte. Quanto ao primeiro ponto - autonomia -, a ausência de vinculação no ato de julgar com qualquer órgão da administração, somado ao dever de imparcialidade, faz com que as decisões pronunciadas pela Corte Marítima sejam consideradas isentas e independentes, fundadas em critérios eminentemente técnicos, próprios da especialidade da matéria sob a sua competência. Já no que tange ao segundo ponto - composição plural -, as variadas visões de cada um dos julgadores, especialistas em área específica da navegação, com larga experiência, permite que todos os pontos necessários ao melhor julgamento estejam colocados à mesa quando do debate, produzindo um acórdão representativo da melhor técnica para a solução da controvérsia. A Arbitragem constitui, sem dúvida, um microssistema próprio do exercício da jurisdição, fundado na autonomia da vontade das partes e na confiança na pessoa do Árbitro, pilares que lhe são essenciais enquanto instituto privado de solução de controvérsias. Mas, penso eu, não está isolada dentro do sistema de jurisdição. Na arbitragem de direito, é dever do Árbitro julgar conforme a legislação convencionada pelas partes na convenção de Arbitragem. No recorte necessário ao espaço limitado deste texto, convém anotar que estaremos a tratar da hipótese em que foi convencionado pelas partes a arbitragem de direito, com opção pelo direito brasileiro. A primeira controvérsia, nesse processo de interação entre Tribunal Marítimo e Tribunal Arbitral, diz com a necessidade de se implementar a suspensão da arbitragem até o julgamento do mesmo fato pelo Tribunal Marítimo, bem como a existência ou não de limitação temporal. Sobre esse ponto, relevante para a nossa análise, o disposto no artigo 19, da lei 2180/544 5 porquanto exige a juntada da decisão definitiva do Tribunal Marítimo quando, em juízo, sem qualquer distinção quanto ao judicial ou arbitral, estiver em discussão matéria de competência daquela Corte. A regra é clara! A juntada da decisão do Tribunal Marítimo é exigência legal quando, em juízo, arbitral ou judicial, houver controvérsia sobre matéria de sua competência. Porém, permanecem as seguintes dúvidas: o momento da juntada da decisão definitiva;  o prazo de suspensão do processo arbitral para a juntada da decisão definitiva que venha a ser proferido pelo Tribunal Marítimo. A aplicação das disposições Código de Processo Civil ao processo arbitral, questão assaz controvertida, merece, ao meu sentir, a devida superação, a partir da necessidade prática da solução de questões internas, exigidas para o regular andamento do processo arbitral, ao menos com a utilização, pelos Árbitros, da razão jurídica que inspira seus artigos, como razão de decidir. Nesse caso, reputo como necessária a aplicação da regra ou da razão jurídica da regra do artigo 313, inciso VII, do Código de Processo Civil6, implementando-se a suspensão do processo arbitral até a decisão da Corte do Mar. Como visto, o artigo 19, da lei 2180/54, menciona a juntada no processo, judicial ou arbitral, da decisão definitiva do Tribunal Marítimo, sempre que a questão controvertida couber nas suas atribuições técnicas. Por outro lado, regra ou a razão jurídica da regra do artigo 313, inciso VII, do Código de Processo Civil, apenas afirma a necessidade de suspensão do processo quando a questão envolver a competência do Tribunal Marítimo, sem qualquer delimitação temporal. É verdade que, sobre o ponto da limitação temporal, o julgamento no Tribunal Marítimo configura verdadeira prejudicialidade externa, o que faria, em princípio, atrair o prazo e a consequência previstos na regra ou na razão jurídica da regra do artigo 313, inciso V, alínea "b", §§ 4º e 5º, todos do Código de Processo Civil7. O risco de decisões conflitantes, dentro de um mesmo sistema de direito, a partir do julgamento de uma ação fundada no mesmo fato, no Tribunal Arbitral e ao mesmo tempo no Tribunal Marítimo, é evidente. Veja-se, a propósito, que não seria razoável, mas possível sem a suspensão, que um Tribunal Arbitral decida pela existência de responsabilidade e o Tribunal Marítimo decida pela sua ausência. Ainda que os juízos, arbitral e marítimo, definam a responsabilidade pelo evento para consequências diferentes, não se pode ignorar que a premissa, responsabilidade pelo mesmo fato, é essencial para ambos. Não se pode desconsiderar, ainda, o fato de que o artigo 19, da lei 2180/54, estabelece em seu texto "a juntada definitiva da sua decisão", a indicar que o processo arbitral deverá permanecer suspenso até a conclusão do processo no Tribunal Marítimo, independentemente da limitação temporal de 01 (um) ano prevista no Código de Processo Civil. A possibilidade de que o processo arbitral prossiga e, se o caso, até antes da sua sentença, implemente-se a suspensão para juntada da decisão definitiva do Tribunal Marítimo, atendendo ao texto legal, não é a melhor solução. Isso porque a decisão da Corte Marítima é de extrema importância para o próprio curso da instrução do processo, trazendo evidente prejuízo às partes caso somente venha a ser juntada ao final da instrução, até antes da sentença, sem mencionar o prejuízo para a economia processual, caso alguma prova tenha de ser refeita a partir da conclusão trazida aos autos pelo julgado do Tribunal Marítimo. Além disso, é medida de todo consentânea com a segurança jurídica, a suspensão do processo arbitral antes do início da fase de instrução, visando cumprir o ideal do melhor julgamento de mérito possível, constituindo dever do Árbitro produzir uma decisão justa e exequível. Uma outra questão geradora de controvérsia nessa interação entre Tribunal Marítimo e Tribunal Arbitral é a que diz respeito à eficácia da decisão pronunciada pela Corte do Mar. A questão está disciplinada na atual redação do artigo 18, da lei 2180/54, que lhe foi conferida pela lei 9578/978. Na atual redação do artigo 18 da lei 2.180/54, não se pode afastar a ideia de que as conclusões estabelecidas pelo Tribunal Marítimo em seus acórdãos são suscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário em toda a sua extensão, mesmo que, quanto à matéria técnica referente aos acidentes e fatos da navegação, tenham valor probatório, presumindo-se certas por força de lei. A mesma conclusão haverá de ser prestigiada no processo arbitral em que o Árbitro exerce jurisdição, sendo Juiz de fato e de direito. O Acórdão do Tribunal Marítimo não possui o valor probatório de uma prova comum. Há uma valoração prévia estabelecida pelo legislador. Há uma presunção de certeza estabelecida na lei. Nessa trilha, a presunção legal de certeza estabelecida no artigo 18, da lei 2.180/54, impõe ao Painel Arbitral esforço argumentativo excepcional, fundado em critério técnico equivalente ao posto no Acórdão da Corte do Mar, capaz de afastar a conclusão do texto legal expresso que afirma "se presumem certas". E esse esforço argumentativo que se exige do Árbitro não é o esforço comumente utilizado para afastar a tese das partes ou mesmo um singelo parecer técnico produzido pelos assistentes técnicos ou perito do juízo. Para além da presunção legal estabelecida em favor da decisão do Tribunal Marítimo, é preciso, a partir do conhecimento sobre a formação e funcionamento da Corte, admitir que o Acórdão por ela produzido, pronunciado por um colegiado plural de especialistas na matéria, somente poderá ser afastado, no reexame do seu mérito, com critério técnico equivalente, sendo excepcional essa hipótese. O Acórdão do Tribunal Marítimo não é parecer técnico. A juntada do Acórdão definitivo do Tribunal Marítimo no processo arbitral entrega ao Árbitro a cognição ampla, sendo-lhe lícito a análise tanto dos seus aspectos formais, quanto do próprio mérito da conclusão, observada, todavia, a valoração prévia da prova estabelecida pelo legislador. Nunca é demais repetir, como já afirmei em outro ponto deste artigo, que a conclusão do Tribunal Marítimo posta em seu Acórdão não é singelo parecer técnico, porquanto decorre da lei a sua presunção de certeza, impondo ao julgador, quanto ao mérito, esforço argumentativo excepcional para o seu afastamento, no que somente reputo preenchido esse esforço com prova técnica equivalente àquela que nasce da composição plural da Corte do Mar. Um ponto a merecer a nossa consideração é o de que, na Arbitragem, os Árbitros, escolhidos pelas partes, são - ou deveriam ser - especialistas na matéria em julgamento e, portanto, com conhecimento pleno para decidir a controvérsia sem a necessidade de qualquer decisão do Tribunal Marítimo. No entanto, se o ponto colocado é verdadeiro, no caso, há imposição legal para a juntada da decisão definitiva do Tribunal Marítimo em qualquer juízo, repito, sem distinção pelo legislador quanto ao judicial ou arbitral, tendo o seu acórdão, por força de lei, presunção de certeza quando a matéria for de sua competência. Ademais, para além da imposição legal, convenhamos, mesmo para juristas experientes ou profissionais do setor, é sobremaneira complexo definir se uma arribada de embarcação foi justificada ou se um determinado evento constitui avaria grossa, não se podendo desconsiderar a expertise de Magistrados que diariamente julgam esses temas, a partir de um colegiado de composição plural, que lhes permite um olhar panorâmico da controvérsia em julgamento. Poder-se-ia, ainda, objetar as conclusões do texto com o argumento de que a celeridade do julgamento é essencial ao processo arbitral e, portanto, seria descabido falar em suspensão para aguardar decisão de outro Tribunal. Sem dúvida, a celeridade é essencial na Arbitragem. Porém, ao processo arbitral impõe-se conviver em harmonia com um sistema de jurisdição único, fundado em multiportas, no qual a segurança jurídica decorrente do respeito à lei é valor constitucional para todas elas. Permitir que o processo arbitral vinculado ao direito brasileiro desconsidere o texto da legislação em vigor, a partir da pura e simples busca da celeridade, é criar uma verdadeira jurisdição extraterrestre, um direito alienígena, capaz de colocar a decisão arbitral sobre o mérito da controvérsia em uma linha de produção, na busca pela agilidade a qualquer custo. Nesse exato momento, arbitralistas devem estar a imaginar que o pensamento exposto é fruto da convicção de alguém que, por integrar o Poder Judiciário, possui opinião adernada em relação a Arbitragem. Digo-lhes que se enganam! Sou um verdadeiro fã da Arbitragem enquanto método adequado de solução de conflitos. Apenas não a enxergo como isolada dentro de um sistema de jurisdição fundado no respeito à lei e tendo a segurança jurídica como valor constitucional. Para longe de estabelecer proposições definitivas, o propósito do texto, de conteúdo polêmico para a Arbitragem, reconheço, é tão somente convidar os operadores do direito a um, conhecer a composição e o funcionamento do Tribunal Marítimo, para dois, propor reflexões sobre os efeitos das suas decisões no processo arbitral, contribuindo para julgamentos de mérito consentâneos com as melhores técnicas da navegação, dentro da busca pelo ideal da segurança jurídica. ________________ 1 Em 27 de novembro de 2023, o Tribunal de Justiça de São Paulo criou um núcleo especializado para julgamento da competência marítimo, portuário e aduaneiro em todo o território do Estado, o Núcleo de Justiça 4.0 - Direito Marítimo. 2 Na leitura da função de auxiliar do Poder Judiciário do Tribunal Marítimo haverá de se compreender a sua função como auxiliar de qualquer tribunal que exerça jurisdição, inclusive o formado na Arbitragem. 3 Direito Marítimo. Estudos em homenagem aos 500 anos da circum-navegação de Fernão de Magalhães. Marcelo David Gonçalves, O Tribunal Marítimo e a Eficácia dos seus Acórdãos, p. 353. 4 Artigo 19- Sempre que se discutir em juízo uma questão decorrente de matéria da competência do Tribunal Marítimo, cuja parte técnica ou técnico-administrativa couber nas suas atribuições, deverá ser juntada a sua decisão definitiva.  5 Observe-se que a regra do artigo 19, da Lei 2180/54, não faz qualquer ressalva quanto ao tipo de juízo, estatal ou arbitral, sendo verdade que, quando da sua edição, em que pese ser possível reconhecer a existência da Arbitragem, inexistia a atual Lei de Arbitragem. 6 Artigo 313- Suspende-se o processo: (...) VII- quando se discutir em juízo questão decorrente de acidentes e fatos da navegação de competência do Tribunal Marítimo.   7 Artigo 313- Suspende-se o processo: V - quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente; b) tiver de ser proferida somente após a verificação de determinado fato ou a produção de certa prova, requisitada a outro juízo; § 4º O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder 1 (um) ano nas hipóteses do inciso V e 6 (seis) meses naquela prevista no inciso II. § 5º O juiz determinará o prosseguimento do processo assim que esgotados os prazos previstos no § 4º. 8 Artigo 18- As decisões do Tribunal Marítimo quanto à matéria técnica referente aos acidentes e fatos da navegação têm valor probatório e se presumem certas, sendo, porém, suscetíveis de reexame pelo Poder Judiciário.
Com o crescimento do comércio internacional, especialmente a partir do final da segunda guerra mundial, a importância da segurança e da previsibilidade dos negócios entabulados entre as partes contratantes, sujeitos, cada um, a diferente jurisdição e ordenamento jurídico, assim como a importância de um sistema de solução de litígios capaz de produzir resultados consistentes, coerentes e na velocidade da necessidade daquelas partes, deu azo à discussão sobre um sistema normativo uniforme e transnacional que pudesse atender àquelas demandas. Na busca de uniformidade e previsibilidade para a redução dos custos de transação, convivem com a criação de leis uniformes reguladoras da atividade do comércio internacional, dos quais são exemplos os Inconterms, as Regras e Usos Uniformes de Créditos Documentários, as Regras Uniformes para Garantia de Contratos, todos promovidos pela Câmara Internacional de Comércio (CIC), a Lei-Modelo de Arbitragem da UNCITRAL, a Convenção Internacional sobre Compra e Venda Internacional (Viena, 1980), os princípios dos Contratos Internacionais (UNIDROIT) e a Convenção Interamericana sobre o Direito Aplicável aos Contratos Internacionais (Cidip V - Cidade do México, 1994). É neste mesmo ambiente que surge igualmente, como alternativa às propostas de leis uniformes propostas em convenções ou tratados, o reconhecimento da existência de um sistema normativo a-nacional, ou seja, não proveniente dos Estados, mas criado espontaneamente a partir dos usos e costumes mercantis, como um "importante fator de estabilização de relações econômicas privadas entre particulares, capaz de se estruturar a partir de princípios e regras próprios, instituições não estatais de aplicação de tais normas e formas de sanção reputacional"1. Este sistema normativo passou a ser designado como Nova Lex Mercatoria (em referência e distinção à sua versão medieval) a partir do artigo seminal do Bertold Goldman2, professor da Universidade de Paris II (Pan-theón-Assaz) que divide com Schmitthoff3 a responsabilidade de trazer para o tema à luz. Sem pretender esgotar o tema é possível assinalar que a NLM tem sido descrita de diversas maneiras pelos seus defensores: como "um conjunto de princípios gerais e regras consuetudinárias espontaneamente referidos ou elaborados no âmbito do comércio internacional, sem referência a um sistema jurídico nacional específico", um "regime para o comércio internacional, espontaneamente e progressivamente produzido pela societas mercatorum", "um único corpo jurídico autónomo criado pela comunidade empresarial internacional", "um sistema jurídico híbrido que encontra as suas fontes tanto no direito nacional ou internacional como na região vagamente definida de princípios gerais... chamado de 'Direito Transnacional'" - mas também como "[o] fenômeno de regras uniformes que atendem a necessidades uniformes de negócios internacionais e cooperação econômica", ou como consistindo em "todo o direito resultante de ou sob a influência de fontes transnacionais de direito e regulamentar atos ou eventos que transcendem as fronteiras nacionais"4. Já seus detratores insistirão em dizer que a NLM não passa de uma alegoria para ora referir-se a usos e costumes normatizados pelas leis nacionais ora para referir-se a cláusulas contratuais inseridas em contratos padrões adotados no comércio internacional5. De toda forma, independentemente de existir como efetivo sistema jurídico autônomo de direito comercial transnacional, a nova lex mercatoria existe como um conceito de forte ressonância e poderoso capital simbólico capaz de provocar intensas discussões acadêmicas até os dias de hoje6. Contratos Padrão e Arbitragem na construção da Nova Lex Mercatoria Na construção da NLM os contratos padrão, ou contratos formulários, criados por associações internacionais de comerciantes, na busca da padronização desses contratos de forma a reduzir os custos de transação entre outras são fontes inafastáveis daquele instituto. Aliás essa é a tese central do trabalho de Goldman que afirma: Mas, para nos mantermos fiéis aos nossos tempos, recordaremos que a London Corn Trade Association, criada em 1877 e refundada em 1886, propôs, entre outras coisas, "produzir a introdução no comércio de cereais da uniformidade nas transações, encorajar a adopção de práticas baseadas em princípios justos e equitativos, e isto mais particularmente para contratos, fretamentos, conhecimentos de embarque e apólices de seguro; estabelecer, provocar, incentivar a divulgação e adoção de fórmulas-padrão de contratos, dos demais documentos mencionados e em geral de todos aqueles utilizados no comércio de grãos". Este programa foi plenamente concretizado, uma vez que a London Corn Trade Association estabeleceu e colocou à disposição dos comerciantes de cereais várias dezenas de contratos-tipo, cuja distribuição e aplicação são consideráveis: são de facto utilizados em muitas vendas internacionais, independentemente de qualquer participação de empresas inglesas, ou mesmo de membros da Associação. Desde então, os contratos-tipo tornaram-se amplamente utilizados noutras áreas do comércio internacional: encontram-se, em particular, no comércio de produtos agrícolas, florestais, mineiros, petrolíferos, siderúrgicos, têxteis e de bens de capital. Contratos modelo ICC, FIDIC, GAFTA e FOSFA, a cláusula de force majure e de hardship da ICC são alguns exemplos7. A adoção dos contratos padrão uniformizam os usos e práticas e, no caso de disputas entre as partes, ainda remetem a solução do conflito para os tribunais arbitrais especializados, normalmente constituídos sob os regulamentos das mesmas instituições internacionais que produziram aqueles contratos, reforçando a vinculação das partes àqueles usos e práticas por conta das decisões arbitrais que serão proferidas. Assim, na identificação dos usos e práticas mercantis e na sua aplicação na solução de conflitos oriundos de contratos comerciais internacionais as sentenças arbitrais internacionais podem ser vistas como geradoras (ou confirmadoras) das regras que constituem a nova lex mercatoria8. Em que pese a construção esboçada rapidamente nos parágrafos acima, a leitura dos contratos padrão de compra e venda internacional de commodities, indica que raramente a lex mercatoria como tal é eleita como lei aplicável aos contratos. Assim, uma primeira análise indica que a lex mercatoria, aparentemente, é menos uma escolha das partes como lei aplicável aos contratos em si, mas, isto sim, muito mais uma fonte subsidiária para a qualificação das obrigações estre as partes, vale dizer, muito mais uma questão para análise dos árbitros quando da apreciação da natureza do conflito entre as partes, funcionando, assim, muito mais como um mecanismo de governança ex post para resolver disputas contratuais com o objetivo de manter e restaurar a ordem do comércio internacional. Por outro lado, dada as características das arbitragens desenvolvidas nos seios das associações internacionais especializadas, as decisões podem se limitar às práticas específicas do respectivo setor, criando, assim, um instituto multifacetado, não uniforme em termos de sua aplicação, refutando a ideia de lex mercatoria como um sistema jurídico próprio e geral, vale dizer, basicamente refutando a existência mesmo desse instituto, criando um paradoxo que muitas gerações de internacionalistas ainda terão de enfrentar. __________ 1 COSTA, João Augusto Fontoura. A autonomia da nova lex mercatoria e a estabilização de relações comerciais internacionais. Revista do Instituto do Direito Brasileiro. (2013),4783-4810. 2(6) 2 GOLDMAN, Berthold, Frontiéres du droit et lex mercatoria. Revista de arbitragem e mediação, (2009), 211-230, 22 3 SCHMITTHOFF, Clive. American and European Commercial Law. Journal of Legislation, (1979), 44-57, 6(44). 4 HATZIMIHAIL, Nikitas E. The many lives-and faces-of lex mercatoria: History as genealogy in international business law. Law and Contemporary Problems, (2008), 169-190, 71(3) 5 HUCK, Hermes Marcelo. Lex Mercatoria - Horizonte e Fronteira do Comércio Internacional, Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, (1992), 213-235, 87 (cf. págs. 230 e segs.) 6 TOTH, Orsolya. The Lex Mercatoria in Theory and Practice. Oxford. Oxford University Press, (2017) 7 AYOGLU, Tolga. Some Reflections on the Sources of Lex Mercatoria, in International Commercial Arbitration and the New Lex Mercatoria (2014), 27-36 8 Sobre a arbitragem no mercado internacional de commodities cf., entre outros, FAVACHO, F. G. S. C. Aspectos Internacionais do Direito do Agronegócio. São Paulo: Lumem Juris, 2020, v.1. p.276.
Segundo a pesquisa "Arbitragem em Números"1 liderada pela arbitralista Selma Maria Ferreira Lemes, em 2022 houve 36 novas arbitragens envolvendo a Administração Pública Direta e Indireta, o que representa aproximadamente 11% do total de arbitragens entrantes naquele ano. Esse alvissareiro dado revela um amadurecimento da arbitragem em relação à Administração Pública no Brasil, visto que até a reforma da Lei Brasileira de Arbitragem n.º 9.307/1996 ("LBA") em 2015, havia entendimentos, ainda que minoritários, que questionavam o uso da arbitragem por entes públicos. Fato é que atualmente a Administração Pública ocupa grande lugar de destaque quando o assunto é arbitragem. Em outra pesquisa, realizada pela subscritora deste artigo, nos principais portais eletrônicos que divulgam informações sobre os casos envolvendo entes públicos2 foi constatada a existência de aproximadamente 40 procedimentos arbitrais envolvendo a União, Autarquias Federais e o Estado de São Paulo. Chama a atenção também os elevadíssimos valores em disputa, em que os casos atingem discussões sobre cifras milionárias e até mesmo bilionárias, como são as arbitragens no setor de Telecomunicações. Com todo esse holofote nos procedimentos arbitrais envolvendo a Administração Pública, não se pode deixar de destacar outra peculiaridade envolvendo esse setor. Trata-se do critério de escolha dos árbitros A escolha do árbitro é um dos atos mais importantes de todo o procedimento arbitral, seja pela indicação de um profissional verdadeiramente conhecedor da matéria objeto do litígio, seja pela necessidade de ter atenção redobrada para evitar possíveis nulidades referentes a impedimento - tão comuns atualmente na comunidade arbitral. Nas arbitragens envolvendo a Administração Público existe um incômodo por parte do ente público com integrantes do tribunal arbitral que já tenham, porventura, atuado contra o Estado ou emitido opiniões contrárias aos interesses do Poder Público3. Essa preocupação, inclusive, foi externalizada no Decreto n.º 64.356/2019, que dispõe sobre o uso da arbitragem que a Administração Pública do Estado de São Paulo seja parte. Segundo dispõe o art. 11, inciso II, o árbitro que exerce a advocacia, deve informar sobre a existência de demanda por ele patrocinada (ou por escritório do qual seja associado), contra a Administração Pública, bem como a existência de demanda por ele patrocinada ou por escritório do qual seja associado, na qual se discuta tema correlato àquele submetido ao respectivo procedimento arbitral. Por isso, não é de se espantar que nos procedimentos arbitrais em curso em que são partes a União, Autarquias Federais e o Estado de São Paulo exista uma nítida predileção, parte da Administração Pública, pela indicação de profissionais cujo currículo tenha alguma atuação em órgãos públicos. Neste sentido, vale a pena ressaltar que dos 37 casos analisados, 14 árbitros também exercem, ou já exerceram, o cargo de Procuradores do Estado, sobretudo do Estado do Rio de Janeiro. Ademais, a pesquisa também constatou que os entes públicos já indicaram, 4 árbitros que já atuaram como magistrados do Poder Judiciário. O perfil dos árbitros indicados pela Administração Pública pode revelar que existe uma expectativa de que, por terem os profissionais uma atuação pretérita, eles possam ter um entendimento mais favorável ao quanto é defendido pelo ente público no processo arbitral.  Além disso, a pesquisa permitiu apurar um traço comum no perfil dos árbitros indicados tanto pela parte privada, como pelo ente público. Trata-se de um favoritismo pela indicação de profissionais que sejam acadêmicos e lecionam. Dos casos analisados, 29 árbitros são professores universitários reconhecidos em suas respectivas cátedras. Outro dado comum é que a maioria dos árbitros atua como advogado com reconhecida capacidade no mercado. Também foi detectado pela pesquisa que os Tribunais Arbitrais são predominantemente formados por profissionais homens e apenas 15 são mulheres. Da totalidade dos casos, somente 6 procedimentos arbitrais tem como presidente do tribunal uma mulher. Isto é, a diversidade de gênero, infelizmente ainda não é uma realidade dentre os tribunais arbitrais. Observa-se, ainda, que a experiência prática em procedimentos arbitrais envolvendo a Administração Pública tem demonstrado a fase de escolha dos árbitros tende a ser mais demorada quando comparado com procedimentos envolvendo apenas partes privadas. Isso porque, o ente público tende a apresentar longos questionamentos adicionais sobre os árbitros indicados e as objeções feitas aos árbitros indicados pelos entes privados também têm se revelado mais frequentes4. Feitos estes apontamentos, espera-se que no futuro o perfil dos árbitros atuantes nos casos envolvendo entes públicos possa ser mais diverso e inclusivo, o que certamente enriquecerá a tomada de decisões. __________ 1 Disponível aqui, acesso em 15 de outubro de 2023. 2 Núcleo Especializado em Arbitragem da Advocacia-Geral da União - NEA. Agência Nacional de Transportes Terrestres -ANTT. Equipe de Arbitragem da Procuradoria-Geral Federal (ENARB/PDG). Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, SP. 3 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e administração pública. Primeiras reflexões sobre arbitragem envolvendo a Administração Pública. Revista Brasileira de Arbitragem, São Paulo, v. 13, nº 51, jul.-set., 2016. 4 Neste sentido: "O escrutínio sobre o nome em eventual impugnação deve ser especialmente rígido, para salvaguardar a tão prezada legitimidade do procedimento, quando envolve ente estatal. Isso não significa, contudo, que qualquer impugnação pelo ente público deve ser deferida. Há de se atentar, ainda, par aos possíveis problemas da nomeação de advogado público, se estiver vinculado a ente estatal que pode ter conflito semelhante[4]. Arbitragem com Entes Públicos: Questões Controvertidas. Arbitragem e Administração Pública: Temas Polêmicos. Joaquim de Paiva Muniz; Marcelo José Magalhaes Bonizzi e Olavo A. V. Alves Ferreira (coord.) - Ribeirão Preto, SP, Migalhas, 2018, p. 163).
Considerações iniciais O presente artigo possui como único propósito a reflexão sobre esse tema que há muito se revela controvertido na jurisprudência e na academia, a exigir um olhar, longe de definitivo, mas capaz de apresentar uma contribuição ao debate. Para fins de delimitação do tema, impõe-se o recorte de que estaremos a tratar do contrato de transporte marítimo de carga, porém, considerações de cunho geral, podem ser aplicadas a outras formas de contratação que envolvam o tema. De início, afirmo que não constitui novidade, no mundo do comércio globalizado, a relevância do contrato de transporte marítimo de carga e, por consequência, do necessário contrato de seguro. Atualmente, não fossem esses dois contratos, não seria exagerado afirmar que o mundo estaria diferente. É nesse cenário que o tema da transmissão dos efeitos da cláusula de arbitragem à seguradora sub-rogada ganha relevância. A sub-rogação e o seguro A Sub-rogação está definida nos artigos 346 e seguintes do Código Civil1. O termo sub-rogação advém do latim subrogatio, designando substituição de uma coisa por outra com os mesmos ônus e atributos, caso em que se tem sub-rogação real, ou substituição de uma pessoa por outra, que terá os mesmos direitos e ações daquela, hipótese em que se configura a sub-rogação pessoal2. A sub-rogação opera uma verdadeira substituição no polo ativo da obrigação, mantendo a seguradora sub-rogada a mesma posição jurídica do seu segurado. É, pois, a mesma obrigação, porém com outra parte agora no polo ativo. Cabe o destaque quanto ao caráter derivado da sub-rogação, porquanto ela somente existe a partir de uma anterior relação jurídica, não tendo existência autônoma, de modo que o direito da seguradora sub-rogada somente existe a partir de um primitivo contrato de transporte celebrado pelo seu segurado, este devidamente garantido pela seguradora que, ao efetuar o pagamento da indenização, se sub-roga na posição daquele primeiro. Nos termos dos artigos 349 e 786, ambos do Código Civil3, a sub-rogação opera a transferência, para a seguradora, dos direitos e ações que competiam ao segurado, no que àquela recebe um pote de situações jurídicas que previamente eram de titularidade do seu garantido. Não recebe nem mais, nem menos. Um bom e típico "prato feito". Afirmo que, ao meu sentir, a transferência de que tratam os artigos 349 e 786, do Código Civil, não possui apenas natureza material, mas também processual, basta, para essa conclusão, observar que os dispositivos legais poderiam simplesmente se limitar a indicar a transferência dos direitos, mas, foram além, indicando a transferência também das ações que competiam ao segurado. Em avanço, relativamente ao contrato de seguro, sua definição está no artigo 757, do Código Civil4. O contrato de seguro é aquele pelo qual uma das partes (segurador) se obriga para com outra (segurado), mediante o pagamento de um prêmio, a garantir-lhe interesse legítimo relativo a pessoa ou coisa e a indenizá-la de prejuízo decorrente de riscos futuros, previstos no contrato5. Sobre o contrato de seguro, no que interessa ao tema, cabe dar destaque ao já indicado artigo 757, do Código Civil, pois a seguradora se responsabiliza por riscos predeterminados, vale dizer, os riscos que lhe eram conhecidos quando da contratação do seguro ou que, ao menos, lhe eram possíveis de serem conhecidos. É dever da seguradora analisar previamente a relação jurídica a ser segurada, inclusive porque a precificação do seguro está diretamente ligada com o risco assumido pela seguradora quando da contratação. A seguradora é responsável apenas por riscos conhecidos ou potencialmente possíveis de lhe serem conhecidos no ato da contratação do seguro. Por essa razão, de relevo as regras dos artigos 766 e 786, §2º, ambos do Código Civil6, reveladoras de uma exigência de boa-fé do segurado, que não poderá de qualquer forma agravar o risco da contratação, diminuindo ou extinguindo direitos da seguradora, sob pena de ineficácia do ato, bem como não poderá valer-se de omissão dolosa de informação capaz de influir no preço ou aceitação do seguro, aqui sob pena de perder o direito à indenização. Por fim, ainda sobre o contrato de seguro, aproveita-se a seguradora dos atos praticados pelo segurado, como, por exemplo, a interrupção do prazo de prescrição, de modo que não lhe é lícito fazer uma verdadeira segmentação dos atos do segurado dos quais se aproveitará, salvo aqueles que impliquem em diminuição ou extinção de direitos do segurador sub-rogado. Os atos do segurado, desde que não impliquem diminuição ou extinção de direitos, não estão dispostos em uma "prateleira de supermercado" para que a seguradora coloque em seu "carrinho" aqueles dos quais se aproveitará, segundo uma lógica própria de sua conveniência. A arbitragem A arbitragem está inserida no conceito de justiça multiportas, em que várias formas de solução adequada de conflitos estão colocadas à disposição da parte para a resolução da controvérsia. O próprio Código de Processo Civil a incentiva, elencando dentre os seus princípios fundamentais, os métodos adequados de solução de conflitos, destacando, dentre eles, a arbitragem7. Nessa quadra, a arbitragem é método heterocompositivo de solução de conflitos em que, um terceiro, escolhido pelas partes, no mais puro exercício da autonomia da vontade, é o responsável pela decisão do processo arbitral e pela atribuição do direito ao seu vencedor. No processo arbitral, as partes, voluntariamente, outorgam a um terceiro o poder de decidir uma determinada contenda. Tal escolha é sempre inspirada pela confiança na idoneidade e na expertise dos árbitros. A arbitragem funda-se, portanto, na autonomia da vontade das partes, na sua capacidade de consentir em atribuir poderes a um terceiro para decidir uma controvérsia8. Nessa quadra, a convenção de arbitragem, cláusula ou compromisso, possui dois efeitos relevantes, o primeiro, de caráter positivo, o de sujeitar o litígio à arbitragem e, o segundo, de caráter negativo, a renúncia da justiça estatal. A escolha da arbitragem, portanto, como método adequado de solução de conflitos, impõe uma escolha também pela renúncia da jurisdição estatal. Nesse cenário, a arbitragem passa a ser regra e a justiça estatal a exceção, esta última somente autorizada a cooperar ou intervir nos casos expressos em lei9. Para o encaminhamento do raciocínio, merece destaque a regra do artigo 4º, §2º, da Lei de Arbitragem (LArb)10. O dispositivo estabelece verdadeira regra de proteção para a cláusula arbitral em contratos de adesão, exigindo contratação destacada ou que o procedimento arbitral se inicie por iniciativa do aderente. A transmissão dos efeitos da cláusula de arbitragem à seguradora sub-rogada  Após estas breves considerações a respeito da sub-rogação, do seguro e da arbitragem, é possível afirmar, sob minha ótica, que, como regra, a cláusula de arbitragem posta em contrato de transporte marítimo de carga se transmite à seguradora sub-rogada.  Vejamos.  O contrato de transporte, evidenciado pelo Conhecimento de Embarque, não é contrato de adesão11.  Sob esse prisma, importante considerar o fato de que, no estágio atual da tecnologia, no regime das grandes contratações, não há contratos redigidos do "zero", no que suas cláusulas, comumente, estão previamente definidas em documento digital, sem que isso, todavia, queira significar ausência de negociação.  Ainda sobre esse ponto, é preciso também reconhecer que negociação não ocorre apenas com as partes presencialmente sentadas à mesa de reunião, mas por várias outras formas, até mesmo informais, como e-mails, conversas por aplicativo de mensagens ou telefone e tantas outras que a tecnologia atual nos oferece.  Destaco também o fato de que o contrato de transporte de carga, assim como o seu correlato contrato de seguro, estão ambos inseridos em uma típica relação empresarial de lucro, a atrair o microssistema da liberdade econômica, previsto nos artigos 421, caput, e 421-A, incisos I a III, ambos do Código Civil12.  É a própria lei que está a estabelecer uma preconcepção de paridade e simetria na relação contratual, impondo ao pretenso hipossuficiente o ônus de indicar os elementos concretos que justifiquem o afastamento da presunção.  Não há ingênuos, incautos ou hipossuficientes, como regra, nessas relações contratuais a envolver os contratantes de transporte marítimo de carga e de seguro.  Tais premissas permitem afastar a incidência da regra de proteção de que trata o artigo 4º, §2º, da LArb, pois este expressamente exige um contrato típico de adesão, definição que pode ser extraída do Código de Defesa e Proteção do Consumidor13 e não se pode perder de vista que a sua razão de existir está diretamente ligada à hipossuficiência de uma das partes na relação contratual.   Também convém afirmar que o estabelecimento, em contrato, de cláusula de arbitragem, está muito longe de representar diminuição ou extinção de direitos pelo segurado, porquanto representa uma legítima opção das partes, por um método adequado de solução de conflitos, com previsão legal, de caráter jurisdicional e com todas as garantias constitucionais do devido processo legal aplicáveis ao processo estatal14.  O argumento de que a opção pela arbitragem em foro estrangeiro infirmaria a conclusão não se sustenta, pois que até mesmo no processo estatal é lícito às partes renunciar a jurisdição nacional, optando pelo foro internacional15.  Seguindo, há dois pontos, que penso interligados, e que merecem nossa consideração, a saber: o conhecimento prévio da seguradora quanto à existência da cláusula de arbitragem e a transmissão dos efeitos da anuência efetivada pelo segurado quanto a esse método adequando de solução de conflitos.  Sobre o primeiro, é inegável que a seguradora tem, ou poderia ter, conhecimento prévio sobre a existência da cláusula de arbitragem no contrato do seu segurado, e tal conclusão decorre do seu dever, enquanto segurador, de analisar previamente os riscos do contrato, inclusive, para a precificação do seguro.  Portanto, ou bem a seguradora analisou o contrato do pretenso segurado e aceitou garanti-lo por inteiro, ou, não tendo cumprido como seu dever de análise prévia do risco, o aceitou de forma tácita com as bases constantes do instrumento.  Sobre o segundo ponto, transmissão dos efeitos da opção do segurado pela arbitragem, reconheço ser mais complexo, a partir da exigência de que a opção pela arbitragem pressupõe manifestação expressa da parte.  De largada, digo que a questão se resolve pela possibilidade de se atribuir eficácia em face da seguradora da opção implementada pelo seu segurado.  O segurado, ao celebrar um contrato com previsão de cláusula de arbitragem, realizou, fruto da autonomia da sua vontade, uma inequívoca opção no sentido de que futuros litígios serão resolvidos na seara arbitral, renunciando à jurisdição estatal para as controvérsias derivadas daquela relação contratual.  É justamente essa a posição jurídica recebida pela seguradora, do seu segurado, quando na condição de sub-rogada. A opção pela arbitragem foi legitimamente efetivada pelo segurado que a transmitiu para a seguradora, devendo esta última respeita-la por ocasião da ação em regresso.  No exercício do direito de regresso, decorrente da sub-rogação, a seguradora é o segurado, sendo que este lhe transmitiu a sua posição jurídica, com os direitos e ações que lhe são inerentes, nem mais, nem menos.  A opção pela arbitragem está dentre as transmissões do segurado.  Conclusões  Nesse cenário, é possível sintetizar os argumentos nas seguintes conclusões:  i - A sub-rogação opera uma verdadeira substituição no polo ativo da obrigação, mantendo a seguradora sub-rogada a mesma posição jurídica do seu segurado; ii - A sub-rogação possui caráter derivado, porquanto ela somente existe a partir de uma anterior relação jurídica, não tendo existência autônoma, de modo que o direito da seguradora sub-rogada somente existe a partir de um primitivo contrato celebrado pelo seu segurado; iii - A sub-rogação opera a transferência, para a seguradora, dos direitos e ações que competiam ao segurado, no que àquela recebe um pote de situações jurídicas que previamente eram de titularidade do seu garantido; iv - A seguradora se responsabiliza por riscos predeterminados, vale dizer, os riscos que lhe eram conhecidos quando da contratação do seguro ou que, ao menos, lhe eram possíveis de serem conhecidos a partir de uma análise prévia da relação jurídica segurada; v - A escolha da arbitragem como método adequado de solução de conflitos, impõe uma escolha também pela renúncia da jurisdição estatal; vi - O contrato de transporte de carga, assim como o seu correlato contrato de seguro, estão ambos inseridos em uma típica relação empresarial de lucro, a atrair o microssistema da liberdade econômica, previsto nos artigos 421, caput, e 421-A, incisos I a III, ambos do Código Civil; vii - O artigo 4º, §2º, da LArb, possui a sua razão de existir ligada a uma possível hipossuficiência das partes em relação contratual estabelecida a partir de um contrato de típico de adesão; viii - A aceitação pela arbitragem não representa diminuição ou extinção de direitos pelo segurado, tratando-se de método adequado de solução de conflitos, de caráter jurisdicional, com a garantia de observância dos princípios constitucionais do devido processo legal; ix - No exercício do direito de regresso, decorrente da sub-rogação, a seguradora é o segurado, sendo que este lhe transmitiu a sua posição jurídica, com os direitos e ações que lhe são inerentes, nem mais, nem menos. A opção pela arbitragem está dentre as transmissões do segurado à seguradora. __________ 1 Art. 346. A sub-rogação opera-se, de pleno direito, em favor: I - do credor que paga a dívida do devedor comum; II - do adquirente do imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetiva o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel; III - do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte. 2 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. II. São Paulo. 2007. Editora Saraiva. p. 256. 3 Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores. Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano. 4 Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. 5 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. III. São Paulo. 2007. Editora Saraiva. p. 516. 6 Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido. Art. 786. §2º É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo. 7 Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. 8 LAMAS. Natalia Mizrahi. Introdução e Princípios Aplicáveis à Arbitragem. Curso de Arbitragem. São Paulo. 2018. Editora Revista dos Tribunais. p. 28. 9 Confira-se, a título de exemplo de cooperação, o disposto nos artigos 22-A e 22-B da LArb. 10 § 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula. 11 Confira-se a respeito o teor do v. Acórdão, no REsp. 1.988.894/SP, 4ª turma, STJ, Relatora Ministra Isabel Gallotti. 12 Art. 421.  A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual. Art. 421-A.  Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.  13 CDC. Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. 14 Art. 21. § 2º Serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento. 15 Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação.
Aferir a arbitrabilidade objetiva consiste em saber se a matéria objeto do litígio pode ser resolvida por arbitragem. O critério fundamental é o que está previsto na fórmula contida na segunda parte do caput do art. 1º da Lei nº 9.307, de 1996, e no seu §1º: as partes podem submeter a arbitragem conflitos relativos a "direitos patrimoniais disponíveis". Identificar quais são esses "direitos patrimoniais disponíveis" é um dos maiores desafios enfrentados no contexto das arbitragens envolvendo a administração pública. Afirma-se com frequência que o contrato administrativo seria um contrato sujeito a um regime especial, de direito público, exorbitante do direito privado, caracterizado pela existência de prerrogativas públicas. Nesses contratos, "atos de império" seriam praticados pela administração pública com prerrogativas e privilégios de autoridade, e impostos unilateral e coercitivamente ao particular. Esses atos, por serem indisponíveis, seriam inarbitráveis, ficando a arbitrabilidade restrita tão somente aos seus efeitos patrimoniais. Ocorre que, para proferir uma decisão a respeito das consequências patrimoniais de um ato administrativo, o tribunal arbitral precisa analisar, ainda que incidentalmente, a sua legalidade. Nessa linha de raciocínio, o entendimento firmado pelos árbitros acerca das questões prejudiciais inarbitráveis não forma coisa julgada. Isso significa que a parte derrotada na arbitragem poderia propor ação judicial com vistas a discutir, como principal, a questão inarbitrável incidentalmente decidida, gerando séria insegurança jurídica. Para que a arbitragem se apresente como um meio de resolução de controvérsias que forneça uma prestação jurisdicional efetiva é preciso extrair da expressão "direitos patrimoniais disponíveis" um significado que garanta ao jurisdicionado a obtenção de uma decisão não apenas célere e técnica, mas que também seja segura. A solução para tanto pode ser encontrada no direito administrativo contemporâneo, que reconhece na consensualidade um relevante instrumento para o atendimento do interesse público. Não é condizente com o arcabouço legislativo atual, e tampouco necessário para que se garanta a adequada consecução do interesse público, entendimento no sentido de que a administração pública deve agir sempre em posição de superioridade em relação ao particular, impondo condutas por meio de atos administrativos unilaterais, "de império". A administração pública pode atuar, no atendimento do interesse público, dispondo de direitos e assumindo obrigações. Haverá disponibilidade sempre que a administração pública puder optar por assumir obrigações perante o contratado, em prol do atendimento de um interesse público concreto. Assim, a forma e eventuais limites ao exercício de determinadas prerrogativas da administração pública poderão ser contratualizadas, para viabilizar o atingimento do interesse público. Tratando-se de obrigações contratuais, serão revestidas, ainda que indiretamente, de patrimonialidade, havendo, assim, arbitrabilidade. Ainda, o tribunal arbitral possui jurisdição para analisar a legalidade de um ato administrativo praticado em decorrência de um inadimplemento contratual, ainda que esse ato administrativo consista no exercício de numa prerrogativa da administração pública. A própria lei 14.133, de 2021, a nova Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos, reforça esse entendimento, ao declarar, em seu art. 151, que são arbitráveis as questões relacionadas ao inadimplemento de obrigações contratuais por quaisquer das partes. Por outro lado, algumas prerrogativas são exercidas em decorrência de questões externas ao contrato que poderão demandar, a depender do caso, para atendimento do interesse público, a sua modificação ou extinção. Qualquer prerrogativa da administração pública que verse sobre um interesse público futuro e intangível, como é o caso da prerrogativa de modificar unilateralmente ou de rescindir unilateralmente o contrato por motivo de interesse público, não será revestida de qualquer disponibilidade. Isso ocorre porque a administração pública não está autorizada a negociar sobre prerrogativa que se destina à garantia de um interesse público que apenas se revelará em decorrência de circunstâncias futuras, desconhecidas das partes contratantes. Assim, são arbitráveis os conflitos relativos a adimplementos e inadimplementos contratuais, ainda que relacionados às cláusulas regulamentares do contrato administrativo ou ao exercício de determinadas prerrogativas da administração pública, como é o caso da fiscalização, aplicação de sanções pelo inadimplemento do contrato, intervenção na prestação do serviço e, em algumas situações, da extinção unilateral do contrato. Não são arbitráveis, entretanto, os conflitos relativos ao exercício de prerrogativas da administração pública que, embora incidam sobre a relação contratual, são motivadas por circunstâncias externas ao contrato, como é o caso da prerrogativa de modificar unilateralmente ou de rescindir unilateralmente o contrato por motivo de interesse público. De qualquer forma, não há dúvidas de que, à luz do direito administrativo contemporâneo, é possível a utilização da arbitragem, de forma segura pelas partes, em atendimento ao princípio da eficiência que rege a atuação administrativa, nos termos da Constituição Federal. __________ *Esse artigo foi elaborado a partir da tese de doutoramento defendida em 21 de setembro de 2023 e expressa opinião acadêmica da autora.
Após assim ser indagada via caixinha de mensagens do Storie "É possível usucapião e adjudicação na via arbitral?", famosa profissional da área registral com milhares de seguidores, assim respondeu no 27º ano de vigência da lei de arbitragem: "Não é possível (...) não existe previsão legal para esse tipo de situação (...) parem de querer achar jeitinhos que não estão previstos em lei". Tal fato trouxe luz quanto à necessidade do instituto da arbitragem ser efetivamente conhecido pelos advogados, tabeliães, registradores, magistrados e todos os demais operadores do Direito. A arbitragem ainda é restrita a poucos, fruto do seu não suficientemente explicado altíssimo custo em território nacional. Ainda é apresentada, quando é apresentada, como matéria eletiva nas graduações de Direito, e o exame de ordem não a contempla satisfatoriamente. O país permanece, assim, tendo o acesso à justiça, de forma massiva, sendo realizado pela porta do Poder Judiciário. As portas da negociação, da conciliação, da mediação, do disput board e da arbitragem, vêm objetivamente sendo negligenciadas. A arbitragem, apesar de crescimento contínuo e consolidado, estando o Brasil em segundo no ranking mundial do uso de arbitragem em 2020, com 150 casos (dados da Corte Internacional de Arbitragem), está muito longe de ser conhecida pela população e pelos advogados, e mais longe ainda de estar acessível e democratizada, via redução dos valores constantes das tabelas de custas das câmaras arbitrais existentes no país. Não, a arbitragem não é "gourmet". Não, a arbitragem não é "essencialmente elitizada". Não, a arbitragem não é "apenas adequada para específicos litígios de alto valor e complexidade".  A arbitragem, segundo a lei vigente, aplica-se a direitos patrimoniais disponíveis e ponto. E, a lei tem a todos como destinatário e deve sim beneficiar a todos que possam pagar por uma jurisdição privada com inúmeras virtudes. Ao se elitizar, na prática, o instituo, se coloca esse meio adequado de solução de conflitos em crise, pois a vinda longa e a oxigenação de todo instituto, se dá com a sua disseminação, com o seu estudo e com a sua prática. De início, frise-se que, a equiparação da decisão arbitral à sentença judicial foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal na SE 5.206, Inf. STF 71, de 12/05/1997. No mesmo sentido, Leonardo de Faria Beraldo, em "A eficácia das decisões do árbitro perante o registro de imóveis. Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 58, jul./set. 2018", já assim pontuava: "O art. 221, IV, da LRP diz que se admite o registro da carta de sentença. Dentro daquela ideia inicial de se ler o "velho" com os olhares do "novo", entendemos que a expressão "carta de sentença" deverá englobar, também, a sentença arbitral". Apesar da lei de registros públicos não prever expressamente o ingresso da sentença arbitral como título registrável, o código de processo civil estabelece se tratar de título executivo judicial e a lei de arbitragem é precisa ao estabelecer que a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário. Assim, o reconhecimento do acesso ao fólio real da sentença arbitral, desde que presente os demais requisitos legais e normativos para a qualificação positiva do título, é medida imperiosa. Não se apresenta legitima, desta forma, qualquer recusa do oficial do registro de imóveis de ingresso da sentença arbitral como título apto a registro pautando-se em ausência de previsão legal. A sentença arbitral proferida nos casos de adjudicação compulsória tem eficácia executiva plena perante os cartórios de registro de imóveis, devendo ser registrada na matrícula do imóvel. O procedimento arbitral pode ser, ainda, proposto também pelos herdeiros das partes envolvidas, os quais herdam os direitos e deveres inseridos nos contratos que contém cláusulas compromissórias. Nesse sentido, decidiu a 1ª VRP de SP, no dia 03/02/2023 (Proc. nº 1144150-82.2022.8.26.0100): Ementa: "Assunto Dúvida - Registro de Imóveis - Suscitante: 9º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo - Negativa em se proceder ao registro de carta de sentença arbitral expedida pelo Tribunal Internacional de Justiça Arbitral do Brasil - TRIAB no procedimento de adjudicação compulsória de autos n.0001309-50-2022.7.26.2009, referente ao imóvel da matrícula n. 292.938 daquela serventia (prenotação n.740.779)". Fundamentação: "a carta de sentença arbitral figura como título hábil a registro, notadamente porque a sentença arbitral produz os mesmos efeitos daquela proferida pelo Poder Judiciário (...) Essa foi a conclusão do Conselho Nacional de Justiça no Pedido de Providências de autos n.0004727-02.2018.2.00.0000 (...) Ocorre que a carta de sentença, seja judicial ou arbitral, deve trazer todas as peças processuais necessárias à correta interpretação do contexto do feito (...) No caso concreto, entretanto, não há qualquer documento que demonstre que Maria Aparecida Ferreira de Barros representa todos os espólios envolvidos, o que é essencial para a verificação da sua legitimidade (...) Sem prova documental de que o compromisso arbitral foi firmado pelo legítimo representante dos espólios de todos os proprietários tabulares, os efeitos da sentença arbitral apresentada não podem ser estendidos a eles, o que impede acesso do título ao fólio real". Do mesmo modo, assim concluiu o CNJ (Proc. nº 0004727-02.2018.2.00.0000 - PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - Plenário - Decisão: 26/08/2019): "Cuida-se de consulta instaurada pelo CONSELHO NORTE E NORDESTE DE ENTIDADES DE MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM - CONNEMA (...) O requerente questiona se "Afigura-se tecnicamente correto considerar e interpretar o termo 'cartas de sentença' contido no art. 221 da Lei Federal nº 6.015/73 no sentido de contemplar tanto a carta de sentença judicial, quanto a proveniente de sentença/processo arbitral, já que os efeitos desta são plenamente equiparados aos daquela, inclusive garantindo o acesso aos registros públicos, dentre estes o imobiliário? ". (...) ART. 221 - SOMENTE SÃO ADMITIDOS REGISTRO:  IV - CARTAS DE SENTENÇA, FORMAIS DE PARTILHA, CERTIDÕES E MANDADOS EXTRAÍDOS DE AUTOS DE PROCESSO. (...) as decisões de um árbitro possuem a mesma eficácia que as decisões proferidas pelo Poder Judiciário (...) art. 18 da Lei Federal n. 9.307/96 (Lei de Arbitragem), o árbitro é o juiz de fato e de direito (...) Ainda, o art. 31 (...) a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário (...) O Novo CPC, inclusive, em seus art. 515, estabelece que a sentença arbitral deve ser considerada como título executivo judicial (...) A propósito, confira enunciado publicado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) e aprovados na I Jornada Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios: Enunciado 9 - A sentença arbitral é hábil para inscrição, arquivamento, anotação, averbação ou registro em órgãos de registros públicos, independentemente de manifestação do Poder Judiciário (...) Portanto, a expressão "carta de sentença" contida no art. 221, IV, da Lei n. 6.015/73, deve ser interpretada no sentido de contemplar tanto a carta de sentença arbitral como sentença judicial". Exatamente na mesma linha, anos depois, assim também decidiu CNJ (Proc. nº 0008630-40.2021.2.00.0000 - Decisão - 27/09/2022): "Consulta - CÂMARA IBEROAMERICANA DE ARBITRAGEM E MEDIAÇÃO EMPRESARIAL (CIAAM) (...) Questionamento (...) "- possibilidade de a carta extraída de processo arbitral constituir carta de sentença conforme previsto no Art 221, IV, da Lei nº 6.015/73 (...) - desnecessidade de carta de sentença, devendo o TABELIÃO, REGISTRO DE IMÓVEIS efetivar a sentença arbitral, sem exigência de promoção de cumprimento de sentença perante o Poder Judiciário ou qualquer manifestação prévia do Poder Judiciário (...) a dúvida acerca do alcance da expressão "carta de sentença" foi solvida em ocasião anterior, pela Corregedoria Nacional de Justiça, nos autos do PP n. 0004727- 02.2018.2.00.0000 (...) impediente de que registradores inscrevam cartas de sentença arbitrais". Caminhando no mesmo sentido, seguiu o Instituto de Registro Imobiliário do Brasil no XLV Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, ocorrido em 2020, via Boletim do IRIB em Revista nº 362 sob o título "Arbitragem, Mediação e Conciliação no Registro de Imóveis", de autoria da Oficial do Registro de Imóveis de Taubaté/SP, Paola de Castro Ribeiro Macedo. Os Tribunais de Santa Catarina, Goiás, Paraná e Minas Gerais, possuem julgados favoráveis à adjudicação compulsória na via arbitral: "APELAÇÃO CÍVEL AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE UM TERRENO. CLÁUSULA DE MEDIAÇÃO E ARBITRAGEM CONTRATUALMENTE ESTABELECIDA ENTRE AS PARTES. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, COM FUNDAMENTO NO ART. 267, VII. INSURGÊNCIA DO AUTOR. (...) SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Nos termos do artigo 8º, parágrafo único, da Lei de Arbitragem, a alegação de nulidade da cláusula arbitral, bem como, do contrato que a contém, deve ser submetida, em primeiro lugar, à decisão arbitral, sendo inviável a pretensão da parte de ver declarada a nulidade da convenção de arbitragem antes de sua instituição". (TJ-SC - AC: 20090354003 SC 2009.035400-3 (Acórdão), Relator: Sérgio Izidoro Heil, Data de Julgamento: 17/07/2013, Quinta Câmara de Direito Civil Julgado) "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. CONTRATO DE GAVETA. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL LIVREMENTE PACTUADA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA COMUM RECONHECIDA DE OFÍCIO. CASSAÇÃO DA SENTENÇA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE DOS ATOS DECISÓRIOS". (TJ-GO - Apelação (CPC): 00588550920178090051, Relator: GUILHERME GUTEMBERG ISAC PINTO, Data de Julgamento: 28/03/2019, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 28/03/2019) "APELAÇÃO. AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA DE BENS. SENTENÇA DE EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO DOS REQUERENTES. PRELIMINAR. 1. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. REJEITADA. EXTRAI-SE DA DECISÃO A RATIO DECIDENDI QUE JUSTIFICOU A EXTINÇÃO DO FEITO. MÉRITO. 2. PLEITO DE OUTORGA DEFINITIVA DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA. REJEIÇÃO. EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA DE ARBITRAGEM. PRINCÍPIO DA KOMPETENZ-KOMPETENZ (COMPETÊNCIA-COMPETÊNCIA)".  (TJPR - 12ª C.Cível - 0018204-90.2014.8.16.0031 - Guarapuava - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU LUCIANO CAMPOS DE ALBUQUERQUE - J. 10.11.2021) "AÇÃO DE ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. HIPOSSUFICIÊNCIA. INOCORRÊNCIA. EXTINÇÃO DO FEITO. (...) Em contrato de compra e venda firmado entre particulares, não há presunção de hipossuficiência de um dos contratantes em relação ao outro". (TJ-MG - AC: 50062288420168130525, Relator: Des.(a) Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 12/04/2018, 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/04/2018) Do mesmo modo, plenamente possível o reconhecimento da usucapião por meio de sentença arbitral. Alguns resistem fundando-se no argumento de que o reconhecimento da aquisição da propriedade pela usucapião se caracteriza por uma legitimidade passiva difusa, indeterminada, restando presente uma sujeição passiva universal, o que fundamenta a expedição de editais tanto pela via judicial quanto pela via extrajudicial. Ademais, por se tratar de aquisição originária de direito real, não há negócio jurídico subjacente, e só poderia ser arbitrado aquilo que pode ser contratado. Data vênia, direitos reais constituem espécies de direitos patrimoniais disponíveis, não havendo qualquer óbice para o reconhecimento da aquisição originária destes pela via arbitral. Ademais, convenção de arbitragem não se confunde com exigência de negócio jurídico subjacente que constitua uma das hipóteses prevista no artigo 167, I, da LRP. Além disso, o árbitro, juiz de fato e de direito, possui plena aptidão e competência para apreciar as provas e concluir se a posse alegada é mansa, pacífica, ininterrupta e com animus domini, assim como para verificar se estão presentes os demais requisitos exigidos pelas modalidades especiais de usucapião previstas. Desta forma, decidiu o TJ-PB, através de decisão de 07/05/2020 (Proc. nº 0852364-06.2018.8.15.2001) "Ação de Suscitação de Dúvida - Demanda interposta pela titular tabeliã do 1º Tabelionato de Notas e Registro de Imóveis da Comarca de João Pessoa. (...) Saber se a sentença arbitral que julgou ação de usucapião seria, ou não, dotada de capacidade registral junto àquele Cartório de Registro de Imóveis.   Trata-se de uma Sentença Arbitral, expedida pelo Núcleo de Mediação e Arbitragem da Paraíba (...) objetivando que a parte requerente Raquel Pessoa Donato, por meio de usucapião tenha o domínio do imóvel (...) a presente dúvida já se encontra sanada diante do Pedido de Providências, processo administrativo nº 0004727-02.2018.2.00.0000, que tramitou junto ao Conselho Nacional de Justiça (...) a decisão em referência esclareceu o alcance da expressão carta de sentença contida no artigo 221, IV da Lei 6.015/73, operando-se, pois, a perda superveniente do objeto da presente dúvida, notadamente com a expedição do Ofício Circular a todas as serventias extrajudiciais para conhecimento e cumprimento da decisão". Similarmente, decisão de 25/04/2023, fruto de consulta administrativa (Proc. nº 0000497- 03.2023.2.00.0820, emanada da Corregedoria-Geral de Justiça do TJ/RN: "Cinge-se a discussão acerca de requerimento de registro de carta de sentença arbitral apresentada pelo recorrente junto ao Cartório Único da Comarca de Martins. A mencionada Carta (Num. 2668762, fls. 22/25), expedida pela Câmara de Mediação e Arbitragem do Rio Grande do Norte, conferiu ao Recorrente a aquisição de propriedade de imóvel usucapiendo, de modo que foi solicitada sua respectiva abertura de matrícula e posterior registro. (...) é possível concluir que a carta de sentença arbitral expedida em decorrência de procedimento de usucapião que tramitou pela via da arbitragem pode ser registrada, da mesma forma que se procede o registro da carta de sentença oriunda de uma ação judicial. (...) Ante o exposto, conheço e dou provimento ao presente recurso para reconhecer expressamente a possibilidade de registro da carta de sentença arbitral em processos de usucapião e determinar que o Oficial de Registro de Imóveis do Cartório Único de Martins proceda a abertura de matrícula e o registro do referido documento como solicitado pelo recorrente, sem nenhuma exigência adicional, reformando integralmente a decisão proferida às fls.164/165 do processo PJe nº 0800005-14.2023.820.5122". Desta forma, por todo visto, ainda carece a formação da cultura do estudo e uso da arbitragem como ferramenta adequada para solução de litígios de forma especializada, célere e segura, visando à entrega de um serviço útil e eficiente às partes litigantes. Ainda assim, o instituto vem sendo protegido e exaltado pelo CNJ e pelas Corregedorias e pelos Tribunais Estaduais. Há muito caminho a ser desbravado pela frente, principalmente na área imobiliária, tão afeta e na vanguarda da desjudicialização e da prática extrajudicial.
terça-feira, 26 de setembro de 2023

27 anos da Lei de Arbitragem

A lei de arbitragem completa 27 anos e temos muito a comemorar, já que o balanço é deveras positivo, com um grande crescimento da sua aplicação, além da evolução da doutrina. O crescimento da adoção da arbitragem é relatado anualmente pela pesquisa coordenada anualmente pela Professora Selma Lemes em parceira com o Canal Arbitragem, certo de que a última concluída em 2023, referente ao ano de 2022 relata, dentre outros pontos, que destacamos: i) "Em 2005, havia apenas 21 processos arbitrais, que tinham em jogo R$ 247 mil. Uma década depois, em 2015, eram contabilizados 222 novos casos, somando R$ 10,7 bilhões. Já em 2021 e 2022 foram registrados 658 novos procedimentos, em um total de R$ 95 bilhões"1; ii)  "Somente as agências reguladoras são parte em 22 casos, que, juntos, têm mais de R$ 500 bilhões em jogo, segundo dados da Advocacia-Geral da União (AGU)"2, além das arbitragens que temos a União como parte e os demais entes federativos; iii) "se considerarmos exclusivamente o universo das arbitragens em que a Administração Pública Direta e Indireta foi parte conclui-se que houve um aumento de 33% no setor em 2022 (27 casos em 2021 para 36 em 2022)"3; iv) "O ano de 2022 manteve o que se verificou em 2021, demonstrando que as impugnações de árbitros representam percentual pequeno (menos de 5%) diante do número de arbitragens processadas (1116). Ademais se falarmos de impugnações aceitas esse percentual representou menos de 1% (0,99%)"4. A conclusão da Professora Selma Lemes: "São números expressivos. Mostram que a arbitragem está consolidada e incorporada nos contratos"5. A evolução na prática é permanente nas Câmaras com alterações nos seus regulamentos, buscando aprimoramento constante, além do aumento das listas referenciais de árbitros, com ingresso de novos profissionais. Este crescimento encontra respaldo nas decisões judiciais. A jurisdição arbitral é prestigiada pela interpretação do Superior Tribunal de Justiça, tanto que Ministros da Corte da Cidadania destacam o crescente papel da arbitragem como mecanismo de solução de conflitos6, adotando sua natureza jurisdicional7 e prestigiando o princípio da competência-competência8, dentre outros temas. Os diversos Tribunais de Justiça, da mesma forma, prestigiam muito a arbitragem, principalmente a sua natureza jurisdicional9 e o princípio da competência-competência10. Houve a aplicação das diretrizes da IBA pelo Tribunal de Justiça de SP11. Também no âmbito acadêmico o crescimento é impressionante. Há uma quantidade enorme de livros recém-lançados sobre arbitragem, o que não se via até o ano de 2018. Os programas de mestrado e doutorado têm aumentado muito o número de dissertações, teses e artigos jurídicos sobre o tema. Os eventos que discutem arbitragem têm recebido uma audiência cada vez maior, e discutem todos os aspectos centrais da arbitragem, sem nunca se furtar a autocrítica e reflexão, imprescindíveis para constante evolução. Além destes eventos presenciais o Canal Arbitragem, uma plataforma de conhecimento 100% aberta e gratuita, oferece hoje conteúdo de alta qualidade em 3 idiomas, e à partir do Brasil intensifica as trocas da comunidade arbitral internacional. Uma série de programas, alguns deles até com a opinião das partes que contratam a arbitragem, democratizando o acesso ao conhecimento, integrando especialistas que abordam questões jurídicas de mérito que são relevantíssimas, viabilizando, outrossim, eventos presenciais de altíssimo nível. A beleza da arbitragem segue na autonomia da vontade das partes e na autorregulação, certo de que esta profusão de debates e discussões são a prova de um mercado sofisticado e especializado. Enfim, demonstrada a evolução, resta homenagear e agradecer o trabalho inicial e permanente de Carlos Alberto Carmona, Selma Lemes, Pedro Batista Martins e José Emílio Nunes Pinto, dentre tantos outros que lutaram e lutam para a evolução da arbitragem no Brasil. __________ 1 Disponível aqui. 2 Disponível aqui. 3 Pesquisa:  Arbitragem em números. Selma Lemes. 2023 (no prelo). 4 Pesquisa:  Arbitragem em números. Selma Lemes. 2023 (no prelo). 5 Disponível aqui.  6 Conforme notícia intitulada "A jurisdição arbitral prestigiada pela interpretação do STJ", extraída do site do Superior Tribunal de Justiça, disponível aqui, acesso em 08/06/2021. 7 Trata-se da posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, STJ, 2.ª Seção, CC n.º 113.260/SP, Min. João Otávio de Noronha, j. 08.09.2010, DJ 07.04.2011. No mesmo sentido vide: "PROCESSO CIVIL. ARBITRAGEM. NATUREZA JURISDICIONAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA FRENTE A JUÍZO ESTATAL. POSSIBILIDADE. MEDIDA CAUTELAR DE ARROLAMENTO. COMPETÊNCIA. JUÍZO ARBITRAL. 1. A atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem tem natureza jurisdicional, sendo possível a existência de conflito de competência entre juízo estatal e câmara arbitral. 2. O direito processual deve, na máxima medida possível, estar a serviço do direito material, como um instrumento para a realização daquele. Não se pode, assim, interpretar uma regra processual de modo a gerar uma situação de impasse, subtraindo da parte meios de se insurgir contra uma situação que repute injusta. 3. A medida cautelar de arrolamento possui, entre os seus requisitos, a demonstração do direito aos bens e dos fatos em que se funda o receio de extravio ou de dissipação destes, os quais não demandam cognição apenas sobre o risco de redução patrimonial do devedor, mas também um juízo de valor ligado ao mérito da controvérsia principal, circunstância que, aliada ao fortalecimento da arbitragem que vem sendo levado a efeito desde a promulgação da Lei nº 9.307/96, exige que se preserve a autoridade do árbitro como juiz de fato e de direito, evitando-se, ainda, a prolação de decisões conflitantes. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Tribuna Arbitral", (STJ - CC: 111230 DF 2010/0058736-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 08/05/2013, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 03/04/2014). Recentemente, reiterou o STJ este entendimento: "AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INCIDENTE MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. JUÍZO ARBITRAL E JUÍZO ESTATAL. ARBITRAGEM. NATUREZA JURISDICIONAL. MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITO. DEVER DO ESTADO. PRINCÍPIO DA COMPETÊNCIA-COMPETÊNCIA. PRECEDÊNCIA DO JUÍZO ARBITRAL EM RELAÇÃO À JURISDIÇÃO ESTATAL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Segundo a regra da Kompetenz-Kompetenz, o próprio árbitro é quem decide, com prioridade ao juiz togado, a respeito de sua competência para avaliar a existência, validade ou eficácia do contrato que contém a cláusula compromissória, nos termos dos arts. 8º, parágrafo único, e 20 da Lei nº 9.307/1996. 2. O caráter jurisdicional da arbitragem, decorrente da regra Kompetenz-Kompetenz, prevista no artigo 8º da lei de regência, impede a busca da jurisdição estatal quando já iniciado o procedimento arbitral, operando-se o efeito negativo da arbitragem previsto no art. 485, VII, do NCPC. 3. Na hipótese dos autos as informações prestadas pelo Juízo Arbitral dão conta de que, além de se pronunciar sobre a sua própria competência com a efetiva verificação da cláusula compromissória existente no contrato celebrado entre as partes, foi comprovada a alteração de sua denominação social com a juntada do documento respectivo. 4. Agravo interno não provido" (STJ - AgInt nos EDcl no AgInt no CC: 170233 SP 2019/0386014-7, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 14/10/2020, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 19/10/2020). O Tribunal Constitucional de Portugal adota a tese da natureza jurisdicional da arbitragem, vide Acórdãos nºs 230/86, 52/92, 506/96, 181/2007, 42/2014. 8 STJ - CC: 139519 RJ 2015/0076635-2, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 11/10/2017, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 10/11/2017. No mesmo diapasão: "1. A controvérsia instaurada no recurso especial, retido na origem, consiste justamente em saber se há cláusula de convenção de arbitragem, circunstância que, caso reconhecida, tem o condão de derrogar, a princípio, a própria jurisdição estatal, de modo a tonar inócua toda a atividade que venha a ser desenvolvida no processo. 1.1. A simples constatação de previsão de convenção de arbitragem - objeto de discussão no recurso especial - enseja o reconhecimento da competência do Juízo arbitral, que, com precedência ao Poder Judiciário, deve decidir, nos termos do parágrafo único da Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/96), de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória. Precedentes...       1.3 Ressai evidenciado, assim, a necessidade de se exaurir, com precedência de qualquer outra questão, a discussão acerca da existência de convenção de arbitragem, a considerar que a verificação desta, como assinalado, tem o condão de tornar inútil, a princípio, a atuação jurisdicional do Estado." (AgRg no AREsp n. 371.993/RJ, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 14.10.2014). "Pedido de decisão liminar em conflito de competência relativo a ação declaratória de nulidade da participação da União Federal em procedimento arbitral e o respectivo procedimento, que trata de indenização decorrente da Operação "Lava-Jato". Alegação de que a União, na qualidade de acionista controladora, não vincula-se à cláusula compromissória do Estatuto da Petrobrás. Questão que poderá ser apreciada apenas após decisão do Tribunal Arbitral que ainda não foi instituído. Princípio Kompetenz-kompetenz. Impossibilidade de definição do conflito de competência", STJ, CC 151.130, j. 07.05.2018, monocrática. Igualmente no STJ: HDE 120/EX, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/12/2018, DJe 12/03/2019; AgInt no AREsp 425955/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/02/2019, DJe 01/03/2019; REsp 1678667/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 12/11/2018; CC 150830/PA, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 10/10/2018, DJe 16/10/2018; Rcl 36459/DF, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/09/2018, DJe 05/10/2018; AgInt no CC 156133/BA, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2018, DJe 21/09/2018 (Vide Informativo de Jurisprudência N. 622). 9 TJ-GO - APL: 00082351920178090006, Relator: ORLOFF NEVES ROCHA, Data de Julgamento: 02/05/2018, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 02/05/2018; TJ-ES - APL: 00130471420168080024, Relator: ÁLVARO MANOEL ROSINDO BOURGUIGNON, Data de Julgamento: 02/10/2018, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 06/12/2018; TJ-MG - AC: 10223150104873001 Divinópolis, Relator: Arnaldo Maciel, Data de Julgamento: 12/09/2017, Câmaras Cíveis / 18ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 15/09/2017. TJ-SP - AI: 21383951120188260000 SP 2138395-11.2018.8.26.0000, Relator: Ricardo Negrão, Data de Julgamento: 25/02/2019, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 27/02/2019. Igualmente vide: TJSP, 14ª Cam Dir Priv, AI 2219052-76.2014.8.26.0000, j. 15.04.2015, unânime; e TJSP, 2ª Cam Res Dir Emp, AI 2223333-36.2018.8.26.0000, j. 30.11.2018, unânime. 10 TJSP, 2ª Cam Res Dir Emp, AI 2112321-56.2014.8.26.0000 , j. 05.12.2014, unânime. TJMG, 21ª CC, Apel 5089571-50.2021.8.13.0024, j. 11.09.2023, unânime; TJMG, 21ª CC, Apel 5171400-53.2021.8.13.0024, j. 11.09.2023; TJSP, 2ª Câm Res Dir Emp, Apel 1007937-03.2022.8.26.0510, j. 23.05.2023, unânime;TJMG, 21ª CC, Apel 5161239-81.2021.8.13.0024, j. 04.05.2023, unânime; TJDFT, 7ª T. Cível, Apel 0704280-87.2022.8.07.0015, j. 27.04.2023, unânime; TJMG, 21ª CC, Apel 5161255-35.2021.8.13.0024, j. 20.04.2023, unânime; TJRJ, 6ª Câm Dir Priv, Apel 0194609- 43.2021.8.19.0001, j. 23.03.2023, unânime;TJRJ, 11ª CC, Apel 0043025-97.2020.8.19.0021, j. 31.01.2023, unânime; TJMG, 21ª CC, Apel 5171441-20.2021.8.13.0024, j. 25.11.2022, unânime; TJMG, 21ª CC, Apel 5095656-52.2021.8.13.0024, j. 17.08.2022, unânime; TJSP, 2ª Câm Res Dir Emp, AI 2214340-96.2021.8.26.0000, j. 10.05.2022, unânime;TJSP, 1ª Câm Res Dir Emp, AI 2218234-80.2021.8.26.0000, j. 31.01.2021, unânime; TJSP, 1ª Câm Res Dir Emp, Apel 1000316-60.2021.8.26.0260, j. 19.08.2021, unânime; TJSP, 2ª Câm Res Dir Emp, Apel 1054404-85.2017.8.26.0002, j. 03.02.2020, unânime; TJSP, 2ª Câm Res Dir Emp, Apel 1012360-45.2017.8.26.0004, j. 31.01.2020, unânime; TJES, 3ªCC, AI 0013950-80.2019.8.08.0012, j. 03.03.2020, unânime;TJDFT, 3ª T., Apel 0736145-15.2018.8.07.0001, j. 25.09.2019, unânime; JRJ, 8ª CC, AI 0047488-53.2017.8.19.0000, j. 30.01.2018, unânime; TJSP, 2ª Cam Res Dir Emp, AgR 2069258-15.2013.8.26.0000, j. 25.08.2015, unânime . 11 Ap. 1076161.2017 e Ap. 1116375-63.2020.
É quase um sacrilégio viajar para a Tailândia e não comprar uma camisa de 1 dólar com os dizeres "same same but different". Ninguém sabe muito o que isso significa e há sérias dúvidas sobre a expressão ter realmente relação com o país asiático. Nada disso importa, porém, para o turista que, feliz, compra o seu nostálgico souvenir em um caótico mercado local. Seja qual for a origem e o real significado, essa expressão cai como uma luva para uma comparação entre as arbitragens de investimento e as arbitragens comerciais com o Poder Público (estas aqui chamadas de "arbitragens contratuais"). Embora sejam soluções formalmente distintas para um conflito entre investidor e Estado, as semelhanças que existem entre ambas fornecem uma importante fonte para debates e reflexões. Arbitragens de investimento x Arbitragem contratual As distinções e semelhanças entre os dois foros de solução de conflitos já foram abordadas em ótimo artigo de Boni Soares e Fernando Filgueras1. Em rápido resumo, pode-se dizer que a arbitragem de investimento decorre de um tratado celebrado entre dois ou mais Estados, no qual os signatários concordam em conferir a investidores estrangeiros proteções substantivas de Direito Internacional. Com base no que dispuser o tratado aplicável, o investidor que optar por investir fora de seu país de origem poderá fazer jus, por exemplo, a um "tratamento justo e equitativo" (cujo elemento central é a proteção de expectativas legítimas) e à "proteção contra expropriação (direta ou indireta)", que são as proteções mais comuns e relevantes. Já arbitragens "contratuais" contra o Poder Público possuem fundamento em um contrato, que é o fator principal de proteção para o investidor, independentemente de sua nacionalidade. Além disso, utilizando a prática brasileira como base, o direito local também integra a legislação aplicável à disputa. Logo, trata-se de searas totalmente distintas, correto? Nem tanto, como ilustram casos recentes da indústria do petróleo. O caso Lone Pine v Canadá Nessa disputa, uma empresa de petróleo instaurou contra o Canadá uma arbitragem fundada no antigo NAFTA, com o intuito de obter compensação financeira pela moratória legal, imposta pela província de Quebec, contra a utilização da controversa técnica do fraturamento hidráulico2. O resultado direto dessa moratória foi o cancelamento de licenças de exploração de petróleo que haviam sido previamente conferidas pela província canadense, fato que, na visão do investidor, configurou expropriação indireta e violação de suas expectativas legítimas3. Existe uma disputa idêntica envolvendo a ANP. No caso Petra - blocos de São Francisco, a empresa instaurou contra a Agência uma arbitragem doméstica baseada no contrato de concessão de óleo e gás, que foi afetado por moratória imposta pelos órgãos ambientais de Minas Gerais, também contra a técnica do fraturamento hidráulico4. De maneira bastante semelhante ao caso Lone Pine, a concessionária também baseou seus pedidos, entre outros fundamentos, na tese de "expropriação regulatória" (figura idêntica à expropriação "indireta" de Direito Internacional) e na violação ao princípio da confiança legítima (figura idêntica à proteção internacional à legítima expectativa do investidor). Se são várias as semelhanças fáticas e jurídicas, existe uma distinção digna de nota. Para arbitragens de investimento, pouco importa o poder constituído ou o ente federativo que praticou o ato discutido no procedimento: por regras de atribuição próprias do Direito Internacional, todo ato estatal é diretamente imputável à entidade nacional. Já para arbitragens contratuais, que são norteadas pela aplicação do contrato e do direito local, a análise da matriz de risco e a identificação do ente realmente responsável pelo dano são aspectos essenciais. Em suma, enquanto no caso Lone Pine pouco importava se a província Quebec fora o ente responsável pela moratória, no caso Petra v ANP o ponto controvertido é exatamente discutir se o comportamento do Estado de Minas Gerais pode ser imputado à Agência. "O caso Eco Oro v Colombia Outra disputa, decorrente do tratado de investimento celebrado entre Canadá e Colômbia, demonstra a aproximação entre arbitragens de investimento e arbitragens contratuais. No caso Eco Oro, a empresa de mineração vinha realizando operações em uma área parcialmente inserida nos páramos (um ecossistema dotado de especial sensibilidade ambiental), até que uma sucessão de atos estatais (legislativos, administrativos e judiciais) resultou na imposição de uma zona de exclusão ambiental e na consequente suspensão das atividades5. Semelhante ao caso Lone Pine, a proteção contra expropriação indireta e a preservação das expectativas legítimas do investidor representam o principal aspecto jurídico da disputa. Tema semelhante já foi tratado em diversos casos da ANP. Nos casos Newfield e Dommo, a cessação das operações decorreu do indeferimento de licenças ambientais, mas o pano de fundo envolvia o recrudescimento da posição do IBAMA quanto à viabilidade de atividades exploratórias em regiões ambientalmente sensíveis. Já nos casos Petra/Bayar e Petra/Bayar/Copel/Tucuman, os contratos foram suspensos por decisões judiciais que tiveram o declarado objetivo de evitar danos ao meio ambiente6. À exceção do caso Dommo, que segue em andamento, as sentenças arbitrais dos três outros casos foram no sentido de que não seria viável imputar à ANP a responsabilidade por atos de outro órgão (IBAMA) ou Poder (Justiça Federal), à luz da matriz de risco contratual. Já no caso Eco Oro, que discute as consequências de atos praticados por diversos órgãos e níveis federativos, esse aspecto subjetivo não é relevante. Mas e aí? A aproximação entre arbitragens de investimento e arbitragens contratuais parece óbvia, como demonstram os casos narrados acima. E o que isso traz de relevante? De um lado, a análise comparativa entre os institutos deve ser cautelosa. Principalmente no plano material, existe uma distinção bastante relevante entre os parâmetros decisórios de uma arbitragem de investimento, que é uma operação jurídica de Direito Internacional, e de uma arbitragem contratual, cujo foco é o contrato e a legislação nacional. Ainda assim, estudar arbitragens de investimentos traz duas importantes contribuições para a prática brasileira. Primeiro, a semelhança entre situações tratadas em casos nacionais e internacionais demonstra que os problemas de nossa terra brasilis não são tão peculiares assim e também se manifestam em países desenvolvidos. Segundo, o estudo de institutos bem desenvolvidos na prática de investimento, como é o caso do princípio da deferência[7], pode auxiliar na atividade interpretativa em arbitragens contratuais. De outro lado, a prática da arbitragem contratual com a Administração Pública, que é relativamente nova, pode se beneficiar do amadurecimento institucional que o sistema de arbitragens de investimento já adquiriu após décadas de utilização. Atualmente, este tipo de solução de disputa pautado em tratados está sob forte crítica, centrada principalmente na necessidade de conferir maior legitimidade, transparência e accountability ao instituto e a seus operadores, como bem notado no artigo de Boni e Filgueras. Medidas de aprimoramento para arbitragens de investimento, portanto, podem ser transpostas para as arbitragens contratuais da Administração. Mas esse tema fica para um novo artigo. Que provalmente não vai ser tão igual, nem tão diferente. __________ 1 Artigo "A cortina de fumaça em meio à arbitragem investidor-Estado no Brasil" . 2 O artigo "The legal status of fracking worldwide: an environmental law and human rights perspective", de Héctor Herrera, possui um bom apanhado da discussão internacional sobre o tema. 3 Os documentos do caso podem ser consultados no site. 4 A Ata de Missão está disponível no site. 5 Vide documentos disponíves aqui. 6 Os documentos dos casos também podem ser consultados no site da ENARB/PGF. 7 Conferir a tese de mestrado "Controle da administração pública pela via arbitral", de Evandro Pereira Caldas.
terça-feira, 25 de julho de 2023

Arbitragem em larga escala

A ventilação da possibilidade de solução de conflitos pela via arbitral sempre trouxe consigo a ponderação de aspectos positivos e negativos desta alternativa ao juízo estatal. Dentre os argumentos dos entusiastas, as defesas a respeito (i) da potencial maior especialidade dos julgadores, (ii) da estimada maior celeridade da solução e (iii) da flexibilidade do procedimento ao interesse das partes sempre foram frisadas. No campo das ressalvas, questionamentos quanto (i) ao aspecto vinculante e imperativo do compromisso em si (por vezes desafiado pela maneira que formalizado e, por tantas outras, em decorrência de interpretações e precedentes minoritários mas, ainda assim, existentes), (ii) à lisura e confiabilidade dos procedimentos e/ou câmaras (ora por mero desconhecimento ou desdém, ora como sintoma da multiplicação de opções, nem todas com a mesma bagagem e rodagem no campo arbitral) e, finalmente, (iii) ao custo envolvido (algumas vezes incompatível para demandas de menor porte). Mas, se a ressalva do custo, ainda que passível de relativização pelo nível dos profissionais envolvidos e dos serviços ofertados, durante muito tempo fez eco entre operadores do Direito e partes, ela também - de tanto que repetida - fez surgir um novo "produto" dentro das câmaras arbitrais. Adotados com os filtros pertinentes (relacionados a características das demandas, como complexidade e matéria), surgiram os procedimentos (quando não a própria câmara) totalmente digitais, com regulamento e procedimentos enxutos a favor da eficiência econômica, sem prejuízo da necessária cautela e do zelo com o resultado entregue. E, assim, foi possível acomodar um leque ainda mais amplo de perfis de demandas, especialmente para permitir acesso às vantagens dos procedimentos arbitrais para partes outrora afastadas por questões financeiras. Nestes foros, é comum haver limitações sobre os desdobramentos processuais admitidos (como tipos de provas), maior concentração de matérias tratadas (cobranças, demandas imobiliárias, litígios com fornecedores), adoção de árbitro único, e aplicação de valor fixo por caso (contemplando registro, taxa administrativa e honorários de árbitro). Como resultado, tem-se uma legítima expectativa pelo desfecho breve dos casos, confirmada por dados objetivos disponibilizados. O know-how desenvolvido e o resultado alcançado, possivelmente, refletem o cenário judicial do país: grande volume de demandas e aplicação de tecnologia abundante (ainda que nem sempre operacional) nos diversos sistemas de processos digitais existentes. A partir disso, houve migração do viés tecnológico (notadamente mais bem explorado pelo setor privado) para câmaras, com o propósito específico de redução de custos e melhora da experiência do usuário. E, assim, vêm se consolidando câmaras e procedimentos capazes de absorver alto número de procedimentos (com diversos fluxos automatizados), entregando resultados céleres e qualitativos, por um custo muitas vezes menor do que aquele que seria aplicado na soma das instâncias e desdobramentos inerentes ao processo judicial. Tal movimentação, diferente do que inicialmente temido, não desmereceu ou desvalorizou a arbitragem como um todo; pelo contrário, tornou-a mais abrangente e acessível, além de representativa numérica e socialmente. Afinal, quanto mais setores permeados, maior sua relevância e desenvolvimento na cena jurídica nacional. E, por que não, considerar no futuro breve a possibilidade de trazer mais destaque para o Brasil internacionalmente, tornando-se um "produto" para exportação e de referência. Neste sentido, parece convir à comunidade jurídica um olhar crítico construtivo a esse movimento, de forma a fortalecer a atuação destas câmaras - respeitados os diferentes possíveis perfis -, na medida em que se pode enxergar um benefício social inerente na acessibilidade, sempre que preservada a qualidade. Afinal, a escala tende a promover a aceleração do aprendizado e desenvolvimento, e experiências e tecnologias poderão ser aprimoradas e compartilhadas, resultando no ainda maior amadurecimento e evolução de todo o sistema arbitral (fornecedores, prestadores, fluxos) em prol do bem comum.
Há algum tempo habita minha reflexão, quando penso em produção antecipada da prova na Arbitragem, a questão sobre as suas hipóteses desvinculadas da urgência e a viabilidade da criação do chamado "Árbitro da Prova", o que o Acórdão do REsp. 2.023.615 somente reforçou, com uma solução em favor da Arbitragem. Aqui, desde logo, cabe o destaque no sentido de ser minha visão que, independentemente da situação fática posta, havendo convenção de arbitragem, a solução deve, sempre que possível, ser buscada dentro da Arbitragem. A opção pela Arbitragem é fruto da livre manifestação das partes e, portanto, há de ser prestigiada. "Arbitragem é arbitragem, e isso justifica seja ela 'objeto de um tratamento autônomo', verdadeiro sistema, com características próprias, a distinguir este método de solução de litígios"1. Estabelecida essa premissa, é sabido que a convenção de arbitragem (cláusula/compromisso), enquanto instrumento de manifestação do consentimento das partes para arbitrar, impõe a derrogação da jurisdição estatal. Em síntese apertada, a convenção de arbitragem tem um duplo caráter: como acordo de vontades, vincula as partes no que se refere a litígios atuais ou futuros, obrigando-as reciprocamente à submissão ao juízo arbitral; como pacto processual, seus objetivos são de derrogar a jurisdição estatal, submetendo as partes à jurisdição dos árbitros2. Portanto, é esse efeito negativo da convenção de arbitragem que merece realce, na medida em que, se as partes, no livre exercício da manifestação de vontade, no exercício da sua autonomia privada, fazem a opção pela Arbitragem, estarão automaticamente renunciando à jurisdição estatal, salvo naqueles casos expressamente previstos em lei de cooperação ou intervenção.3 Essa é uma opção irretratável e obrigatória4. A jurisdição estatal, repise-se, somente estará autorizada a atuar nas hipóteses expressamente previstas em lei5, sob pena de violação da convenção de arbitragem. A jurisdição arbitral passa a ser regra e a jurisdição estatal exceção. Aliás, a própria ratio do princípio da competência-competência6, reforça a ideia de primazia da jurisdição arbitral sobre a estatal nas hipóteses em que as partes convencionaram validamente sujeitar conflitos presentes ou futuros à Arbitragem. Adiante, para efeito desta breve reflexão, iremos superar qualquer discussão sobre a aplicabilidade ou não das normas do Código de Processo Civil ao processo arbitral, ainda que, ao meu sentir, a aplicação subsidiária, superado o necessário teste de compatibilidade com a Arbitragem, é plenamente possível. Ainda que assim não seja, ao menos a ratio da norma processual civil me parece plenamente aplicável para solução de problemas concretos da Arbitragem. Cabe mencionar, também, a possibilidade de as partes ajustarem, em comum acordo, a expressa aplicação das normas do Código de Processo Civil. Dito isso, o Código de Processo Civil, em seu Artigo 381 e incisos7, inaugurou o que se convencionou chamar de exercício do direito autônomo à prova. Assim, a produção antecipada da prova, preparatória ou incidental, significa implementar um determinado meio probatório em momento anterior àquele em que costumeiramente se implementaria, não mais apenas fundada no risco de perecimento (urgência), mas, também, para fins de autocomposição ou outro meio de solução de conflito ou, ainda, para evitar ou justificar o ajuizamento de ação. Na lição do Ministro Marco Aurélio Bellizze, reconhece-se, assim, à parte o direito material à prova, cuja tutela pode se referir tanto ao modo de produção de determinada prova (produção antecipada de prova, prova emprestada e a prova "fora da terra"), como ao meio de prova propriamente concebido (ata notarial, depoimento pessoal, confissão, exibição de documentos ou coisa, documentos, testemunhas, perícia e inspeção judicial). ... Nesse contexto, reconhecida a existência de um direito material à prova, autônomo em si - que não se confunde com os fatos que ela se destina a demonstrar (objeto da prova), tampouco com as consequências jurídicas daí advindas, podendo (ou não) subsidiar outra pretensão - a lei adjetiva civil estabelece instrumentos processuais para o seu exercício, que pode se dar incidentalmente, no bojo de um processo já instaurado entre as partes, ou por meio de uma ação autônoma (ação probatória lato sensu)8. Nesse ponto, convém ressaltar que o litígio de que trata o Artigo 1º, da Lei de Arbitragem9, reside no conflito de interesses a respeito da própria prova, validado pela existência de um direito material autônomo à sua produção, constituindo-se em causa de pedir da ação probatória lato sensu. Veja-se, assim, que, se esse conflito relacionado com a prova que se pretende produzir antecipadamente, estiver, direta ou indiretamente, ligado à uma relação jurídica sujeita à convenção de arbitragem, será nessa seara privada que a controvérsia haverá de ser dirimida. Não é por outra razão que a disposição do Artigo 382, §4º, do Código de Processo Civil10, deve comportar interpretação tendente a vedar apenas a defesa ou recurso que estejam relacionados com aspectos da valoração da prova em si, porquanto há vedação expressa ao Magistrado de, no âmbito restrito da produção autônoma da prova, realizar qualquer juízo de valor nesse sentido11. Na produção antecipada da prova o Magistrado apenas zela pela regularidade formal da sua produção, mas não a valora. Na esteira de precedente do Superior Tribunal de Justiça12, não se pode admitir, portanto, interpretação que elimine o contraditório por inteiro, mas apenas e tão somente em relação às matérias impertinentes ao procedimento (valoração do conteúdo da prova), excluindo-se da restrição legal, questões controvertidas relacionadas com o objeto da ação e do seu procedimento (regularidade formal da produção antecipada da prova). Aqui, nesse ponto, cabe a indagação: Por que não um "Árbitro da Prova"? Para começar a responder a indagação, primeiramente, convém lembrar que as partes que celebram uma convenção de arbitragem, podem ou não, conduzir o procedimento administrado por uma instituição arbitral, respeitando o seu regulamento, sendo fato que a arbitragem ad hoc, atualmente, é exceção e, mesmo nessa hipótese, nada impede que as partes façam a opção legítima pela observância de um regulamento específico. Nesse passo, a adesão a um determinado regulamento de instituição arbitral possui o efeito imediato de fazê-lo de observância obrigatória para toda e qualquer controvérsia relacionada com a convenção de arbitragem. Caminhando, para as hipóteses de produção antecipada da prova fundadas na urgência, em que há o risco do seu perecimento, o sistema já apresenta solução, seja no "Árbitro de Urgência" previsto na maioria dos regulamentos das instituições arbitrais, seja, na ausência de sua previsão, pelo mecanismo de cooperação com a jurisdição estatal expressamente previsto na Lei de Arbitragem. Em qualquer dos casos, "Árbitro de Urgência" ou cooperação da jurisdição estatal, a solução permanece no âmbito da Arbitragem, eis que, na segunda hipótese, será sempre lícito ao Árbitro rever a decisão do Juiz estatal, tendo esse mecanismo natureza evidentemente excepcional. Todavia, para os demais casos, fins de autocomposição ou outro meio de solução de conflito ou, ainda, para evitar ou justificar o ajuizamento de ação, o Recurso Especial 2.023.615 determinou uma solução em favor da Arbitragem, no que penso ser viável ir mais além e buscar na figura do "Árbitro da Prova", não apenas uma solução em favor da Arbitragem, mas uma solução em prol da consolidação da Arbitragem como método completo e adequado de solução de conflitos, fruto da opção legítima das partes. O "Árbitro da Prova" seria um Árbitro previsto no regulamento da instituição arbitral com a função exclusiva de conduzir o procedimento da produção antecipada da prova, sem a necessidade da formação de um Tribunal Arbitral para esse fim, o que, nesse último caso, seria a única solução viável para manutenção da resolução do conflito sobre a prova no âmbito da Arbitragem, sem implicar em denegação do acesso à justiça13. Inclusive, esse mesmo "Árbitro da Prova" poderia - deveria - conduzir também a produção antecipada da prova fundada na urgência, dado que gerir a produção da prova é tarefa cuja especialização conduz sempre a melhores resultados, evitando nulidades futuras ou mesmo provas mal produzidas, com impacto no resultado do mérito de um futuro e eventual procedimento arbitral. Nos moldes do que já ocorre com o procedimento conduzido pelo Juiz estatal, diante da vedação expressa do Artigo 382, §2º, do Código de Processo Civil, repetimos que o "Árbitro da Prova" não exerceria qualquer valoração sobre o conteúdo da prova produzida, limitando-se a fazer a gestão da sua produção. Penso ser importante afirmar que, mesmo não fazendo qualquer valoração sobre o conteúdo da prova produzida, porém já conhecedor dos fatos da demanda, ainda que parcialmente, o "Árbitro da Prova" que a colheu de forma antecipada, não deve participar de eventual Tribunal Arbitral que venha a ser formado no futuro, sendo prudente preservar a equidistância e a independência que, "aos olhos das partes", poderia estar comprometida com a repetição. Um outro aspecto que conspira em favor do "Árbitro da Prova" é o fato de que a prova produzida de modo antecipado, com todas as formalidades que lhe são inerentes, não demanda a repetição em eventual e futuro procedimento arbitral, relevando o destaque que se utilizará na Arbitragem prova colhida por árbitro especializado e acostumado com as peculiaridades do processo arbitral, o que não aconteceria se essa mesma prova fosse colhida pelo Juiz estatal. Aliás, penso, inclusive, que, se a prova antecipada viesse a se produzir no âmbito da justiça estatal, ainda que com todas as formalidades que lhe são inerentes, não se poderia desconsiderar a hipótese plausível de a parte pretender a sua repetição no âmbito do procedimento arbitral que viesse a ser instaurado, justamente em razão de haver diferença significativa entre o modo de colheita da prova conduzido pelo Juiz, forjado na justiça estatal, e pelo Árbitro, forjado na justiça privada. São formas de atuar diversas. Afirmo, ainda, que a solução do "Árbitro da Prova", para além da bem-vinda redução de custos para as partes, que não estariam obrigadas com a constituição do Tribunal Arbitral, quem sabe desnecessário, viabiliza por parte das Instituições Arbitrais a criação de uma solução integrada com a produção antecipada da prova e, se for o caso, a possibilidade do início de uma mediação a partir do que descortinado na prova produzida. Nesse sentido, mecanismos facilitadores do acesso à justiça e que permitem uma resolução rápida do litígio mostram-se absolutamente necessários. Há indícios de que a arbitragem contempla melhores mecanismos para induzir as partes à um acordo. Destacam-se, a aproximação das partes fruto de uma convenção de arbitragem, o permanente diálogo e a possibilidade de uma participação mais ativa do árbitro para buscar o escopo conciliatório14. Aqui, voltamos com a ideia de uma solução completa e integrada, inteiramente edificada no âmbito da Arbitragem. O "Árbitro da Prova" não está a demandar qualquer alteração legislativa, exige apenas das Instituições Arbitrais uma ação imediata para implementar a modificação de seus regulamentos para a criação dessa figura, bem como para regulamentar o procedimento da produção da prova de modo antecipado. A criação da figura do "Árbitro da Prova", como meio de viabilização da produção antecipada da prova na seara da Arbitragem, reforça a sua legitimidade como meio completo e adequado de solução de conflitos, ao garantir que a prova antecipada seja produzida por um Árbitro designado para esse fim, sem a necessidade da formação imediata de um Tribunal Arbitral ou, pior, produzida por um Juiz estatal não acostumado com as variabilidades do processo arbitral.   A Arbitragem deve solucionar em casa seus problemas. __________ 1 MARIANI, Rômulo Greff. Precedentes na arbitragem, Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 84. 2 CARMONA. Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei 9307/96. São Paulo: Atlas, 2009, p. 79. 3 Confira a respeito do tema cooperação/intervenção, meu artigo publicado na Coluna Migalhas Marítimas (Violação do dever de revelação como causa da anulação da decisão arbitral - Migalhas). 4 STJ. Recurso Especial 1.331.100/BA, 4ª Turma, Relatora Ministra Isabel Gallotti, 2016. 5 A título de exemplo, os Artigos 22-A e 22-B, da Lei de Arbitragem. (Art. 22-A.  Antes de instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de medida cautelar ou de urgência. Parágrafo único.  Cessa a eficácia da medida cautelar ou de urgência se a parte interessada não requerer a instituição da arbitragem no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data de efetivação da respectiva decisão. Art. 22-B.  Instituída a arbitragem, caberá aos árbitros manter, modificar ou revogar a medida cautelar ou de urgência concedida pelo Poder Judiciário).   6 Art. 8º ... Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória. Art. 20. A parte que pretender arguir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem. 7 A produção antecipada da prova será admitida nos casos em que: I - haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação; II - a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; III - o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação. 8 STJ. Recurso Especial 2.023.615/SP, 3ª Turma, Relatora Ministro Marco Aurélio Bellizze, 2023. 9 Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.  10 Art. 382. §4º Neste procedimento, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário.  11 Art. 382. § 2º O juiz não se pronunciará sobre a ocorrência ou a inocorrência do fato, nem sobre as respectivas consequências jurídicas.  12 STJ. Recurso Especial 2.037.088/SP. 3ª Turma, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze. Março de 2023. 13 CF. Art. 5º XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. 14 GABRIEL, Anderson de Paiva. MOOG, Maria Eduarda. A Arbitragem como Mecanismo Indutor à Resolução Consensual de Litígios: uma breve análise sob a ótica racional e emocional do processo. Arbitragem. Atualidades e Tendências. Coordenadores Olavo Augusto Viana Alves Ferreira e Paulo Henrique dos Santos Lucon. Ribeirão Preto: Editora Migalhas, 2019, pag. 37;40.
Abro este texto fazendo um esclarecimento inicial, não sou advogado ou bacharel em direito. As breves reflexões que apresento a seguir são frutos do que vi nos últimos 20 anos e mostram como enxergo a prática arbitral, com especial destaque para o Brasil. O instituto da arbitragem é alvo de uma série de críticas. Boa parte delas decorrem do fato de a arbitragem ser acessível a uma comunidade profissional reduzida. As relações entre advogados, árbitros, peritos, pareceristas e demais envolvidos muitas vezes é vista como algo nocivo, que poderia de algum modo abalar a credibilidade da arbitragem. A pluralidade de papéis comumente assumida por profissionais atuantes na área - imagine-se um mesmo profissional que atua, em casos distintos, como árbitro, advogado e parecerista - é classificada por alguns, de forma pejorativa, como "porta-giratória da arbitragem" (revolving door, em inglês). Isso pode causar estranheza e desconfiança em um interlocutor desavisado. A imparcialidade e a independência de alguns profissionais - requisitos fundamentais ao bom funcionamento da arbitragem - por vezes acabam sendo colocadas em xeque, seja por motivação legítima, ou mesmo por uma estratégia de guerrilha processual. Algumas desconfianças nascem da intensa convivência e relação que se verificam em congressos, publicações acadêmicas, associações e até mesmo eventos sociais. Eu não posso opinar sobre indivíduos, mas me atrevo aqui a analisar o mercado. Acredito que o que assusta alguns é justamente o que garante a eficiência e a legitimidade do instituto da arbitragem. O maior ativo de um profissional, especialmente na arbitragem, é a sua credibilidade, que está intrinsecamente relacionada com a confiança das partes naquele determinado profissional. E o fato de o mercado ser numericamente reduzido e as pessoas se conhecerem, relacionarem e frequentarem ambientes comuns é um fator adicional que, a meu ver, apenas contribui para assegurar a legitimidade da arbitragem. Um profissional atuando como árbitro, indicado por um escritório, não vai privilegiar quem o indicou pois amanhã as posições certamente se inverterão e sua imagem estará manchada. Em suma, em uma comunidade pequena com um alto grau de interação entre os profissionais, uma conduta inadequada pode destruir uma carreira. Ao longo de 20 anos organizei, promovi e participei de um incontável número de eventos, encontros e congressos de arbitragem, presenciei horas de conversas no palco ou fora dele. O que vi foi sempre uma conduta zelosa de todos os players e na rara eventualidade de um comportamento indevido de um neófito ele é sempre orientado, repreendido e até mesmo alijado do meio arbitral. A comunidade arbitral dedica tempo e recursos substanciais para discutir os pontos a serem melhorados de forma bastante franca e autocrítica, só em uma de nossas plataformas são mais 150 horas de debates. A beleza da arbitragem está na livre vontade das partes, na confiança, na escolha e na autoregulação. De forma estruturada e constante uma nova geração de profissionais altamente qualificados e globalmente preparados têm chegado ao mercado, ampliando o leque de nomes atuantes em arbitragem e muito deles dedicados exclusivamente a atuarem como árbitros. As partes cada vez mais se envolvem na escolha de árbitros. E estes nomes, em regra, só podem se colocar em cena através de relacionamento. A arbitragem não está imune a falhas, problemas e erros. É claro que não está. A arbitragem é falível porque são seres humanos que nela atuam. Para os casos patológicos, a Lei de Arbitragem brasileira (lei 9.307/96), que é referência mundial, prevê soluções específicas e excepcionais que possibilitam o controle judicial da atividade dos árbitros. Porém, em um país que possui hoje mais de 1000 arbitragens* em curso, não recomendo que se construa a imagem da arbitragem com base em situações patológicas e raras. Mudar a lei ou alterar seus dispositivos como se pretende com o Projeto de lei 3.293/21 é um risco enorme para a legitimidade da arbitragem brasileira. Internacionalmente somos respeitados e admirados pela nossa prática. Ações no sentido de minar a eficiência da lei atual, não vão acabar com a arbitragem em nosso país, mas poderão provocar um êxodo de arbitragens com sede no Brasil, entregando casos que poderiam ser resolvidos em território brasileiro aos cuidados de jurisdições estrangeiras - assim, exportando divisas, profissionais e conhecimento. Não seria inteligente deixar isso acontecer.  ___________ * Informação extraída da pesquisa Arbitragem em Números, 2022 coordenada pelo Porf. Selma Ferreira Lemes, em parceira com o Canal Arbitragem.
Introdução A arbitragem, como método de solução de disputas, possui vantagens conhecidas tais como a celeridade do procedimento (em média com duração de 19 meses),1 a possibilidade de escolha dos árbitros, a flexibilização do procedimento, e a confidencialidade. Em resumo, usando a autonomia da vontade, as partes elegem a arbitragem como meio de solução de seu conflito e, com isso, podem nomear o(s) árbitro(s), estabelecer a competência dos mesmos, e flexibilizar o procedimento (e.g: decidir sobre os prazos do procedimentos arbitral). No entanto, uma das grandes vantagens da arbitragem e que em nossa opinião é subestimada é a não condenação em honorários advocatícios nos termos do artigo 85 § 2º do Código de Processo Civil. Claro que essa afirmação deve ser lida com parcimônia uma vez que no Direito nem todos os caminhos levam à Roma. Cabe lembrar que a Lei de Arbitragem dispõe quanto à não obrigatoriedade de participação de advogado, uma vez que o §3º do art. 21 da Lei de Arbitragem enuncia que "as partes poderão postular por intermédio de advogado", o que revela a faculdade da presença do advogado. A regra, no entanto, é a representação por intermédio de advogados ainda mais quando tratamos de disputas complexas que envolvem altos valores. O objetivo desse artigo é tratar sobre a (im)possibilidade de condenação em honorários sucumbenciais na arbitragem. Honorários sucumbenciais e observações práticas na arbitragem A lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) dispõe em seu artigo 27 que a sentença arbitral decidirá sobre a responsabilidade das partes acerca das custas e despesas com a arbitragem, bem como sobre verba decorrente de litigância de má-fé, se for o caso, respeitadas as disposições da convenção de arbitragem, se houver. Tal dispositivo é referendado pelos regulamentos de arbitragem das principais câmaras nacionais (e.g. Artigo 30.4 do regulamento do CAM-CCBC de 2022: 30.4 Observado o acordado pelas partes, a sentença arbitral estabelecerá a responsabilidade pelas custas e demais despesas incorridas com a arbitragem e o seu respectivo rateio.) Os árbitros devem observar as regras da convenção de arbitragem, o que for estabelecido pelas partes no termo de arbitragem (instrumento organizador do procedimento) e, acima de tudo, as normas da instituição que administra o procedimento, ou seja, o regulamento de arbitragem. Os regulamentos de arbitragem abordam a alocação de custas pelo tribunal arbitral. Ou seja, os árbitros podem alocar as custas2 de forma desigual entre as partes se uma dessas, por exemplo, atuou com má-fé durante o procedimento. No entanto, essa alocação de custas se restringe a reembolso de honorários advocatícios o que é completamente distinto de condenação em honorários de sucumbência. Reembolso de honorários significa dizer que a parte que despendeu das verbas advocatícias receberá o reembolso. Já os honorários sucumbenciais, nos termos do CPC e do Estatuto da OAB, são verbas que cabem ao advogado (vide artigo 23 da Lei 8.906/1994 - Estatuto da OAB). Cabe observar também que os árbitros só poderiam condenar em reembolso de honorários pró labore, ou seja, aquele montante fixo pago pela atuação no procedimento arbitral. Não caberia no caso estipulação de reembolso de honorários referentes de êxito no certame (ad exitum ou cláusula de sucesso). O árbitro prudente pode e deve solicitar o contrato de honorários firmado entre as partes e seus patronos para melhor delinear o dispositivo de sua sentença. Na prática arbitral temos observado as seguintes situações: As partes nada estipulam, prevalece o regulamento de arbitragem institucional, e os árbitros condenam ou não a parte sucumbente em reembolso de honorários (nos termos do artigo 27 da lei de arbitragem e do regulamento de arbitragem). As partes estipulam a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao procedimento arbitral e os árbitros condenam em honorários de sucumbência nos termos do artigo 85 do CPC (na nossa visão tal condenação é imprópria e explicaremos a seguir). As partes nada estipulam, prevalece o regulamento de arbitragem institucional, e mesmo assim os árbitros condenam em honorários de sucumbência a parte derrotada. As partes estipulam em termo de arbitragem que os árbitros poderão condenar em honorários sucumbenciais nos termos do Código de Processo Civil. Nesse caso, eventual condenação está correta uma vez que a autonomia das partes prevalece. A nosso ver nas hipóteses 2 e 3 a condenação em honorários sucumbenciais é incorreta. Ao estipularem a aplicação subsidiária do CPC as partes não estão estipulando a aplicação supletiva do código. A aplicação subsidiária é o mero preenchimento de lacuna, ausência de norma, já a aplicação supletiva significa a complementação normativa, ou seja, permitiria uma inovação na arbitragem como a condenação em honorários sucumbenciais (e.g. vide o artigo 15 do CPC que estipula que na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente). Defendo aqui uma interpretação restritiva, ou seja, o CPC deverá ser aplicado apenas na ausência de normas no regulamento de arbitragem e na lei de arbitragem. Portanto, em caso de estipulação de aplicação subsidiária do CPC ao procedimento arbitral não considero cabível a condenação em honorários sucumbenciais, somente em eventual reembolso de honorários. De outra sorte, a condenação seria cabível se houvesse previsão de aplicação supletiva. Quando as partes nada estipulam em termo de arbitragem (neste caso o advogado deve estar investido de poderes especiais e expressos na procuração para firmar o termo de arbitragem nos termos do artigo 662, §2º do Código Civil de 2002. Ou seja, não basta apenas estar investido dos poderes de representação geral posto que o termo de arbitragem se assemelha ao compromisso arbitral)3 ou convenção arbitral (vide artigo 11, V da Lei de Arbitragem que aborda o compromisso arbitral) sobre condenação em honorários sucumbenciais ou aplicação supletiva do CPC, neste caso, por obviedade não cabe a referida condenação. No entanto, já vimos tal condenação ocorrer. Com relação à arbitragem com administração pública o mesmo entendimento se aplica. Será possível a condenação em honorários sucumbenciais somente se definidos da assim estabelecido em compromisso arbitral (ou termo de arbitragem) ou em norma específica do Ente Federado que integra a arbitragem uma vez que a Lei de Arbitragem não dispõe sobre o tema. Nota conclusiva  O magistrado deve observar a lei, o árbitro deve observância à vontade das partes. Se a condenação em honorários sucumbenciais for estipulada de forma expressa pelas partes em convenção arbitral ou em termo de arbitral, portanto, o árbitro poderá condenar a parte derrotada. Se não houver estipulação, ou se houver estipulação de mera aplicação subsidiária do CPC (e não supletiva) o tribunal poderá condenar apenas em reembolso de honorários advocatícios (pró-labore). Eventual condenação em honorários sucumbenciais nesta hipótese poderá ser considerado julgamento extra petita e caberia em primeiro lugar o pedido de esclarecimentos (embargos arbitrais - artigo 30 da Lei de Arbitragem) e, caso a sentença não seja modificada, eventual ação anulatória de sentença arbitral visando anular parcialmente a sentença (apenas esse trecho da condenação) de acordo com o artigo 32, IV da Lei de Arbitragem, ou seja, a sentença deve ser considerada como proferida fora dos limites da convenção de arbitragem. Em suma, o tema merece ser debatido e aprofundado, no entanto, arbitragem eficiente é arbitragem célere e com previsibilidade para as partes em termos de custos. Condenação em honorários de sucumbência equivocada ou sem previsão das partes é condenação que, a nosso ver, não deve ocorrer e retira do instituto essa vantagem tão essencial e, no entanto, pouco abordada. __________ 1 Vide pesquisa sobre Arbitragem em Números e Valores da Professora Selma Lemes. Acesso: 26.04.2023. 2 As custas do procedimento são as seguintes: a) custas do órgão arbitral (taxa de instauração do procedimento e taxa de administração do procedimento, com pagamento mensal ou único a depender da entidade administradora do procedimento); b) despesas que incorrerem durante o procedimento (diligências, reuniões, audiências, deslocamento, entregas de documentos, traduções, reproduções especiais de documentos, gravações, gastos com perícia, avaliações, visitas técnicas); e c) honorários dos árbitros. SCHMIDT, Gustavo; FERREIRA, Daniel B.; OLIVEIRA, Rafael C. R.; Comentários à Lei de Arbitragem. Rio de Janeiro: Editora Método, 2021. 3 LEMES, Selma Ferreira. Convenção de Arbitragem e Termo de Arbitragem. Características, Efeitos e Funções. Acesso: 27.04.2023.
O presente estudo tem o objetivo de analisar o impacto da decisão do STJ (Resp 1.481.644), publicada no dia 19/08/2021, quanto aos julgamentos posteriores realizados pelos Tribunais Estaduais e apresentar uma proposta, ao final. Neste referido Recurso Especial, o STJ concluiu que, na ação de despejo não é possível dissociar a rescisão da desocupação, e, por ser executória a sua natureza, a ordem de desocupação não poderia ser fixada pelo árbitro. Fundamental, para a devida compreensão do tema, saber que, a situação fática objeto do Recurso Especial referia-se a contrato de locação que já estava resolvido pelo abandono do imóvel pelo locatário, de modo que só caberia se efetivar a imissão na posse, com a retomada do bem via desocupação. Neste caso, resta claro que não caberia substancialmente sequer o julgamento da resolução contratual, ante a resolução de pleno direito. Desta forma, o Tribunal de origem entendeu que não haveria matéria a ser posta ao árbitro, pois a resolução não seria objeto de desate, restando única e exclusivamente em aberto a realização da ordem de desocupação. O fundamento do STJ, ao manter o acordão recorrido, desconsidera que, embora não caiba ao árbitro realizar a execução direta (como exemplo, atos de expropriação e desapossamento), a ele cabe a realização da execução indireta (como exemplo, aplicar de multas e astreintes, neste sentido vide FERREIRA, Olavo A. V. Alves ett. Alli., Lei de Arbitragem Comentada, 3ª Edição, São Paulo: Juspodivm, 2023, com farta jurisprudência). Pacífico que o árbitro pode fixar ordens com conteúdo executivo, mas não tem o poder de executá-las em caso de não cumprimento espontâneo, conforme reiterados julgados do TJ-SP, TJ-RJ, TJ-TO e, do próprio STJ, em decisão monocrática. Logo, não só a análise sobre a resolução contratual, mas também a fixação do comando de desocupação poder ser objeto de decisão pelo árbitro. A posição do STJ poder ter tido fundamento no fato, como visto, do caso concreto e posto a julgamento, restar apenas a realização do ato de imissão na posse, pois, ante o abandono do bem imóvel, sequer haveria a possibilidade do antes referido "cumprimento espontâneo". Porém, o STJ foi além e, afirmou, em tese, que em sede de ação de despejo não é possível dissociar a rescisão da desocupação, sendo executória a sua natureza, e ainda, que, por esse fato, a ordem de desocupação não poderia ser fixada pelo árbitro. Não podemos esquecer que estamos na era dos contratos autoexecutórios em que, por exemplo, por meio de um contrato de transporte por aplicativo, o transportador, em caso de descumprimento contratual pelo passageiro, fixa multa e a executa imediatamente, expropriando o valor referente a ela do patrimônio do passageiro. Caso essa decisão do STJ passasse a ser aplicada sem qualquer ponderação e contextualização fática pelos Tribunais Estaduais, a única solução prática seria a não apresentação na via arbitral da intitulada "ação de despejo", mas sim, a apresentação de ação de resolução contratual cumulada com cobrança. Neste caso, o árbitro julgaria o pedido de rescisão culposa e de condenação ao pagamento do valor fruto do inadimplemento, e, junto ao Poder Judiciário, seria realizado o pedido de desocupação e de efetivação dos atos de desapossamento, em caso de resistência do locatário. Porém, satisfatoriamente, como se verá, dos 09 (nove) acórdãos sobre o tema proferidos pelos mais diversos Tribunais do país (SP, PR, DF, CE, SC e AL), de 21/09/2021 a 11/04/2023, 05 (cinco) seguiram pela possibilidade da ação de despejo ser julgada na via arbitral e 04 (quatro) foram em sentido oposto. Emblemático o acórdão do TJ-SP, julgado no dia 11/04/2023 e publicado no dia 20/04/2023, por meio do qual se permitiu o julgamento dos pedidos de ação de despejo na via arbitral. Em tal caso, a cláusula compromissória estava inserida em contrato de locação elaborado pela imobiliária Quinto Andar e o êxito obtido junto ao TJ-SP foi fruto de defesa do emitente professor e processualista Fredie Didier e da sua sócia, a advogada Layanna Piau, especializada em direito imobiliário. Este caso é deveras interessante. Mesmo sem ter havido a propositura de ação anulatória, somente quando do cumprimento de sentença junto ao Poder Judiciário e, especialmente, em sede de impugnação ao cumprimento de sentença arbitral, veio o locatário a alegar que não caberia ação de despejo na via arbitral. E, inacreditavelmente, o Juízo a quo acolheu o infundado pedido. Só por meio de agravo de instrumento, o TJ-SP restabeleceu a ordem, e desatou a questão dirigindo-se ao princípio da competência-competência, que indica que o monopólio da primeira palavra quanto à existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem (seja cláusula compromissória, seja compromisso arbitral) é do árbitro. Nesse sentido, só cabe o controle judicial depois da sentença e via ação anulatória. Assim, não distribuída ação anulatória, descabe a alegação de qualquer eventual vício ou nulidade quanto à competência do árbitro relativamente ao julgamento. Como se verifica, sequer foi abordada a questão do árbitro poder fixar ou não comandos de conteúdo executório. O julgamento voltou-se para a essência e para o vício de origem de ter havido a apreciação de alegação de suposta incompetência do árbitro mesmo após expirado o prazo da ação anulatória e em violação ao princípio da competência-competência. Vejamos: "AGRAVO DE INSTRUMENTO CUMPRIMENTO DESENTENÇA ARBITRAL AÇÃO FUNDADA NA LOCAÇÃO DE IMÓVEL PARA FINS RESIDENCIAIS Decisão que indeferiu o processamento do feito, determinada a emenda da inicial, para o procedimento correto, sob pena de indeferimento da inicial - A sentença arbitral é título executivo judicial que comporta execução, nos termos do art. 515, VII e523, "caput" e § 3º do CPC, inclusive, com efetivação de atos expropriatórios, ante o não cumprimento voluntário do comando arbitral Validade da cláusula compromissória arbitral, para a solução de conflitos relacionados à direitos disponíveis, nos termos do art. 4º, § 2º e art. 8º, parágrafo único da lei 9307/1996 Impossibilidade de desconsideração da sentença arbitral, de ofício, nos autos da ação executiva, ou em sede de cumprimento de sentença, só podendo ser desconstituída nas hipóteses previstas no art. 32 da lei9307/1996, do que não se trata o caso em apreço, dada a natureza jurisdicional da cognição arbitral, com trânsito em julgado - Princípio da Kompetenz-Kompetenz - Precedentes deste E. TJSP Recurso provido"(TJ-SP - AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 2219522-29.2022.8.26.0000 - julgamento 11/04/2023 - Publicação 20/04/2023). No sentido do cabimento do pedido de despejo na via arbitral, mais outros 04 (quatro) julgados: TJ-AL1, TJ-DF2, TJ-CE3 e TJ-PR4. Em sentido diverso, acolhendo o entendimento do STJ sem qualquer ponderação quanto à adequação ao contexto fático, 04 (quatro) julgados, vide: TJ-SC5,TJ-DF6 e TJ-SP.7 Acertadamente, está a prevalecer que, o árbitro poderá condenar o locatário a desocupar o imóvel, fixando prazo para saída voluntária e que, em caso de descumprimento, se fará necessária a medida coercitiva, neste caso, o despejo compulsório, de forma que, neste momento, e só neste momento, a intervenção estatal é medida necessária. As decisões judiciais desfavoráveis emanadas do STJ e dos 04 (quatro) Tribunas Estaduais acima explicitadas, deixam de observar o caráter cognitivo das ações executivas lato sensu, e as tratam como uma ação de execução ou com a fase executiva do cumprimento de sentença do processo sincrético. Destaque-se que, tanto árbitro, quanto o juiz togado, estão obrigados a conceder prazo para a desocupação voluntária do imóvel, fruto do artigo 65, lei 8.245/91. E, não há qualquer atividade executiva sem a resistência do locatário. O contexto estudado evidencia a clara necessidade de fortalecer os efeitos da convenção de arbitragem, tendo sempre como linha mestra o caráter consensual da arbitragem, a preservação da vontade das partes e os poderes conferidos ao árbitro pela lei de arbitragem, mantendo-se a jurisdição arbitral, tal como na fixação de astreinte pelo árbitro admitida pela jurisprudência (vide FERREIRA, Olavo A. V. Alves ett. Alli., Lei de Arbitragem Comentada, 3ª Edição, São Paulo: Juspodivm, 2023). __________ 1 "AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESPEJO POR INADIMPLEMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE DE PAGAMENTO DAS CUSTAS RECURSAIS AO FINAL DA DEMANDA. EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NO CONTRATO FIRMADO ENTRE AS PARTES. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. ART. 337, X, CPC. REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO ARBITRAL. NECESSIDADE. REVOGAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO"(TJ-AL - AI: 08073033520228020000 Maceió, Relator: Des. Tutmés Airan de Albuquerque Melo, Data de Julgamento: 15/03/2023, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: 20/03/2023). 2 "APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. SUPOSTO INADIMPLEMENTO. PRETENSÃO DE DESOCUPAÇÃO CAUTELAR DO IMÓVEL. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. LEI N. 9.307/96. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ARBITRAL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. ART. 485, VII, DO CPC. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Trata-se de apelação interposta pela locadora contra sentença que, nos autos de ação de despejo por falta de pagamento ajuizada contra o locatário, extinguiu o processo, sem apreciação do mérito, com fulcro no art. 485, VII do Código de Processo Civil, sob o entendimento de que a existência de convenção de arbitragem no contrato firmado entre as partes, por meio de cláusula compromissória, resulta na extinção do processo judicial, porque indevida a intervenção judicial. 2. A previsão contratual da cláusula compromissória arbitral afasta a jurisdição estatal, impondo-se ao árbitro o poder-dever de decidir as questões atinentes ao contrato, bem como aquelas relacionadas à própria existência, validade e eficácia da cláusula compromissória. Precedentes do STJ. 3. À míngua da análise pelo juízo arbitral quanto à existência, validade, e, sobretudo, liquidez das obrigações previstas no instrumento contratual firmado entre as partes, não cabe ao Poder Judiciário, com fundamento no art. 22-A da Lei n. 9.307/96, promover a desocupação imediata do imóvel objeto de contrato de locação firmado entre as partes. 4. Se há cláusula compromissória arbitral no contrato, faz-se necessária a derrogação da jurisdição estatal, extinguindo-se o processo sem resolução do mérito, diante do previsto no art. 485, VII, do CPC. 5. Recurso conhecido e desprovido"(TJ-DF 07351765820228070001 1663388, Relator: SANDRA REVES, Data de Julgamento: 08/02/2023, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: 27/02/2023). 3 "APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DESPEJO. EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA DE CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. (ART. 4º DA LEI Nº 9.307/1996). RELAÇÃO LOCATÍCIA FIRMADA ENTRE PARTICULARES SOBRE DIREITO PATRIMONIAL DISPONÍVEL. INCOMPETÊNCIA DA JURISDIÇÃO ESTATAL. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença rejeitou a preliminar de contestação que arguiu a existência de cláusula compromissória de convenção de arbitragem, invocada pela locatária, e julgou procedente a Ação de Despejo. 2. Conforme o art. 4º, da Lei nº 9.307/1996, a cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato que, no caso dos autos, foi expressamente pactuada na cláusula vigésima (fl.22) e estende-se não só à relação locatícia em si, mas a ¿todo litígio ou controvérsia originária ou decorrente¿ do referido contrato. 3. O negócio jurídico contratual entabulado pelas partes, trata de relação locatícia firmada entre particulares e versa estritamente sobre direito patrimonial disponível. Portanto, não há nenhuma justificativa plausível para afastar-se a aplicação da convenção de arbitragem livremente pactuada pelas partes, ainda mais quando a sua observância é reivindicada pela parte que aderiu ao contrato apresentado pelo locador. 4. Entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual a presença de convenção de arbitragem, regularmente pactuada, derroga a competência do Poder Judiciário para julgar a demanda e possui força vinculante e caráter obrigatório, atribuindo ao juízo arbitral eleito a competência para dirimir os litígios relativos aos direitos patrimoniais disponíveis. 5. Verifica-se a existência de causa de nulidade da sentença tanto pela ausência de fundamentação da decisão que rejeitou a preliminar de contestação que arguiu a existência de cláusula compromissória de convenção de arbitragem, como pelo erro de procedimento ao não ter decretada a extinção do feito, sem julgamento do mérito, nos termos do art. 485, VII, do CPC, em estrita observância da derrogação da competência da jurisdição estatal. 6. Recurso conhecido e provido. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em são partes as acima indicadas, acordam os Desembargadores integrantes da 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por votação unânime, em conhecer do recurso para dar-lhe provimento, em conformidade com o voto do eminente Relator. Fortaleza, data indicada no sistema. EVERARDO LUCENA SEGUNDO Desembargador Relator" (TJ-CE - AC: 01191913820168060001 Fortaleza, Relator: EVERARDO LUCENA SEGUNDO, Data de Julgamento: 23/11/2022, 2ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 23/11/2022). 4 "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESPEJO CUMULADA COM COBRANÇA DE ALUGUEIS. DECISÃO QUE EXTINGUIU O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR INCOMPETÊNCIA DA JURISDIÇÃO ESTATAL ( CPC , ARTIGO 485 , VII ). EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA NO CONTRATO, INVOCADA PELO RÉU NA CONTESTAÇÃO. OBSERVÂNCIA NECESSÁRIA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. O Superior Tribunal de Justiça, tendo em conta a natureza executiva lato sensu da ação de despejo, decidiu que a competência para decretar a resolução do contrato de locação e o despejo é da Justiça Estatal, cabendo à justiça arbitral, por seu turno, deliberar sobre o pedido de condenação do locatário ao pagamento de encargos locatícios, multas e indenizações ( REsp 1481644/SP , Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 01/06/2021, DJe 19/08/2021).Obtempera-se, contudo, que o julgamento em questão teve por base um recurso distribuído àquela Corte em 2014, originário de um processo autuado por volta de 2011 - portanto, na vigência da redação original da Lei 9.507/1996.Ocorre que, em 2015, a Lei 13.129 introduziu naquele diploma os artigos 22-A e 22-B, possibilitando a concessão, nos processos de competência do tribunal arbitral, de tutelas cautelares e de urgência, antecedentes e incidentais. Ou seja, ampliou o poder dos árbitros, inobstante a atribuição da execução de suas decisões à Justiça Estatal, suprindo, com isso, uma lacuna até então existente. Nesse contexto, não há incongruência em deixar a cargo da Câmara de Arbitragem decretar o despejo por falta de pagamento - inclusive liminarmente, na forma admitida pelo artigo 59 , § 1º , IX da Lei 8.245 /1991 - e reservar para o Poder Judiciário apenas a execução da medida; afinal, é assim que se procede também em relação aos provimentos condenatórios por aquela editados, não se ignorando a distinção entre as ações condenatórias e as ações executivas lato sensu que deram sustentação ao voto condutor do julgamento do REsp 1.481.644/SP" (TJPR - 18ª C.Cível - 0033256-46.2019.8.16.0001 - Curitiba - Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU LUIZ HENRIQUE MIRANDA - J. 11.07.2022). 5 "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO C/C COBRANÇA DE LOCATÍCIOS. SENTENÇA TERMINATIVA EM QUE SE ACOLHEU A ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. APELO AUTORAL. DEFENDIDA A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TOGADA PARA O PROCESSAMENTO DA AÇÃO. PROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE DEBATE QUANTO AOS TERMOS DO CONTRATO. NATUREZA EXECUTIVA DA AÇÃO. INVIABILIDADE DE PROCESSAMENTO NO JUÍZO ARBITRAL. IMPOSITIVA A ANULAÇÃO DA SENTENÇA E O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROSSEGUIMENTO. SENTENÇA CASSADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. "5. [. . .] Justamente por se tratar de ação executiva lato sensu, verifica-se ausente o intervalo que se entrepõe entre o acatamento e a execução, inerente às ações sincréticas, visto que cognição e execução ocorrem na mesma relação processual, sem descontinuidade .6. Na hipótese, o credor optou por ajuizar ação de despejo, valendo-se de duas causas de pedir em sua pretensão - a falta de pagamento e o abandono do imóvel -, ambas não impugnadas pela recorrente, para a retomada do bem com imissão do credor na posse. Portanto, há competência exclusiva do juízo togado para apreciar a demanda, haja vista a natureza executória da pretensão"(STJ. REsp n. 1.481.644/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 1/6/2021, DJe de 19/8/2021)"(TJ-SC - APL: 03091563120178240023, Relator: André Carvalho, Data de Julgamento: 24/01/2023, Terceira Câmara de Direito Civil). 6 "APELAÇÃO CÍVEL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. POSSIBILIDADE DE PROPOSITURA DE DEMANDA POSSESSÓRIA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. 1. A presente hipótese consiste em examinar se o Juízo de origem agiu corretamente ao extinguir o processo, originado por ação possessória, nos termos do art. 485, inc. VII, do CPC, em virtude da existência de convenção de arbitragem entre as partes. 2. A cláusula compromissória é o item negocial por meio da qual as partes se comprometem a submeter eventual divergência decorrente do negócio jurídico celebrado à modalidade de heterocomposição distinta da jurisdição. 3. Em regra, uma vez instituída a arbitragem para solucionar as questões obrigacionais relativas ao exercício da posse, será o árbitro escolhido pelas partes ou nomeado pelo Juiz que deve solucionar as eventuais demandas futuras em relação ao tema. 4. A eficácia preponderante das ações possessórias, que versam a respeito de direito real, e não obrigacional, no entanto, pode variar entre mandamental ou executiva lato sensu, situação que afasta as atribuições do árbitro para decidir as questões controvertidas, que devem ser submetidas à jurisdição. 5. Recurso conhecido e provido. Sentença desconstituída"(TJ-DF 07092611820208070020 1634859, Relator: ALVARO CIARLINI, Data de Julgamento: 09/11/2022, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: 22/11/2022). 7 "AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO - LOCAÇÃO COMERCIAL (SHOPPING CENTER) - Autores que buscam o despejo por falta de pagamento sem cobrança de aluguéis - Sentença de procedência - Alegação da ré, ora apelante, de aplicação de convenção de arbitragem, de litisconsórcio passivo necessário com os fiadores e de cerceamento de defesa, bem como, no mérito, inexistência de notificação para constituição em mora e aplicação da teoria da imprevisão em razão da pandemia de Covid-19 - Afastamento da jurisdição arbitral em razão da natureza executiva da ação de despejo, desde que não cumulada com pedido condenatório - Ausência de necessariedade de litisconsórcio com os fiadores, uma vez que, por não serem partes na locação, não são afetados pela procedência do despejo - Descabimento da instrução probatória quanto ao inadimplemento, uma vez que a locatária controverteu somente o quantum devido, que é irrelevante para a ação de despejo sem cobrança dos aluguéis - Interpelação pessoal desnecessária, uma vez que é mera faculdade da locadora para resolução extrajudicial do vínculo, sem prejuízo do despejo pela via judicial - Impossibilidade de suspensão da exigibilidade dos aluguéis ou da possibilidade de despejo pela aplicação da teoria da imprevisão, cujos pressupostos sequer estão preenchidos no caso concreto - Sentença mantida - Honorários recursais devidos, observada a gratuidade processual concedida - RECURSO DESPROVIDO"(TJ-SP - AC: 10109941720218260008 SP 1010994-17.2021.8.26.0008, Relator: Angela Lopes, Data de Julgamento: 27/06/2022, 28ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 27/06/2022)."LOCAÇÃO DE IMÓVEL. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO C.C. COBRANÇA DE ALUGUÉIS E MULTA CONTRATUAL. Sentença que julgou a ação extinta sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VII, do CPC (existência de convenção de arbitragem). Insurgência da autora, aduzindo que a câmara arbitral eleita pelas partes encerrou suas atividades, bem como que o juízo arbitral é desprovido de poder de império, não podendo, assim, decretar o despejo dos locatários. Irrelevante o argumento de descontinuidade das atividades por parte da câmara arbitral eleita pelas partes. Aplicação analógica do art. 16, § 2º, da Lei nº 9.307/96. Contudo, com razão no tocante à impossibilidade de o Juízo arbitral conceder o provimento jurisdicional pretendido. Medida de despejo por falta de pagamento que possui natureza executiva, de modo que mesmo que as partes convencionem submeter todas as controvérsias do contrato ao juízo arbitral, algumas questões, por sua própria natureza, não poderão dispensar a atuação do juízo estatal. Entendimento recente do C. STJ ( REsp nº 1481644/SP). Anulação da sentença de primeiro grau que se impõe, com a devolução dos autos à origem, para prosseguimento da instrução e posterior julgamento do mérito da ação. RECURSO PROVIDO"(TJ-SP - AC: 10229374620208260564 SP 1022937-46.2020.8.26.0564, Relator: Alfredo Attié, Data de Julgamento: 21/09/2021, 27ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 21/09/2021).
O presente artigo tem, como objetivo trazer à tona, com a ilustração de um caso prático, uma discussão inerente ao direito: a dificuldade na execução de sentenças, causada pelas inúmeras e criativas maneiras que os devedores encontram para fugir de obrigações de pagar. No caso concreto a ser analisado, em síntese, os devedores realizaram um share purchase agreement (SPA), na tentativa de estender os efeitos da cláusula de jurisdição à terceiro - o credor - não signatário, com cláusula de eleição de foro a fim de afastar a competência da justiça húngara para dar seguimento ao cumprimento de uma sentença arbitral. A dificuldade na execução é antiga e com a invenção do direito, nas palavras de José Roberto Castro Neves1, passou a ser do Direito a obrigação de solucioná-la. Não por outra razão, a ação pauliana é um dos instrumentos mais antigos de repressão à fraude contra credores2.  A arbitragem, como meio de resolução de conflitos, não foge à regra e o caso a ser analisado demonstra mais uma tentativa dos devedores de fugar-se da execução de uma sentença arbitral, por meio da confecção de um SPA com cláusula de jurisdição. Em 2007, as partes firmaram determinado contrato e, diante do seu descumprimento, o requerente iniciou um procedimento arbitral perante a Moscow Arbitration Court e obteve uma sentença arbitral condenatória, que obrigou o requerido ao pagamento de 49 milhões de euros acrescido de juros, que, a partir desse momento, se tornou credor. Em 2021, o requerido, ora devedor, transferiu suas ações, por meio de um SPA, para uma terceira pessoa jurídica que, com isso, passou também a ser devedora. No referido instrumento, eles estipularam que quaisquer disputas envolvendo as partes seriam dirimidas pela Corte de Mainz na Alemanha. Munido da sentença arbitral, o credor ajuizou demanda perante a justiça húngara, objetivando a declaração de ineficácia do SPA, com o fundamento de que o negócio jurídico havia sido firmado para ocultar ativos e evitar a execução da sentença arbitral. Para defender a competência do Poder Judiciário da Hungria, o credor utilizou, como fundamento, o artigo 7º, item 1.a.3, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, segundo o qual as pessoas domiciliadas em um Estado-Membro podem processar o devedor de outro Estado-Membro no local onde a obrigação será executada. Nesse sentido, o credor apontou que foram identificados ativos dos devedores no país. Como era de se esperar, os devedores arguiram a incompetência da justiça húngara para processar a execução da sentença arbitral, devido à cláusula de jurisdição do SPA. A primeira instância acolheu o pedido de incompetência formulado pelos devedores com base no artigo 254 do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 e entendeu que a justiça alemã teria jurisdição exclusiva para apreciar a questão, uma vez que a execução em discussão teria relação com o SPA. Em sede de apelação, o credor argumentou que o artigo 25 do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 não teria sua aplicabilidade estendida a terceiros que não fizeram parte do SPA e que se limitaria às partes do contrato, de modo que não o atingiria. Afinal, o credor não só não foi parte do SPA, como também a própria ação tem por base a sentença arbitral, e não o contrato. Assim sendo, a segunda instância reformou a decisão com base em diversos precedentes do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE)5, o qual estabelecem que uma disputa só será considerada relacionada ao contrato se faz referência a alguma obrigação voluntariamente assumida pelas partes litigantes. Com efeito, a segunda instância concluiu que, para fins de competência, o SPA era irrelevante. Na mesma oportunidade, foi reforçado que a cláusula de jurisdição só poderá ser aplicável às partes do contrato. Contudo, para que não houvesse dúvidas, a decisão fez a ressalva de que a cláusula compromissória também irá vincular um terceiro que assuma o papel do contratante original, ou seja, eventual sucessor do contratante original ao adquirir os direitos e deveres do contratante original, também assume a escolha de jurisdição arbitral feita. Em seguida, a segunda instância passou a analisar se a justiça húngara teria jurisdição para seguir com a execução da sentença arbitral ou não. Nessa análise, utilizou como fundamento o precedente Feniks sp z.o.o VS. Azteca Products & Services SL6, oportunidade na qual o órgão entendeu que a ação pauliana7, proposta com base na celebração de um contrato, enquadra-se como matéria contratual e, consequentemente, poderá ser movida no lugar do cumprimento da obrigação. Concluindo, por assim ser, que a justiça húngara seria competente para apreciar a ação. A despeito de o caso analisado reforçar o princípio pacta tertii nec nocent nec prosunt ("um contrato vincula apenas as partes, não cria obrigações para terceiros"), isto é, uma cláusula de jurisdição, que é em si um contrato, só poderá ser invocada por aqueles que fazem parte dele, o próprio TJUE já julgou alguns casos nos quais a cláusula de jurisdição se estendeu para terceiros que não fizeram parte do acordo inicialmente. Por exemplo, no caso Powell Duffryn plc Vs. Wolfgang Petereit8, julgado pelo TJUE, foi determinado que a cláusula de jurisdição inserida nos estatutos das companhias obriga não só os fundadores, como também todos os acionistas novos, inclusive os que eventualmente votaram contra a cláusula. Nesse ponto, vale destacar que a doutrina9 e jurisprudência brasileira já reconhecem a extensão da cláusula compromissória ao sócio que restou vencido na votação que institui a cláusula arbitral, em prestígio ao affectio societatis, declaração de vontade expressa e livre do sócio concedida ao ingressar na sociedade, devendo se sujeitar as decisões da maioria. Por outro lado, poderá o sócio vencido exercer seu direito de retirada. No caso Gerling Konzern Speziale Kreditversicherungs-AG and others VS. Amministrazione del Tesoro dello Stato10, por sua vez, que tratou de contratos de seguro, o TJUE entendeu que quando a seguradora e o titular da apólice firmarem expressamente cláusula de jurisdição e a seguradora tiver aceitado a cláusula em favor do segurado, a cláusula será estendida e válida também para o segurado. Contudo, fato é que tais casos são excepcionais e a extensão da cláusula nessas hipóteses se dá justamente pela posição do terceiro não signatário na circunstância fática concreta. De modo que a regra, quando se está tratando de cláusula de jurisdição, é de que ela não se estende aos terceiros não signatários. As discussões acerca da extensão da cláusula de jurisdição ao terceiro não signatário são ilimitadas, uma vez que exigem uma apreciação casuística - especialmente em se tratando de cláusulas compromissórias arbitrais, tema já extremamente debatido pela doutrina brasileira11 e estrangeira. Em vista disso, a despeito da distinção entre os sistemas jurídicos do common law e do civil law, é inegável que as experiências do direito comparado auxiliam no estudo e desenvolvimento de teses. __________ 1 NEVES, José Roberto de Castro. A invenção do direito: as lições de Ésquilo, Sófocles, Eurípedes e Aristófanes. 2ª ed. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2018. 2 JÚNIOR, Humberto Theodoro. A fraude de execução e o regime de sua declaração em juízo. Revista de Processo. Vol. 102, Abr. e Jun./2001, p. 68-88. 3 "Artigo 7º: As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro: 1) a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;" 4 "Artigo 25: Se as partes, independentemente do seu domicílio, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência, a menos que o pacto seja, nos termos da lei desse Estado-Membro, substantivamente nulo. Essa competência é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário." 5 Jakob Handte & Co. GmbH v Traitements Mécano-chimiques des Surfaces SA., No processo C-26/91; Ceská sporitelna, a.s. v Gerald Feichter. No processo C-419/11; Holterman Ferho Exploitatie BV e.a. v Friedrich Leopold Freiherr Spies von Büllesheim. No processo C-47/14;  Fonderie Officine Meccaniche Tacconi SpA v Heinrich Wagner Sinto Maschinenfabrik GmbH (HWS); No processo C-334/00. Disponíveis aqui. 6 Feniks sp z.o.o VS. Azteca Products & Services SL, No processo C-337/17. Disponível aqui. 7 Isto porque, segundo o magistério de Liebman, "o verdadeiro resultado da ação pauliana é estender a ação e a responsabilidade executória a determinados bens de terceiro, precisamente aqueles que foram objeto do ato fraudulento". (...) "A conseqüência da procedência da ação pauliana é a ineficácia com relação ao credor prejudicado, autor da ação, não beneficiando terceiros, não participantes do feito, o que é lógico, uma vez que esses terceiros precisarão, também, provar que foram prejudicados pela alienação, sendo credores quirografários em momento anterior à alienação questionada. (JÚNIOR, Humberto Theodoro. A fraude de execução e o regime de sua declaração em juízo. Revista de Processo. Vol. 102, Abr. e Jun./2001, p. 68-88.) 8 Powell Duffryn plc Vs. Wolfgang Petereit. No processo C-214/89. Disponível aqui. 9 LOURENÇO E SILVA, Miguel. Arbitragem societária: O problema do consentimento. Anuário da ADR LAB, Laboratório de Resolução Alternativa de Litígios, Universidade Nova de Lisboa. NOVA School of Law, Ano 3, 2020/2021, p. 173-199. 10 Gerling Konzern Speziale Kreditversicherungs-AG and others VS. Amministrazione del Tesoro dello Stato. No do processo 201/82. Disponível aqui. 11 TIBURCIO, Carmen. Cláusula compromissória em contrato internacional: interpretação, validade, alcance objetivo e subjetivo. Revista de Processo. Vol. 241, Mar/2015, p. 521/566.
Em recente julgado proferido pelo Superior Tribunal de Justiça dia 14 de março de 2023, há relevante questão decidida sobre arbitragem.  A controvérsia tratada no Recurso Especial 2.023.615 - SP1 foi se, a partir da vigência do Código de Processo Civil de 2015, diante da existência de cláusula compromissória arbitral estabelecida entre as partes, a pretensão de produção antecipada de provas, desvinculada da urgência (ou seja, com fundamento nos incisos II e III do art. 381 do CPC/2015), deve ser promovida diretamente perante o Tribunal arbitral ou se subsistiria, também nesse caso, a competência (provisória e precária) do Poder Judiciário estabelecida no art. 22-A da Lei de Arbitragem. Antes de tecer algumas breves considerações sobre o julgamento, sem qualquer pretensão, salvo trazer a notícia sobre a respeitável e muito bem fundamentada decisão, importante revisitarmos o tema. O árbitro tem poder para conceder a tutela de urgência, bem como a tutela de conhecimento, não podendo, entretanto, efetivar a tutela de execução2, reservada ao Poder Judiciário estatal. Entretanto, pode surgir a seguinte problemática: no caso de existir uma cláusula compromissória ou um compromisso arbitral em determinado contrato e surgir uma necessidade de uma tutela de urgência antes da constituição do Tribunal arbitral, o que deve ser feito? Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça3 e a lei 13129/15, a parte pode requerer tutela de urgência ao Poder Judiciário, e, no momento em que for constituído o tribunal arbitral o árbitro analisará a decisão do Juiz, podendo confirmar ou modificar o entendimento. Neste sentido, há a curiosa possibilidade de um particular, investido de jurisdição por força da vontade das partes que agiram autorizadas pela Lei, modificar a decisão do Magistrado integrante do Poder Judiciário estatal4, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça5. As partes podem optar por, ao invés de se utilizarem do Poder Judiciário, nomear um árbitro especificamente para decidir sobre a tutela de urgência, o que é recomendável, diante das vantagens da arbitragem6. Nessa hipótese, basta constar na cláusula a opção por Câmara que prevê em seu regulamento, o árbitro de emergência ou inserir a opção pela decisão sobre a tutela de urgência pelo árbitro de emergência. Antes deste julgado já defendíamos que caso inexista urgência, não poderá a parte acionar o Judiciário, salvo aditamento da cláusula por ambas as partes, para pleitear tutela provisória, sob pena de extinção do feito, aplicando-se o artigo 485, VII do Código de Processo Civil. Nesse sentido já decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo7. Importante salientar trecho elucidativo do Acórdão em comento (Recurso Especial 2.023.615 - SP): "O Código de Processo Civil de 2015 conferiu à ação de produção antecipada de prova nova qualificação jurídica, concebendo-a como um direito autônomo da parte à prova, desvinculando, especificamente nas hipóteses estabelecidas nos incisos II e III do art. 381, de sua natureza cautelar ou de seu caráter de urgência (concebida como o risco de perecimento da prova), o que dá margem à discussão, sobretudo no âmbito doutrinário, a respeito da aplicação do art. 22-A da Lei n. 9.307/1996, que preceitua o estabelecimento da jurisdição estatal para conhecer de medidas cautelares e de urgência antes da instauração da arbitragem".  O julgado do Superior Tribunal de Justiça, em estudo, aponta a existência de quatro correntes, sobre a competência para julgar a ação de produção antecipada de prova, diante da existência de cláusula arbitral: i) em regra cabe ao Judiciário, salvo se a cláusula expressamente prevê que cabe ao árbitro julgar a produção antecipada de prova:  Arthur Ferrari Arsuffi, em sua dissertação de mestrado, defende esta tese: "[...] É possível concluir, portanto, que, sendo a jurisdição arbitral uma exceção à regra geral, o compromisso arbitral deve ser interpretado de forma restritiva. [...] Nessa ordem de ideias, a produção antecipada da prova sem o requisito da urgência só estará sujeita à jurisdição arbitral no caso de haver expressa previsão no compromisso arbitral entabulado entre as partes. [...] Ou seja, a produção antecipada de prova sem o requisito da urgência tem como objeto uma relação jurídica diversa daquela que envolve a declaração do direito material em determinado caso concreto. Trata-se de uma relação jurídica. Trata-se de uma segunda relação jurídica, cujo protagonismo é a obtenção autônoma da prova. [...] Nesse sentido, em se tratando de uma relação jurídica diversa, sua sujeição ao juízo arbitral só ocorrerá se as partes, de forma expressa, incluírem tal previsão no compromisso arbitral. Caso contrário, a competência para conhecer da ação de produção antecipada de provas sem o requisito de urgência será do Poder Judiciário" (ARSUFFI, Arthur Ferrari. Produção Antecipada da Prova: Eficiência e Organização do Processo. Dissertação de Mestrado. Orientadora: Thereza Celina Diniz de Arruda Alvim. São Paulo. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2018. p. 163-167) Marcelo Mazzola e Rodrigo Torres ensinam8: "A questão se torna mais delicada quando não existe nenhum ajuste específico na convenção de arbitragem e não se trata de uma produção antecipada de prova de natureza cautelar, mas sim daquelas hipóteses previstas nos incisos II e III do art. 381 do CPC/15. Em tais casos, pode haver alguma controvérsia quanto ao cabimento da produção antecipada de prova, diante da eleição do Juízo Arbitral (art. 42 do CPC/15) e da competência do árbitro para deferir as provas necessárias (art. 22 da lei 9.307/96). Entendemos, porém, que o ajuizamento da produção antecipada de prova é perfeitamente possível e não viola a jurisdição arbitral. Primeiro, porque, no procedimento em questão, o juiz não se pronunciará "sobre a ocorrência ou a inocorrência do fato, nem sobre as respectivas consequências jurídicas" (art. 382, § 2º). Ou seja, não há vencido e vencedores, e tampouco a formação de coisa julgada. Trata-se, na verdade, de uma atividade que faz lembrar o disclosure do direito norte-americano. Ademais, não se admitirá defesa ou recurso, salvo contra decisão que indeferir totalmente a produção da prova pleiteada pelo requerente originário (art. 382, § 4º), o que confirma a intenção do legislador de não burocratizar o procedimento. Segundo, em razão do caráter dúplice da produção antecipada de prova, capaz de beneficiar tanto o requerente como o requerido. Com efeito, quando o juiz defere a medida, não é possível saber, de antemão, quem irá se beneficiar da respectiva prova. Significa dizer que, ao menos neste momento processual, não existe prejuízo para qualquer das partes e não há que se falar em desequilíbrio, desigualdade ou ausência de paridade de armas. Terceiro, porque a prova a ser produzida de forma antecipada pode ter um escopo maior do que aquele objeto da convenção arbitral e envolver outras pessoas interessadas (art. 382, § 1º), corroborando a utilidade da medida. Quarto, e último, porque, sob o prisma da análise econômica do direito e da eficiência processual - norma estruturante do processo civil (art. 8º do CPC/15) -, a medida é fundamental para reduzir custos. Imagine-se, por exemplo, uma convenção arbitral em que o objeto do conflito seja a exploração de jazidas de minério de ferro em determinada região do país. Suponhamos que não haja discussão quanto à exploração em si, mas as partes divirjam quanto ao território objeto da atividade, com acusação de invasão de área alheia". ii) a definição da competência para julgar a produção antecipada de provas depende da redação da cláusula: Arruda Alvim e Clarissa Diniz Guedes rechaçam a primeira corrente, asseverando que "o fato de o procedimento probatório constituir uma ação que versa o direito à prova não é suficiente para se alcançar qualquer conclusão sobre a atribuição do juízo arbitral ou do judiciário para a condução da produção antecipada da prova". Em seu entendimento, tampouco "a mera existência de cláusula compromissória arbitral também não é suficiente para indicar a jurisdição arbitral como adequada a conduzir a produção antecipada de provas". Sustentam, inclusive, não proceder o argumento favorável à generalização da jurisdição estatal, a pretexto do argumento de que, na ação de produção antecipada de provas, não haveria pronunciamento sobre os fatos ou solução da controvérsia existente entre as partes. Propugnam os insignes juristas, para o deslinde da questão, o adequado exame a respeito da extensão do compromisso arbitral, adotando-se o seguinte vetor interpretativo: "Nesse particular, assume especial destaque o texto da cláusula arbitral. Não havendo ressalvas quanto à produção antecipada de provas, afigura-se primordial analisar a redação desta cláusula que pode tanto aludir à via arbitral como ambiente para solucionar eventuais "conflitos" decorrentes da relação jurídica existente entre as partes, como fazer referência à atribuição do árbitro para resolver quaisquer questões atinentes à relação jurídica existente entre as partes. No último caso, parece-nos aceitável defender que a produção antecipada de provas está incluída na cláusula, desde que o fato probando integre a relação jurídica existente entre as partes, ou ao menos se inclua no contexto desta relação. Em tais circunstâncias, a amplitude da cláusula que se refere a quaisquer questões atinentes a determinada relação jurídica muito possivelmente incluirá o direito à prova dos fatos que circundam essa relação. E isso se pode afirmar independentemente de se considerar a produção antecipada de prova como uma ação de conteúdo processual: se o objeto desta ação forem fatos pertinentes à relação jurídica mencionada na cláusula arbitral, é certo que os fatos a ela concernentes estão incluídos na ideia ampla que quaisquer questões que digam respeito a tal relação jurídica. Já no caso de a cláusula arbitral ser mais restrita, como no exemplo, muito usual, da cláusula que estabelece a via arbitral como sede para 'dirimir eventuais conflitos entre as partes', afigura-se-nos que a produção antecipada de provas não está, em princípio, incluída na renúncia à jurisdição estatal, que não pode ser interpretada de forma excessivamente ampliativa. [...] Devemos ponderar, ainda, que a Lei de arbitragem estabelece uma modalidade de renúncia à jurisdição que deve ser inequívoca; desse modo, havendo dúvidas sobre a abrangência da cláusula arbitral, poderá o interessado exercer o direito de ação de conteúdo processual (produção antecipada de provas) perante o Judiciário, não podendo lhe ser imposta a via arbitral' (ALVIM, Arruda; GUEDES, Clarissa Diniz. Produção Antecipada de Prova e Juízo Arbitral. Revista dos Tribunais. Vol. 1008. ano 108. p. 23- 40, São Paulo: Ed. RT, outubro 2019)"9. iii) todas as ações probatórias autônomas estão abrangidas pela convenção: Eduardo Talamini assinala que, "em princípio, as ações probatórias autônomas relativas a determinado litígio estão abrangidas pela convenção arbitral para ele estipulada"; logo, "não havendo urgência que impedisse aguardar-se o início da arbitragem, a produção antecipada da prova para fins não cautelares normalmente deveria ser feita em processo arbitral específico para tal fim". O autor, no entanto, aponta situações nas quais a ação, mesmo sem urgência, poderá ser promovida perante o Poder Judiciário, quando: i) "apenas a própria produção antecipada da prova permitirá ao requerente definir os exatos contornos de sua pretensão, inclusive para saber se ela está efetivamente abrangida pela convenção arbitral"; ii) ciência antecipada por parte do interessado de que a parte adversa irá resistir à produção probatória, a exigir, do mesmo modo, a atuação do juiz estatal para a adoção de medidas coercitivas; iii) no caso de singeleza da prova diante dos elevados custos da arbitragem" (Produção Antecipada de prova no Código de Processo Civil de 2015. Revista de Processo. Vol. 260. São Paulo: Ed. RT, outubro de 2016, p. 75-101). iv) somente cabe à jurisdição estatal a produção de prova, caso exista algum óbice à apreciação urgente pelo árbitro, visando preservar o direito à prova da parte postulante que se encontra em situação de risco: "Ausente esta situação de urgência, única capaz de autorizar a atuação provisória da Justiça estatal em cooperação, nos termos do art. 22-A da Lei de Arbitragem, toda e qualquer pretensão - até mesmo a relacionada ao direito autônomo à prova, instrumentalizada pela ação de produção antecipada de provas, fundada nos incisos II e II do art. 381 do CPC/2015 - deve ser submetida ao Tribunal arbitral, segundo a vontade externada pelas partes contratantes. Veja-se, portanto, que, em sendo a pretensão afeta ao direito à prova indiscutivelmente relacionada à relação jurídica contratual estabelecida entre as partes, cujos litígios e controvérsias dela advindos foram, sem exceção, voluntariamente atribuídos à arbitragem para solvê-los, dúvidas não remanescem a respeito da competência exclusiva dos árbitros para julgar a correlata ação probatória desvinculada de urgência"10. "Por fim - porque guarda em si argumentos que se me afiguram irrefutáveis -, merece destaque a compreensão adotada por Flávio Luiz Yarshell, Viviane Siqueira Rodrigues, Eduardo de Carvalho Becerra e Fábio de Souza. R. Marques, segundo a qual, sendo indiscutível o caráter jurisdicional da atividade desenvolvida pela arbitragem ao julgar ações probatórias autônomas, as quais guardam, em si, efetivos conflitos de interesses em torno da própria prova, cujo direito à produção é que constitui a própria causa de pedir deduzida (resistida pela parte adversa), a estipulação de compromisso arbitral atrai inarredavelmente a competência do Tribunal arbitral para conhecer a ação de produção antecipada de provas, asseverando, pois, ser a urgência, 'que dita a impossibilidade prática de a pretensão aguardar a constituição da arbitragem', a única exceção legal à competência dos árbitros. Pela relevância dos argumentos, de toda oportuna a sua transcrição: "Assentada a premissa do caráter jurisdicional das atividades engendradas para a antecipação da prova, dúvida nenhuma pode haver acerca da possibilidade de tal procedimento ser conduzido por árbitros que, afinal, são juízes de fato e de direito (LArb, art. 18), e, pois, também exercem atividade jurisdicional. [...] Assim, inexistindo distinção entre a tutela alcançada em um e outro âmbito, não faz sentido retirar o procedimento de produção antecipada da prova do rol de atribuições do árbitro, a menos que se entenda que estaria ele a exercer apenas uma jurisdição parcial. Sucede que essa construção, preservada convicção diversa, não faria sentido sequer do ponto de vista lógico, na medida em que o objetivo fundamental da convenção arbitral é justamente o de excluir a jurisdição estatal. As ressalvas são hipóteses expressamente previstas na LArb e que, como a doutrina bem adverte, devem ser entendidas em favor da arbitragem, dado que seu condão é justamente o de preservar a instituição, o funcionamento e a atividade do procedimento. De todo modo, sendo a jurisdição atividade vocacionada à solução imperativa de conflitos, cumpre [...] destacar especificamente onde está o conflito no procedimento da produção antecipada da prova. Sobre o tema, recorde-se que a natureza autônoma do direito à prova, naturalmente, não o torna absoluto. Ao contrário: se a produção de determinadas provas pode acarretar relevante restrição a valores tutelados pelo ordenamento jurídico como o sigilo, a privacidade e outros, é natural que o exercício de tal direito deva ser compreendido dentro de certos limites. E esses limites deverão ser determinados a partir da ligação que a prova cuja produção se requereu possui com a situação de direito material subjacente. As discussões, pois, que gravitam em torno do direito (ou não) à produção de tal ou qual prova, conduzem à conclusão de que as ações probatórias autônomas tratam de efetivos conflitos estabelecidos em torno da própria prova, cujo direito à produção é o que constitui a própria causa de pedir deduzida; e que, portanto, materializam real ou potencial oneração ou restrição à esfera jurídica do demandado (tal como acima se exemplificou com o sigilo e a privacidade). Dado que o exercício do direito à prova, autônomo que é, onera as partes e gera efeitos substanciais (e que atuam, inclusive, sobre mora, interrupção da prescrição etc.), forçoso é concluir pela fragilidade do argumento que ora rebatemos; ressalvado, naturalmente, respeito à convicção diversa. [...] Mas, vai-se além: ainda que não se pudesse vislumbrar a existência de um conflito no plano do Direito material, mesmo assim controvérsia dessa ordem não poderia ser tida como condição absoluta para o exercício da jurisdição arbitral. Afinal, se as partes podem escolher qual jurisdição - se arbitral ou estatal - será a responsável por dirimir um conflito, por que não poderiam fazê-lo - ressalvados os argumentos de cunho mercadológico que não são objeto do presente estudo - para uma atividade que, excluído o elemento jurisdicional conflituoso do procedimento, seria então, meramente homologatória? Aqui, se prevalecesse o raciocínio, quem poderia o mais não poderia o menos; o que, mormente à luz do até então enunciado, não encontraria explicação plausível. E mais: se a jurisdição arbitral pode ser instada a apreciar tutelas de urgência mesmo antes da nomeação do árbitro ou da constituição do painel e, por conseguinte, poderia apreciar a produção antecipada de provas fundada em urgência, qual seria a razão para se excluir dos árbitros a apreciação desse mesmo pleito quando não fundado em urgência? Só se explicaria se o fator "urgência" fosse responsável por criar um conflito que, de outra forma, não existiria; construção que, escusado dizer, não teria sentido. [...] A tudo o que já se argumentou acima ainda se soma a conveniência de relegar a presidência da colheita da prova àquele que, no futuro, se e quando houver litígio sobre a matéria de fundo, será incumbido de valorá-la. [...] primeiro e talvez mais relevante aspecto a ser tratado é o seguinte: a produção antecipada da prova resulta, ao fim e ao cabo, em documentação daquilo que se provou; seja qual for o meio de prova. [...] Privar o árbitro da colheita da prova, portanto, afora ser incoerente sob a perspectiva prática, também poderá impor a própria repetição da prova no procedimento arbitral; o que, salvo melhor juízo, importará dupla incongruência, na medida em que, de um lado, vai de encontro tanto aos postulados que permeiam a escolha das partes pela arbitragem, quanto, de outro, com a lógica que norteia a própria produção antecipada da prova. Segundo, conquanto eventual decisão do juízo estatal - definindo que a prova produzida é válida ou inválida ou que a parte tem ou não tem o direito a produzi-la - não tenha o condão de formar coisa julgada; não se afigura possível submeter às partes à repetição injustificada da prova produzida antecipadamente; o que, preservada convicção diversa, poderia gerar fenômeno análogo à eficácia preclusiva da coisa julgada e inviabilizar a produção da prova na arbitragem. [...] Terceiro, também relativamente à flexibilidade admitida na arbitragem: diante da disponibilidade que permeia o procedimento arbitral, é possível que a prova seja produzida preliminarmente no âmbito da própria arbitragem, em fase inicial de postulação. [...] O quarto fundamento favorável à antecipação da prova ser presidida pelo juízo arbitral diz com o prestígio à vontade das partes e ao princípio do favor arbitral: havendo dúvida sobre a competência para examinar a matéria, deve ser privilegiada a opção das partes pela submissão ao juízo arbitral. Se é certo que a jurisdição arbitral repele a estatal que, portanto, assume feição meramente residual, é igualmente certo que, se o litígio for submetido à arbitragem, desde logo e por coerência, também deverá ser eventual medida antecipatória de prova; donde, portanto, a conclusão de que é possível haver arbitragem probatória. Note-se: a única exceção legal à competência dos árbitros, e, ainda assim, facultativa da ida ao Judiciário, não impositiva - é a urgência que dita a impossibilidade prática de a pretensão aguardar a constituição do Tribunal Arbitral" (Produção Antecipada de Prova Desvinculada da Urgência na Arbitragem: Réquiem? YARSHELL, Flávio Luiz; PEREIRA, Guilherme Setoguti (Coordenadores). in Processo Societário IV. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 455-472)"11. No Recurso Especial nº 2.023.15 - SP ora em análise, o Superior Tribunal de Justiça assentou que: "Ausente esta situação de urgência, única capaz de autorizar a atuação provisória da Justiça estatal em cooperação, nos termos do art. 22-A da Lei de Arbitragem, toda e qualquer pretensão - até mesmo a relacionada ao direito autônomo à prova, instrumentalizada pela ação de produção antecipada de provas, fundada nos incisos II e II do art. 381 do CPC/2015 - deve ser submetida ao Tribunal arbitral, segundo a vontade externada pelas partes contratantes". Concluindo que "[...] em sendo a pretensão afeta ao direito à prova indiscutivelmente relacionada à relação jurídica contratual estabelecida entre as partes, cujos litígios e controvérsias dela advindos foram, sem exceção, voluntariamente atribuídos à arbitragem para solvê-los, dúvidas não remanescem a respeito da competência exclusiva dos árbitros para julgar a correlata ação probatória desvinculada de urgência. Desse modo, não configurada situação de urgência (assim entendida como risco de perecimento da prova e/ou impossibilidade material de sua produção em momento oportuno), toda e qualquer pretensão relativa ao direito autônomo à prova deve ser submetida ao juízo arbitral em cumprimento à vontade externada pelas partes em compromisso dessa natureza. Impõe-se, portanto, respeitar a liberdade das partes contratantes bem como a exata extensão da cláusula compromissória arbitral. Esta última, redigida sem nenhuma ressalva, como se vê na hipótese dos autos, submete ao juízo da arbitragem todo e qualquer conflito, inclusive, como mais uma vez bem destacou o Relator, "aquele atinente ao direito material à prova - advindo da relação jurídica contratual em cujo instrumento foi inserida" (voto - pág. 19). Desse modo, é de se reconhecer que, ao subtrair do juízo arbitral a competência (que lhe é exclusiva) para processar e julgar a ação de produção de provas ora em comento, fundada exclusivamente nos incisos II e III do art. 381 do CPC/2015, a Corte de origem acabou por malferir, como bem demonstrado pela ora recorrente, a inteligência do art. 22-A da lei 9.307/1996 (com a redação dada pela lei 13.129/2015". Em conclusão, a corrente doutrinária que sustenta que somente cabe à jurisdição estatal a produção de prova, caso exista algum óbice à apreciação urgente pelo árbitro, visando preservar o direito à prova da parte postulante que se encontra em situação de risco, adotada no Recurso Especial nº 2.023.15 - SP, apresenta-se, em nossa compreensão, como a mais consentânea com a articulação - e mesmo com a divisão de competências legais - existente entre as jurisdições arbitral e estatal, reservando-se a esta última, em cooperação àquela, enquanto não instaurada a arbitragem, preservar o direito à prova da parte postulante que se encontra em situação de risco, com o escopo único de assegurar o resultado útil de futura arbitragem. __________ 1 STJ, REsp n. 2.023.615/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 20/3/2023. 2 Nesse sentido no STJ: "o árbitro não tem poder coercitivo direto, não podendo impor, contra a vontade do devedor, restrições a seu patrimônio, como a penhora, e nem excussão forçada de seus bens" (REsp 944.917/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/2008, DJe 03/10/2008). 3 "DIREITO PROCESSUAL CIVIL. ARBITRAGEM. MEDIDA CAUTELAR. COMPETÊNCIA. JUÍZO ARBITRAL NÃO CONSTITUÍDO. 1. O Tribunal Arbitral é competente para processar e julgar pedido cautelar formulado pelas partes, limitando-se, porém, ao deferimento da tutela, estando impedido de dar cumprimento às medidas de natureza coercitiva, as quais, havendo resistência da parte em acolher a determinação do(s) árbitro(s), deverão ser executadas pelo Poder Judiciário, a quem se reserva o poder de imperium. 2. Na pendência da constituição do Tribunal Arbitral, admite-se que a parte se socorra do Poder Judiciário, por intermédio de medida de natureza cautelar, para assegurar o resultado útil da arbitragem. 3. Superadas as circunstâncias temporárias que justificavam a intervenção contingencial do Poder Judiciário e considerando que a celebração do compromisso arbitral implica, como regra, a derrogação da jurisdição estatal, os autos devem ser prontamente encaminhados ao juízo arbitral, para que este assuma o processamento da ação e, se for o caso, reaprecie a tutela conferida, mantendo, alterando ou revogando a respectiva decisão. 4. Em situações nas quais o juízo arbitral esteja momentaneamente impedido de se manifestar, desatende-se provisoriamente as regras de competência, submetendo-se o pedido de tutela cautelar ao juízo estatal; mas essa competência é precária e não se prorroga, subsistindo apenas para a análise do pedido liminar. 5. Recurso especial provido" (REsp 1297974/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 19/06/2012). 4 CAHALI, Francisco José. Curso de Arbitragem. Mediação. Conciliação. Resolução CNJ 125/2010. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017, p. 306. 5 "PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CAUTELAR. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA ARBITRAL. AJUIZAMENTO PRÉVIO PERANTE A JUSTIÇA ESTATAL. INSTITUIÇÃO DO JUÍZO ARBITRAL. COMPETÊNCIA. 1. O prévio ajuizamento de ação cautelar perante o Poder Judiciário deriva do poder geral de cautela insculpido na legislação processual e hoje previsto expressamente nos artigos 22-A e 22-B da Lei n. 9.307/1996, incluídos pela Lei n. 13.129/2015. A atribuição de processá-la, todavia, após a instauração da arbitragem, é do juízo arbitral, ocasião em que poderá reanalisar a medida eventualmente concedida. 2. Recurso especial conhecido e provido" (REsp 1586383/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 14/12/2017). 6 Sobre o tema vide: FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves; ROCHA, Matheus Lins; FERREIRA, Débora Cristina Fernandes Ananias Alves. Lei de Arbitragem comentada: artigo por artigo. São Paulo: Juspodivm, 2019. 7 "APELAÇÃO. AÇÃO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. DIREITO AUTÔNOMO À PROVA. CLÁUSULA ARBITRAL. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS PARA A INTERVENÇÃO DO JUÍZO ESTATAL. ART. 22-A DA LEI DE ARBITRAGEM. URGÊNCIA INEXISTENTE. REQUISITOS DO ART. 300 DO NCPC. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ARBITRAL. EXTINÇÃO MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA", Apelação Cível nº 1125900-40.2018.8.26.0100, 1ª Cam. Res. Dir. Emp., Rel. Des. Alexandre Lazzarini, j. 21.08.2019. " Indeferimento de medida cautelar anterior à arbitragem visando à produção antecipada de provas. Pedido de caráter satisfativo que não se enquadra no disposto no art. 22A da Lei de Arbitragem, visto que não restou evidenciada a urgência. Regulamento da Câmara com previsão da figura de um árbitro de emergência. Competência do juízo arbitral para dirimir a tutela de urgência" (TJSP, 1ª Cam Res Dir Emp, TP 2005238-05.2019.8.26.0000, j. 22.01.2019, monocrática). 8 Disponível aqui. 9 STJ, REsp n. 2.023.615/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 20/3/2023. 10 STJ, REsp n. 2.023.615/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 20/3/2023. 11 STJ, REsp n. 2.023.615/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 20/3/2023.
O agro não é só tech e pop: o agro também é arb Pero Vaz de Caminha mostrou-se visionário ao relatar na famosa carta dirigida ao Rei que: "Nesta terra, em se plantando, tudo dá". E, de fato, fruto de massivo investimento em ciência e tecnológica, o país chega ao final do ano de 2022 a US$ 1 tri no acumulado de dez anos relativamente à receita do exponencialmente produtivo agronegócio. O PIB nacional é impactado pelo agro em aproximadamente 25% e ele responde por 37% dos empregos existentes. Cabe destacar ainda que, se tratou de um dos poucos setores não afetados pela pandemia, tendo permanecido com tendência ascendente. A diversidade das relações jurídicas advindas do agro é ilimitada e os litígios do setor demandam conhecimentos quanto às especificidades atinentes às leis que regulam cada uma das atividades agroindustriais, aos usos e aos costumes. Ademais, o julgador deve ter conhecimento aprofundado relativamente às peculiaridades das operações, sob pena de julgar de forma dissociada da realidade desse microssistema e gerar indesejável injustiça. Nos litígios envolvendo o agronegócio, em atenção à inerente dinâmica característica do mercado, decisões céleres são essenciais para o setor. Notório que o objeto do negócio se refere a bens que são perecíveis, do mesmo modo, as safras são sazonais, a logística de armazenamentos é dinâmica e todo sistema de exportações mostra-se diligente. A crescente sofisticação e complexidade quanto à tecnicidade dos assuntos geram a necessidade de devida adequação jurídica relativamente a cada uma dessas operações e o julgador deve aliar o conhecimento específico aprofundado das cada vez mais novas áreas, com os princípios de base do setor, costumes e princípios gerais do direito. O Poder Judiciário, desde muito, está em crise e não dispõe da especialização e de celeridade necessárias ao segmento, e, desta forma, não mais pode oferecer uma solução adequada para os conflitos surgidos no agro. A complexidade das relações multifacetadas demandam a adoção de um mecanismo adequado de resolução de controvérsias: a arbitragem. Felizmente, existem no país câmaras especializadas na agroindústria, no meio ambiente, e nas questões agrárias. É o caso, por exemplo, da CAMARB que incorporou a Câmara de Mediação e Arbitragem da Sociedade Rural Brasileira. Recentemente, vem surgindo outras câmaras arbitrais voltadas ao setor, em paralelo ao fato de que as câmaras clássicas, já vêm disponibilizando quadros de árbitros especializados no tema, tal como a CAMES, a Câmara da Ciesp/Fiesp, a Câmara da FGV e o CBMA, tudo isso na esteira de suprimento de forma suficiente e qualificada do vácuo deixado pela jurisdição estatal. Ressalte-se que, a sistemática do agro agrega além da agropecuária em si, toda a produção e comercialização de insumos, envolve a indústria de processamento, passa pelas redes de armazenamento e distribuição e, ainda, tem-se a atuação da ciência, tecnologia, pesquisa e serviços de apoio como o de assistência técnica e transporte. Indiretamente, envolve os setores de exportação e importação, de serviços alfandegários, portuários, aeroportuários, e os mercados e atacadistas responsáveis por fazerem os produtos chegarem no consumidor final. Por fim, se faz presente o mercado acionário no qual as ações das empresas agro presentes na bolsa de valores são negociadas. O objeto dos temas que vem sendo postos na via arbitral são os mais diversos. Vão desde litígios tendo por base contratos de compra e venda de commodities, passam por contratos de parceria e arrendamento, caminham pelos conflitos relativos aos contratos de financiamento rural e de compra e venda de insumos, perpassam os contratos imobiliários e desembocam até no amplo espectro das relações societárias. Necessário mencionar que a lei 13.986/2020, tida como o marco legal do agro, foi e é responsável pelo grande salto fruto do fomento normativo à agroindústria nacional. Abriu caminho para que títulos recebíveis do agro pudessem ser atrelados à moeda estrangeira, o que fez com que houvesse substancial ingresso de investimento estrangeiro no setor. E, a condição para que cada centavo de dólar ingresse no Brasil é que eventuais controvérsias advindas das relações jurídicas estabelecidas sejam solucionadas pela arbitragem. Nesse sentido, inócuo seria o novo marco legal e desimportante seria toda a nossa produtividade no campo, se inexistisse investimento estrangeiro salvaguardado pela segurança jurídica da arbitragem, condição para o seu ingresso. O reflexo nas câmaras de arbitragem foi direto e imediato. Como exemplo, o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, indica que os setores de agricultura e de alimentação representaram 7,62% dos casos julgados em 2020 e 8,59% dos casos em 2021. Os percentuais são expressivos e crescentes. Os investimentos advindos dos fundos de investimentos internacionais, das instituições financeiras estrangeiras aqui passaram a encontrar um local de lucro certo e elevado, além de seguro, ante a qualificada jurisdição privada existente. Assim, o país que é orgulhosamente responsável por alimentar a humanidade e que é exemplo de um agro tecnológico, popular, de vanguarda e de economia verde altamente produtiva, também passa a ser exemplo de disposição de instrumentos legais necessários para dar aos investidores segurança jurídica pautada em eficientes, qualificados e céleres meios de solução de controvérsias, tendo a arbitragem como valor central.
Entre as muitas interações entre o Poder Judiciário e o juízo arbitral1, está a ação de complementação de sentença arbitral, prevista no art. 33, § 4º, da lei 9.307/96 ("A parte interessada poderá ingressar em juízo para requerer a prolação de sentença arbitral complementar, se o árbitro não decidir todos os pedidos submetidos à arbitragem"). Tal dispositivo foi incluído pela lei 13.129/15, que alterou a Lei de Arbitragem e - entre outras coisas -: a) corrigiu o § 1° do art. 23 para admitir expressamente a sentença parcial; b) revogou o inciso V do art. 32, que autorizava a propositura de ação anulatória quando a sentença arbitral não decidisse "todo o litígio submetido à arbitragem"; e c) aperfeiçoou a redação do § 1° do art. 33 para admitir, expressamente, o cabimento de ação anulatória em face de sentença arbitral parcial. Diferentemente da ação anulatória (art. 33, caput, da Lei de Arbitragem), cujas causas de invalidação da sentença arbitral estão no rol taxativo do art. 322, a ação de complementação da sentença arbitral se justifica pelo fato de o árbitro não ter apreciado um dos pedidos formulados. Ou seja, a hipótese é de uma sentença arbitral citra petita. Na visão de José Rogério Cruz e Tucci, entre os vícios que maculam a sentença arbitral, encontra-se aquele referente à falta de harmonia entre o "que foi pedido e o que foi efetivamente decidido. A sentença arbitral é passível de anulação e/ou complementação quando for considerada respectivamente ultra, extra ou citra petita, porque infiel ao objeto do processo".3 Nesse contexto, "caso o árbitro deixe de se manifestar sobre alguma questão abrangida pela convenção de arbitragem, deverá o juiz devolver o processo ao árbitro para que este se manifeste sobre a questão pendente".4 Importante ter em mente que o juiz não analisará o mérito da sentença arbitral, mas apenas examinará se a decisão deixou de examinar um dos pedidos formulados, sem qualquer incursão na discussão de fundo.5 Na prática, cabe ao Poder Judiciário fazer uma confrontação objetiva entre o conjunto de pedidos formulados pelas partes e a decisão arbitral, de modo que, "constatada a ausência de subsunção dos pedidos vis a vis e o que fora decidido pela sentença arbitral, consubstanciada estará a procedência do pedido autoral"6. Em outras palavras, se restar configurada a incongruência entre os pedidos deduzidos e a sentença arbitral, deverá o Judiciário determinar que o árbitro ou o tribunal arbitral prolate nova decisão, examinando o item não apreciado. Registre-se que a falta de análise de um dos pedidos (hipótese do art. 33, § 4º) também pode materializar a violação ao art. 26, III, da Lei de Arbitragem (no dispositivo, os árbitros devem resolver as "questões que lhes forem submetidas"), o que autorizaria, em tese, a ação anulatória com base no art. 32, III (em virtude da ausência dos requisitos do art. 26, já que, embora a sentença tenha dispositivo, este está incompleto). Nessa hipótese específica, deve ser observado o prazo de 90 dias para a propositura da ação anulatória. Por outro lado, em relação ao prazo para a propositura da ação de complementação da sentença arbitral7, entendemos que deve ser observado o prazo prescricional inerente à respectiva pretensão. Isso porque, resgatando a clássica lição de José Carlos Barbosa Moreira, "se o todo é inexistente quando nenhum dos itens que compunha o thema decidendum foi objeto de pronunciamento na conclusão, por igualdade de razão será inexistente a parte ou capítulo relativo a algum item específico, sobre o qual haja deixado o juiz de pronunciar-se no dispositivo".8 Ou seja, se um pedido não foi apreciado, nada foi decidido em relação a ele, podendo a parte propor uma nova ação para discutir o tema.9 Alguma controvérsia pode existir acerca da possibilidade de propositura da ação de complementação da sentença arbitral, quando a parte interessada não tiver apresentado anteriormente eventual pedido de esclarecimento (art. 30 da Lei de Arbitragem10). Respeitados os posicionamentos em sentido contrário11 e salvo algum ajuste específico na convenção de arbitragem, entendemos que os "embargos arbitrais" não são um requisito de admissibilidade da ação de complementação da sentença arbitral. Assim como a ausência de embargos de declaração não impede, por exemplo, a propositura da ação para buscar a fixação dos honorários sucumbenciais não estipulados na decisão judicial transitada em julgado (art. 85, § 18, do CPC), não se pode fazer uma interpretação restritiva, suprimindo da parte o direito de propor a ação de complementação da sentença arbitral, mesmo que não tenha apresentado anteriormente o pedido de esclarecimento para corrigir a omissão. Até porque, o vício, na origem, não foi da parte, e sim do árbitro ou do tribunal arbitral, que deixou de apreciar algo que lhe foi requerido. Essa é a interpretação mais consentânea com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório e, ao mesmo tempo, evita que a parte prejudicada sofra novos prejuízos em decorrência de uma "preclusão-surpresa". ---------- 1 Para uma visão panorâmica da simbiose existente entre as jurisdições estatal e arbitral, ver PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; MAZZOLA, Marcelo. A cooperação como elemento estruturante da interface entre o Poder Judiciário e o Juízo Arbitral. Revista Eletrônica de Direito Processual - REDP. Rio de Janeiro. Ano 11. Volume 18. Número 3. Setembro a Dezembro de 2017, p. 198-218. 2 PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; MAZZOLA, Marcelo; Manual de Mediação e Arbitragem. São Paulo: SaraivaJur, 2019, p. 350. No mesmo sentido FERREIRA, Olavo A. V. Alves et al. Lei de Arbitragem Comentada. 2. ed. São Paulo: Juspodivm, 2021, p. 328. 3 CRUZ E TUCCI, José Rogério. Ainda sobre a liberdade do tribunal arbitral e o princípio da adstrição. Disponível em ConJur - Ainda a liberdade do tribunal arbitral e o princípio da adstrição. Acesso em: 10.01.2023. 4 FARIA, Marcela Kohlbach de. Ação anulatória da sentença arbitral: aspectos e limites. Brasília: Gazeta Jurídica, 2014, p. 75. No mesmo sentido: "(...) com a ação para complementação da sentença arbitral, busca-se, perante o Poder Judiciário, que o processo arbitral seja restabelecido, com o aproveitamento dos atos praticados, para que seja corrigida a decisão final da arbitragem, com a prolação de uma sentença arbitral complementar". GONÇALVES, Mauro Pedro. Os meios de Correção e Invalidação da sentença arbitral, de acordo com a jurisprudência do STJ. Revista de Arbitragem e Mediação, vol. 59, out-dez/2018, p. 167-179. 5 "Não cabe ao Poder Judiciário, que não é instância recursal do tribunal arbitral (também cf. art. 18, da Lei de Arbitragem), dizer se houve erro ou acerto na decisão de mérito proferida. O que se deve examinar, nesta análise preambular, é se a sentença arbitral parcial é, como se alega, extra e/ou infra petita, enquadrando-se em alguma das hipóteses do art. 32, e naquela do art. 33, § 4°, da Lei n. 9.307/96. Respeitado entendimento diverso, o exame dos autos demonstra que não resta evidenciado nem um, nem outro, e que, portanto, as hipóteses legais de nulidade da sentença arbitral e de prolação de sentença arbitral complementar não estão presentes no caso." TJ/SP, Agravo de Instrumento 2170826-30.2020.8.26.0000, Rel. Des. Grava Brazil, Segunda Câmara Reservada de Direito Empresarial, julgamento em 17.09.2020. 6 FIORAVANTI, Marcos Serra Neto. Sentença arbitral parcial e as consequências práticas das alterações trazidas pela Lei nº 13.129/2015. Disponível em Sentença arbitral parcial e as consequências práticas das alterações trazidas pela Lei nº 13.129/2015 | Portal Jurídico (investidura.com.br). Acesso em: 10.01.2023. 7 Entendemos que a escolha de uma via excluiria a outra. Ou seja, ajuizando-se a ação anulatória com base no art. 32, III, da Lei de Arbitragem, não faria sentido a ação de complementação da sentença arbitral. Da mesma forma, optando-se pela ação de complementação da sentença arbitral, faltaria interesse de agir para a ação anulatória com base no mesmo fundamento. Por outro lado, num cenário em que há uma primeira sentença parcial nula e uma segunda válida, porém incompleta, é possível, em tese, utilizar ambas as ferramentas. De toda forma, diante dos diversos cenários possíveis e da multiplicidade de soluções, optamos por não problematizar o ponto nesse breve ensaio. Oportunamente, retornaremos ao tema. 8 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Item do pedido sobre o qual não houve decisão. Temas de Direito Processual: segunda série. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 247. 9 No CPC/15, a lógica foi prestigiada e isso fica claro à luz do art. 85, § 18 ("Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança"). 10 Art. 30.  No prazo de 5 (cinco) dias, a contar do recebimento da notificação ou da ciência pessoal da sentença arbitral, salvo se outro prazo for acordado entre as partes, a parte interessada, mediante comunicação à outra parte, poderá solicitar ao árbitro ou ao tribunal arbitral que: I - corrija qualquer erro material da sentença arbitral; II - esclareça alguma obscuridade, dúvida ou contradição da sentença arbitral, ou se pronuncie sobre ponto omitido a respeito do qual devia manifestar-se a decisão. Parágrafo único. O árbitro ou o tribunal arbitral decidirá no prazo de 10 (dez) dias ou em prazo acordado com as partes, aditará a sentença arbitral e notificará as partes na forma do art. 29 11 "Outro ponto que não foi tratado no § 4º do artigo 33, mas que faz todo sentido, como condição de procedibilidade, isto é, como condição da ação de complementação, seria o fato de a parte autora ter apresentado pedido de esclarecimentos tendente a complementar a sentença arbitral ainda na arbitragem, pois se não o fez não me parece adequado que invoque o §4º para ajuizar demanda de complementação no Poder Judiciário (dormientibus non sucurrit jus)". FIORAVANTI, Marcos Serra Neto. Sentença arbitral parcial e as consequências práticas das alterações trazidas pela Lei nº 13.129/2015. Disponível em Sentença arbitral parcial e as consequências práticas das alterações trazidas pela Lei nº 13.129/2015 | Portal Jurídico (investidura.com.br). Acesso em: 10.01.2023.
Os filtros constitucionais e legais permissivos base do entendimento do stj, dos tribunais e da doutrina Todos os estatutos das sociedades anônimas abertas com ações listadas na bolsa de valores brasileira possuem cláusula a disciplinar que: "A Companhia, seus acionistas (...) obrigam-se a resolver, por meio de arbitragem, perante a Câmara de Arbitragem do Mercado da B3, na forma de seu regulamento, qualquer controvérsia que possa surgir entre eles, relacionada com ou oriunda, da sua condição de emissor, acionistas". E, assim, em tese, qualquer pedido de reparação de danos causados pelas Cias. aos acionistas deve ser formulado na via arbitral, através da Câmara de Arbitragem do Mercado da B3, Câmara que responsável pelo sistema arbitral que tem como objeto todo o mercado de ações no país. De início, vê-se que tal fato viola os princípios do livre mercado, da livre iniciativa, da livre concorrência, da liberdade econômica, e faz com que exista um indesejável monopólio, que vai de encontro, ainda, com os princípios do acesso à justiça e da inafastabilidade do Poder Judiciário. Os acionistas minoritários, que são aqueles apenas entram no home broker através de alguma corretora de valores e compram suas ações, sem concordar expressamente com os termos do estatuto, muito menos especificamente com a arbitragem imposta via estatuto, são os mais prejudicados. Nesse contexto, os referidos acionistas não podem acessar o Poder Judiciário, e também não podem acessar a Câmara de Arbitragem do Mercado da B3, em razão da tabela de custas ser impeditiva para causas que não sejam de valores elevados. Os artigos constantes dos estatutos das S/A`s abertas que estabelecem que as controvérsias entre acionista e Companhia devem ser resolvidos na via arbitral não passam pelos filtros constitucionais citados, violam, além disso, os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da igualdade, e, ainda, ferem o art. 3 da lei de arbitragem 9307/1996 ("As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral"), indicativo de que a arbitragem não pode ser compulsória e imposta sem haver concordância expressa do afetado por ela. Destaque-se que, a Lei 6.404/1976, "lei da S/A", dispõe em seu art. 109 § 3º, que o estatuto pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, poderão ser solucionadas mediante arbitragem. E, há complementação pelo art. 136-A, que disciplina que a aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações.     Nesse sentido, resta evidente que o estatuto poderá ter essa previsão, mas que quando da sua inclusão, o acionista, se não concordar, poderá até exercer o direito de retirada, fato que demonstra que a concordância ou não do acionista é elemento decisivo. Do mesmo modo, ao acionista que ingressa posteriormente na Cia. com a simples compra de uma ou mais ações via home broker, deve ser alertado sobre tal fato, para, então, ele poder apresentar o seu aceite ou não. Essa não oportunização de uma escolha informada e esclarecida, e, ao mesmo tempo, essa compulsoriedade dissociada da concordância, jamais poderá ser linha a ser seguida. A matéria já foi objeto de análise pelo Superior Tribunal de Justiça em 11/02/2020, no caso emblemático de litígio entre a União Federal e a Petrobras. A União Federal alegou que não poderia se submeter à arbitragem constante do estatuto da Petrobras, pois ela-União não apresentou concordância com essa disposição de submissão dos conflitos à arbitragem. E, a União se sagrou vencedora, tendo o STJ concluído que a ação deveria tramitar no Judiciário e não na via arbitral. Eis a célebre decisão do Superior Tribunal de Justiça: "CC n. 151.130/SP, (...) relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 27/11/2019, DJe de 11/2/2020 (...) O primeiro ponto que merece detida análise, a meu juízo, envolve a anuência/adesão ou não da União à cláusula compromissória prevista no artigo 58 do Estatuto da Petrobras (...) não autoriza a utilização e extensão do procedimento arbitral à União (...) em razão do próprio conteúdo da norma estatutária, a partir da qual não se pode inferir a referida autorização. (...) embora as questões societárias sejam suscetíveis de solução via arbitral, e isto a partir da exegese relacionada à afetação de questões decididas no âmbito interno da companhia, não se pode concluir pelo alcance irrestrito a direitos de terceiros que não estejam - por fundamentos estritamente relacionados ao âmbito societário - vinculados à cláusula compromissória estatutária (...) ausência de anuência expressa de submissão do ente ao pacto (...) no caso, há alegação de falta de condição de existência da cláusula compromissória a que se as suscitantes fundamentam sua pretensão e, nesse sentido, novamente rogando as mais respeitosas vênias, a matéria deve ser submetida à deliberação da Jurisdição estatal (...) conheço do conflito para declarar a competência do Juízo Federal suscitado". Nessa linha, os mestres Ana Caroline Okazaki e Henrique Afonso Pipolo: "Há, com efeito, um requisito necessariamente de forma para a validade e eficácia da cláusula compromissória estatutária que dependente de sua específica e formal adoção por parte de todos os compromissados. Sem essa expressa aprovação, a cláusula compromissória é nula por ferir o direito essencial do acionista de socorrer-se ao Poder Judiciário. E essa aprovação vincula os fundadores na constituição e os acionistas que, nas alterações estatuárias posteriores, tiverem expressamente renunciado ao direito essencial prescrito no § 2º do art. 109 da Lei n. 6.404/1976, para a inclusão desse pacto parassocial no estatuto". (Carvalhosa; Eizirik, 2002, p. 183- 184) Do mesmo modo, o Professor Dinamarco: "Favorecer obcecadamente a arbitragem, sem que haja sido manifestada uma vontade assim acima de dúvidas ao menos razoáveis, equivaleria erigir o extraordinário em ordinário, a dano da garantia constitucional da inafastabilidade da apreciação judiciária dos litígios (Const., art. 5.º, inc. XXXV)". (Dinamarco apud Viviane Rosolia Teodoro Revista de Mediação e arbitragem, v. 51, out.-dez. 2016, e-book). A 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, também já teve a oportunidade de se debruçar sobre a temática: "Entretanto, tal cláusula (arbitragem) não se aplica aos acionistas que não anuíram expressamente à sua introdução. A cláusula de arbitragem, como forma de limitação voluntária ao constitucional direito de ação, somente é oponível a quem inequivocamente abriu mão de seu direito, ou seja, é possível que a sociedade estabeleça a cláusula de arbitragem para suas relações, mas somente poderá ser invocada caso a parte contrária também tenha concordado previamente". (AI 1.0035.09.169452-7/001. 10ª Câmara Cível. Relator: Des. Gutemberg da Mota e Silva. Julgado em: 13 abr. 2010). Assim, considerando presente a inconstitucionalidade e a ilegalidade nos artigos estatutários que preveem a compulsoriedade da arbitragem sem concordância prévia do acionista, gera-se a nulidade das mesmas e ainda a invalidade ou ineficácia delas perante os acionistas, principalmente, os minoritários. Consequentemente, é medida que se impõe que, todos os acionistas que em algum momento da relação firmada com a Cia. se sentiram lesados, possam ingressar com ações individuais indenizatórias perante o Poder Judiciário.
Embora o árbitro não possua o poder de imperium, tal fato não importa à sua incompetência para julgar demandas de cunho executivo lato sensu: necessária revisão do entendimento STJ e do arquivamento PL 4.287/21. Como já de ciência da comunidade jurídica, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, através do REsp 1481644, publicado no dia 19/8/21, de relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão entendeu que, a ação de despejo, em razão de sua natureza executória, é da competência exclusiva do Judiciário, mesmo quando existir compromisso arbitral firmado entre as partes. Na mesma linha, concluiu a 28ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, de Relatoria da Desembargadora Angela Lopes (proc. nº 1010994-17.2021.8.26.0008), através de acórdão publicado no dia 27/6/2022: "Afastamento da jurisdição arbitral em razão da natureza executiva da ação de despejo (...) o Juízo arbitral não tem jurisdição para conhecimento das chamadas ações executivas lato sensu, isto é, procedimentos em que não há cisão entre a fase cognitiva e satisfativa da demanda. Isso porque, como o árbitro não possui poder de imperium para determinar a realização de atos executivos, a análise dessas demandas não prescinde do crivo do juiz estatal. Ademais, dado o sincretismo entre o conteúdo cognitivo e propriamente executório, não é possível cindir o processo em uma etapa arbitral e uma etapa estatal". Importante destacar ainda que, tramita PL 4287/2021, de autoria do deputado federal Carlos Bezerra (MDB-MT), que visa a alterar o art. 59, § 4º da lei de locações para que haja a seguinte previsão: "A ação de despejo efetuar-se-á perante o juízo cível competente, ainda que haja compromisso arbitral em sentido contrário", sob a seguinte justificativa: "o árbitro não está investido em poderes cogentes, por isso não pode decretar penhora ou qualquer outra medida de restrição patrimonial. Logo, a promoção de qualquer pretensão executiva deve ocorrer somente na jurisdição estatal". É dentro desse cenário que se passa a dar a necessária e aprofundada luz ao tema. A doutrina e a jurisprudência reconhecem a ação de despejo como uma ação executiva lato sensu, através da qual, ao final, será emitido mandado visando à desocupação do imóvel. No entanto, fundamental ter em mente que, a legitimidade do despejo está na desconstituição da relação locatícia, condição para o comando de desocupação. Assim, antes de determinar o ato executivo coercitivo (e, posteriormente, em caso de resistência, efetivá-lo), deverá ser prestada tutela constitutiva negativa de rescisão do contrato de locação. O despejo é ação pessoal imobiliária com pretensão pessoal do locador de retomada da posse direta do imóvel, sendo o pedido imediato o provimento judicial com eficácia constitutiva negativa e executiva e o pedido mediato o desfazimento do contrato e a restituição do imóvel locado. Desta forma, o pronunciamento que desconstitui o contrato é o ato que torna ilegítima a posse do locatário. A retomada da posse direta do imóvel não é a pretensão, mas apenas a consequência do desfazimento do contrato de locação. O entendimento quanto à relevância da precedência da desconstituição do contrato com relação ao despejo é elementar, sem o qual gera-se os vícios constantes das decisões do STJ, do TJ-SP e do PL. Deste modo, o árbitro poderá condenar o locatário a desocupar o imóvel fixando prazo para saída voluntária. Em caso de descumprimento, se fará necessária a medida coercitiva, neste caso, o despejo compulsório. Neste momento, e só neste momento, a intervenção estatal é medida que se impõe. Ressalte-se que, embora a decisão do árbitro possa englobar comando executivo, a decisão não terá eficácia executiva e só através da execução do título executivo é que serão realizados os atos coercitivos pela jurisdição estatal no sentido da efetivação da decisão arbitral. A ação de despejo não tem como escopo pura pretensão executória. Ela demanda dilação probatória. E, sendo ação executiva lato sensu, por possuir fase cognitiva inicial, até o momento executório de coerção, não apresenta qualquer diferenciação da tutela condenatória. Desta forma, só haverá necessidade de atuação judicial para a prática de atividade executiva em caso de resistência na desocupação. Assim, embora o árbitro não possua o poder de imperium para fazer cumprir suas decisões, tal fato não importa à sua incompetência para julgar demandas de cunho executivo lato sensu. O fato das providências de natureza coercitiva e executiva fugirem das atribuições do Juízo Arbitral, não leva à subtração do árbitro de seu poder de presidir a fase cognitiva ou de proferir a decisão final de mérito, ainda que esta possua eficácia executiva lato sensu. As decisões judicias emanadas do STJ e do TJ/SP acima explicitadas inobservam o caráter cognitivo das ações executivas lato sensu, e as confundem com uma ação de execução ou com a fase executiva do cumprimento de sentença do processo sincrético. Destaque-se que, tanto árbitro, quanto o juiz togado, estão obrigados a conceder prazo para a desocupação voluntária do imóvel. O árbitro em razão da ausência do poder de imperium e o juiz de direito, fruto do art. 65, lei 8.245/91. E, não há qualquer atividade executiva sem a resistência do locatário. Caso caiba a liminar de despejo, nos termos do artigo 59 da Lei de Locações, e a mesma seja deferida pelo árbitro, ele se valerá do expediente da Carta Arbitral, em caso de relutância, para que se faça cumprir a sua decisão. É motivo de perplexidade que se esteja a caminhar jurisprudencialmente e legislativamente no sentido de negar o poder do árbitro de prestar tutela cognitiva de desconstituição do contrato e de comando de concessão de desocupação voluntária. O contexto estudado evidencia a clara necessidade de fortalecer os efeitos da convenção de arbitragem, tendo sempre como linha mestra o caráter consensual da cláusula compromissória, a preservação da vontade das partes e os poderes conferidos ao árbitro pela lei de arbitragem.
A Lei de Arbitragem, que tem como raiz a Lei Modelo da UNCITRAL de 1985, órgão da ONU, tem merecido aplicação e aplausos pelo meio acadêmico e pelo Judiciário, tanto que o Superior Tribunal de Justiça em 2019 veiculou matéria no seu sítio oficial com o título: "A jurisdição arbitral prestigiada pela interpretação do STJ". Causou surpresa aos operadores do Direito, a apresentação do projeto de lei 3.293/21, que visa alterar a Lei de Arbitragem, dentre outras questões pela ausência de debate, além de que não foram ouvidos especialistas da comunidade acadêmica e profissional. Sem prejuízo, resta apreciar a questão da compatibilidade do projeto em tela com a Constituição Federal. Impende lembrar que a arbitragem é forma de solução jurisdicional privada de litígios sobre direitos patrimoniais disponíveis, aplicando-se a autonomia da vontade das partes. Contudo, o Projeto em debate apresenta uma ingerência estatal legislativa totalmente indevida, buscando limitar o exercício da jurisdição privada, impondo requisitos incompatíveis com a livre iniciativa e autonomia da vontade. O Projeto em tela busca limitar a atuação do árbitro, prevendo vedações, dentre elas: i) o árbitro não poderá atuar, concomitantemente, em mais de dez arbitragens (alteração proposta do §8 do art. 13 da LA); ii) não poderá haver identidade absoluta ou parcial dos membros de dois tribunais em funcionamento (alteração proposta do §9 do art. 13 da LA); iii) os integrantes da secretaria ou diretoria executiva da câmara arbitral não poderão funcionar em nenhum procedimento administrado por aquele órgão, seja como árbitro ou ainda como patrono de qualquer das partes (alteração proposta do §3 do art. 14 da LA). Todas essas previsões afrontam o princípio constitucional da liberdade contratual, que tem fundamento na livre iniciativa, art. 170, caput, da CF, além da proporcionalidade e da razoabilidade, já que a intervenção do Estado Legislador no âmbito da liberdade contratual é excepcional, restringindo o exercício da profissão de árbitro de forma a inviabilizar a atividade econômica daqueles que se dedicam exclusivamente a tal finalidade e prejudicar, sobremaneira, aqueles árbitros que se destacam e são indicados com maior frequência pelos profissionais do direito. Se o árbitro é nomeado para mais de dez arbitragens e há identidade dos membros significa dizer que a comunidade arbitral consagra a qualidade diferenciada do trabalho para decidir de forma célere e imparcial a demanda. Também não se pode esquecer da afronta ao princípio da igualdade, já que limitar o número de atos de profissionais liberais é algo que inexiste na legislação das profissões em geral.   A vedação dos integrantes da secretaria e direção da câmara à atuação como árbitros ou patronos também é totalmente desarrazoada e desproporcional, privando grandes talentos da atuação profissional como árbitros e a constante atualização, mais do que necessária desses profissionais. O dever de revelação no citado projeto de lei foi tratado de forma equivocada, incluindo a expressão, totalmente não técnica, que o dever de revelar deverá ser exercido quando houver "dúvida mínima" quanto à imparcialidade  (alteração proposta do §1 do art. 14 da LA), tornando-o supérfluo e de difícil identificação, gerando insegurança jurídica, tanto que as diretrizes internacionais veiculam situações que não comportam revelação (vide diretrizes da IBA sobre Conflito de Interesses em Arbitragem Internacional), certo que o texto em vigor ao consagrar a expressão "dúvida justificada", já é suficiente para identificação das situações passíveis de revelação. Melhor sorte não têm as previsões que colidem com a possibilidade de confidencialidade (Arts. 5-A e 5-B do Projeto em comento), que impõe obrigações de publicação, pela câmara na sua página da internet, da composição do tribunal e do valor envolvido, além da previsão de que após o encerramento da jurisdição arbitral deverá ser publicada, da mesma forma, a íntegra da sentença arbitral, com exclusão de trechos indicados pelas partes, justificadamente, para assegurar a confidencialidade. Trata-se de mais uma invasão indevida da liberdade contratual, que tem fundamento na livre iniciativa, art. 170, caput, da CF, já que impõe deveres aos particulares totalmente desnecessários, acarretando restrição à autonomia privada sem justificativa de interesse público, que inexiste em arbitragens privadas. A proposta de redação do art. 33, § 1º da Lei de Arbitragem rompe com o que consta do Código de Processo Civil (art. 189, IV) que prevê o segredo de justiça das ações que versem sobre arbitragem, além da necessidade de se manter o segredo do negócio, protegido pelos mandamentos constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência. Merece aplausos a aprovação para designação de audiência pública, pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, para debater o projeto de lei 3.293/21, viabilizando seja submetido ao debate pelos operadores do direito, docentes e membros da comunidade jurídica, evitando-se o esvaziamento da arbitragem no Brasil, com a opção de foros estrangeiros, acarretando terrível retrocesso, em prejuízo da geração de negócios e empregos. Ademais, insistimos que de acordo com o art. 1º, IV da CF/88, a livre iniciativa constitui um dos fundamentos da República, além de representar um dos princípios gerais da atividade econômica e financeira (art. 170, caput da CF/88). Assim, qualquer intervenção estatal no domínio econômico que venha a mitigar ou suprimir a autonomia da vontade das partes não se justifica, somente se justificaria para resguardar os princípios constitucionais da ordem econômica previstos no art. 170 da Lei Maior, impondo-se o respeito à livre iniciativa e à livre concorrência, que em uma economia livre restringe a interferência estatal nas ações realizadas pelas pessoas e empresas. Louvamos que o Legislador se preocupe em aprimorar o sistema arbitral, mas existem pontos que merecem sua maior atenção, dentre eles a previsão: a) da arbitragem tributária: recomendada a sua implantação em pesquisa feita pelo CNJ/Insper, no Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro de 2022; e b) do despejo por falta de pagamento como matéria sujeita à arbitragem, diante da posição do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é matéria com natureza de ação executiva lato sensu (Resp 1481644), além de todas as tutelas possessórias.
Sem dúvida, os conflitos decorrentes da sucessão causa mortis estão no rol dos assuntos poucos explorados pela arbitragem e por aqueles que a estudam. Por tal passo, embora não se extraia da legislação nacional nenhuma vedação expressa, parece ter se formado a visão de que a arbitragem não pode ser utilizada como plataforma para a resolução de litígios vinculados à abertura da sucessão1. Dentro das limitadas linhas do presente texto, alguns dos "dogmas" que contribuem para tal entendimento restritivo serão, ainda que de forma rápida, abordados, a fim de que o assunto seja debatido. O primeiro ponto a ser destacado está firmado na (equivocada) concepção de que o inventário causa mortis tramitará pela jurisdição arbitral, substituindo completamente a jurisdição estatal no sentido. Na realidade, a arbitragem será utilizada para dirimir determinado(s) conflito(s) advindo(s) da abertura da sucessão e não propriamente como um "substituto do processo de inventário". A sucessão causa mortis possui ambiência para que surjam conflitos diversos depois da sua abertura, notadamente no curso do inventário respectivo, situação que decorre da sua própria natureza policêntrica (e, muitas vezes, multipolar)2. Tanto assim que o art. 612 do CPC reconhece que o juízo sucessório deverá decidir "todas as questões" afetas à sucessão, à exceção daquelas que dependerem de provas outras cuja produção não se permite efetuar no bojo do inventário, seguindo-se a premissa de que se trata, por excelência, de processo documental (= processo documentado).3 Assim, de acordo com o modelo legal, se determinado conflito exigir a produção de prova outra que não a documentada, o juiz do inventário deverá remeter o debate para as "vias ordinárias", a fim de que o litígio seja debelado por outro julgador, que colherá a prova necessária, antes de julgar o conflito. Perceba-se, no detalhe, que a noção de "vias ordinárias" não pode afastar a jurisdição arbitral, pois tal raciocínio colide com a dimensão de "Justiça Multiportas", que está firmada no § 3º do art. 3º do CPC e da qual, com acerto, a arbitragem é um dos pilares.4 Em exemplos extraídos do próprio CPC, debates acerca de disputas quanto à qualidade de herdeiro (art. 627, § 3º), admissão de interessado no inventário (art. 628, § 2º), necessidade de colação (art. 641, § 2º) e pagamento de dívidas (art. 643, parágrafo único), poderão perfeitamente receber remessa à via arbitral, em interpretação adequada e simbiótica dos arts. 612 e 3º, ambos da codificação processual civil em vigor. As ilustrações são indicativas de que a indivisibilidade da herança, que está pregada no art. 1.791 do CC, não é absoluta, admitindo fatiamentos, situação que se repete, ainda que com outro colorido, na sobrepartilha prospectiva (art. 2.021 do CC).5 A assertiva acima traz à tona outro "dogma" acerca do tema, cujo epicentro de análise está focado nos personagens que podem participar da arbitragem. No pormenor, a remessa da questão conflituosa para o juízo arbitral terá que observar o disposto no art. 1º da lei 9.307/96, no sentido que somente as pessoas capazes de contratar "poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis". Perceba-se, no ponto, que semelhante exigência está prevista nos arts. 610 e 659 do CPC, que regulam o inventário extrajudicial e o procedimento do arrolamento sumário (respectivamente), pois tais figuras somente admitem a presença de pessoas capazes. Logo, não há impedimento legal em relação à arbitragem e a participação de interessados na sucessão, mas tão somente a observância de filtro quanto à capacidade das partes que estão envolvidas no conflito sucessório, filtro este também aplicável ao inventário extrajudicial e ao arrolamento sumário. A partir do acima dito, fica mais fácil afastar o argumento de que os direitos decorrentes da sucessão são indisponíveis (e, portanto, não admitindo, a arbitragem), uma vez que é perfeitamente admissível que se efetue partilha desigual no inventário sucessório, situação corriqueira tanto no inventário extrajudicial e como no arrolamento sumário, interpretando-as estas como "doações". Não bastasse tal constatação, é inviável tratar indiscriminadamente o direito à sucessão aberta como exemplo de direito patrimonial indisponível, pois, se assim o fosse, não se admitiria a sua renúncia (art. 1.806 do CC), muito menos sua cessão (art. 1.793 do CC). Dessa forma, em coerência ao art. 1º da lei 9.307/96, a arbitragem aglutinará apenas os  interessados com disponibilidade patrimonial em relação à sucessão aberta e/ou aos direitos arrastados esta (por exemplo, meação). Ademais, deve ser salientado que a arbitragem não está vedada ao Poder Público (art. 1º, § 1º, da Lei 9.037/96), nem aos conflitos que possam envolver a massa falida (art. 6º, § 9º, da lei 11.101/05), observações que reforçam a noção de que a existência de "indisponibilidade dos direitos" merece temperamentos. De outra banda, é fundamental que - mesmo no direito sucessório - ocorra a consensualidade para a instauração do juízo arbitral. No particular, o art. 6º da lei 9.307/96 possui aderência aos conflitos advindos da sucessão, admitindo-se, por certo, a arbitragem depois da sua abertura, notadamente no curso do inventário sucessório. Em tal cenário, a partir da constatação da existência de determinado(s) litígio(s), poderá ocorrer o consenso dos interessados acerca da forma de resolução (arbitragem), de modo que a controvérsia estará concentrada na(s) pendenga(s) propriamente dita(s) e não no meio de resolução. Também não possui força o argumento de que a arbitragem poderá não contemplar a completa participação de todos os interessados na sucessão aberta. Tal cenário, com o devido respeito, não é íntimo à arbitragem, mas a todo e qualquer meio de resolução de conflitos em que se esteja deliberando sobre o direito sucessório. Como ocorre nas demais situações, a decisão arbitral não terá eficácia contra terceiros que não participarem do procedimento, situação que, repita-se, não será diferente em relação à jurisdição estatal. Anote-se que a legislação contempla previsões que ratificam o acima dito, como é o caso da ação de petição de herança (art. 1.824 do CC) e da responsabilidade patrimonial dos herdeiros (arts. 796 do CPC e 1.997 do CC). Aliás, em exemplificação mais pulsante ainda, os procedimento que tratam dos arrolamentos sucessórios (sumário - arts. 659-663; comum art. 664) foram moldados sem a presença da Fazenda Pública, fato que não impede sua manifestação (com discordância) posterior acerca das avaliações dos bens, em verdadeiro contraditório diferido que se opera fora do processo judicial.6 Outro "dogma" que merece ser afastado está no sigilo inerente à arbitragem, com a afirmativa de que este é incompatível com o direito sucessório. Como levantado anteriormente, a arbitragem não substituirá o inventário causa mortis, pois funcionará para a resolução de litígio(s) específico(s). No inventário sucessório, a teor do art. 626, § 1º, do CPC, será providenciada a publicidade acerca da sucessão, tendo em vista a sua natureza concorrencial7. Nada obstante tal fato, é perfeitamente admissível que, no ventre do inventário, em transparência, seja(m) explicitado(s) o(s) tema(s) controvertido(s) que foi(ram) remetido(s) para a arbitragem. O sigilo, portanto, está vinculado a atos da arbitragem, mas jamais ao inventário causa mortis. Não suficiente, deve ser lembrado que o sigilo acerca da arbitragem tem sido remodelado a partir da realidade dos conflitos, como ocorre em relação ao Poder Publico e aos interesses da massa falimentar. Outras questões poderiam ser tratadas, mas, diante do objetivo do texto, apenas as principais foram analisadas. Seja como for, o raciocínio que afasta a arbitragem do direito sucessório não prospera, pois limita a dimensão adequada de acesso à justiça, que está erigida em noção ampla da "Justiça Multiportas". Em arremate, são inegáveis as vantagens acerca da arbitragem para a resolução de determinados litígios, pois permite não só mais agilidade para o seu desfecho, como também a participação efetiva de especialistas, como é o caso de debates que tenham o direito societário como pano de fundo. Voltaremos ao tema em breve, com texto de maior fôlego, aprofundando nos assuntos e trazendo outras questões aqui não abordadas. Abre-se, de toda sorte, o debate acerca de assunto que não pode ser mais desprezado. __________ 1 Há na doutrina poucos autores que defendam expressamente o cabimento da arbitragem para a resolução dos conflitos sucessórios, podendo se citar no sentido: DELGADO, Mário. Arbitragem no direito de família e das sucessões: possibilidade e casuística. Revista Jurídica, Porto Alegre, n. 523, p. 9-45, maio. 2021; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves; ROCHA, Matheus Lins; ferreira, Débora Cristina Fernandes Ananias Alves. Lei de Arbitragem Comentada - Artigo por artigo. 2ª ed.: São Paulo: Juspodivm, 2021, p. 131-133; . 2 Sobre as noções de policentrismo e multipolaridade aplicáveis ao inventário sucessório, confira-se: MAZZEI, Rodrigo. Ensaio sobre a multipolaridade e o policentrismo: projeção aos conflitos internos do inventário causa mortis. In DINAMARCO, Candido da Silva; CARMONA, Carlos Roberto; YARSHELL, Flávio Luiz; BEDAQUE, José Roberto dos Santos; TUCCI, José Rogério Cruz e; DINAMARCO, Pedro da Silva (org.). Estudos em homenagem a Cândido Dinamarco. São Paulo: Malheiros, 2022, p. 1.152-1.173. 3 No tema: MAZZEI. Rodrigo. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume XII (arts. 610 a 673). GOUVEIA, José Roberto Ferreira Gouvêa; BONDIOLI, Luis Guilherme; FONSECA, João Francisco Naves da. São Paulo: Saraiva (no prelo). 4 No tema (com detalhamento da remessa), confira-se: MAZZEI. Rodrigo. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume XII (arts. 610 a 673). GOUVEIA, José Roberto Ferreira Gouvêa; BONDIOLI, Luis Guilherme; FONSECA, João Francisco Naves da. São Paulo: Saraiva (no prelo). 5 No assunto: MAZZEI, Rodrigo. Sobrepartilha no inventário. Revista Eletrônica de Direito Processual (REDP), ano 16, v. 23, n. 1, p. 1375-1402, jan./abr. 2022. Disponível em: . Acesso em 19 de setembro de 2022. 6 No tema: MAZZEI. Rodrigo. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume XII (arts. 610 a 673). GOUVEIA, José Roberto Ferreira Gouvêa; BONDIOLI, Luis Guilherme; FONSECA, João Francisco Naves da. São Paulo: Saraiva (no prelo). 7 No assunto: MAZZEI. Rodrigo. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume XII (arts. 610 a 673). GOUVEIA, José Roberto Ferreira Gouvêa; BONDIOLI, Luis Guilherme; FONSECA, João Francisco Naves da. São Paulo: Saraiva (no prelo).
Foi recentemente ampliado (em junho de 2022) convênio com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais para a prática do Programa Arbitragem Acadêmica, de pesquisa e extensão universitárias, cujo escopo principal é o de democratizar o instituto da arbitragem no Brasil e desjudicializar conflitos de baixa complexidade relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Trata-se de iniciativa em desenvolvimento desde o ano de 2019, idealizada pelos Professores Camila Linhares e Daniel Secches, no Estado de Minas Gerais, com a capacitação de alunos de direito, possibilitando-se a atuação do corpo discente assim preparados para a composição do Tribunal Arbitral, sempre coadjuvados por pelo menos um docente com expertise em arbitragem, que atua no processamento e julgamento de litígios antes em trâmite perante o Poder Judiciário, ao depois solucionados via arbitragem. A partir de uma taxionomia previamente definida, delineada especialmente pelo grau de complexidade do processo e pela baixa necessidade de produção de provas, seleciona-se causas nas quais a nova metodologia é ofertada, em juízos cíveis estaduais e unidades do juizado especial, sempre com a presença de advogados das partes. Aceita a arbitragem, há homologação de compromisso arbitral judicial, nos termos do art. 9º, § 1º, da L.A., e consequente extinção do processo judicial sem exame de mérito. O Programa fomenta a arbitragem expedita ou simplificada, possibilitando que as partes, no exercício de sua autonomia convencional, optem pela jurisdição privada, sejam acolhidas e encontrem a "porta" da arbitragem aberta. Significa entregar à sociedade uma alternativa à solução das controvérsias adjudicada por sentença estatal, com qualidade, comprometimento, especialidade, celeridade e eficiência. É uma resposta à inclusão e respeito à diversidade dentro do âmbito das relações de controvérsias.   Ultimada a desjudicialização do conflito, que atende aos ditames da META 09 do Conselho Nacional de Justiça e do ODS 16 da Agenda 2030 da ONU, a lide é pautada pelos princípios do contraditório substancial, fundamentação qualificada, autonomia da vontade, isonomia, boa-fé e cooperação, notadamente. Insere-se o programa no contexto de sistema multiportas incentivados pela Res. 125/10 do CNJ, e recepcionado pela codificação processual civil de 2015, com a oferta do método pela Universidade (a prática é interinstitucional), gratuitamente, com sustentação em um modelo procedimental arbitral democrático. O procedimento arbitral vinculado ao Programa atende também o princípio de duração razoável do processo, em método que vem sendo paulatinamente ampliado como forma de acesso à ordem jurídica justa, no sentido de solução adequada (e com qualidade) do conflito, e como incentivo à mudança da cultura de solução de litígios no país, amiúde adjudicada apenas por sentença estatal. Tal iniciativa contribui para o momento da arbitragem em cenário nacional, em que as partes com ações não vultuosas têm a oportunidade de utilizar o sistema multiportas na via da decisão privada, um resultado da ascensão da arbitragem na academia, amadurecimento e colaboração do poder judiciário, somado à preservação da autonomia dos indivíduos na escolha pela desjudicialização. Destinado à replicação nacional, o Programa nasceu na cidade de Belo Horizonte1 e após maturação do projeto Piloto embarca para interiorização no Estado de Minas Gerais, com passagem garantida para o caminho interestadual. ---------- 1 Núcleo UNA  Solução de Conflitos - NUSC, com sede na Una Cidade Universitária - instituição da Ânima Educação.
Tramita na Câmara dos Deputados, sob regime de urgência, o PL 3.293 de 2021, de autoria da Deputada Federal Margarete Coelho -PP-PI, que visa alterar a Lei de Arbitragem, para "disciplinar a atuação do árbitro,  aprimorar o dever de revelação, estabelecer a divulgação das informações após o encerramento do processo arbitral e a publicidade das ações anulatórias". Dado o ineditismo dessa iniciativa parlamentar isolada, não precedida de debates na comunidade jurídica, e que suscitou, de pronto, reação desfavorável no meio arbitral, mormente porque "colocam em risco o ambiente negocial do país"1, dispomo-nos a analisar brevemente o seu conteúdo. A arbitragem no Brasil vem se consolidando, não sem alguns entraves, há apenas duas décadas, a contar da decisão do STF que afastou a suscitada inconstitucionalidade desse instituto, encontrando-se atualmente em franca expansão e elevado patamar de aceitação e eficácia perante os jurisdicionados. Nossa Lei de Arbitragem (Lei federal nº 9.307, de 1996 - LA), baseada na Lei Modelo da UNCITRAL (United Nations Commission on International Trade Law), é bastante enxuta, porém abrangente, regulando a arbitragem doméstica e internacional, assim como as disputas que se desenvolvem entre particulares. inclusive com a Administração Pública, por força de reforma legislativa de 2015, contemporânea à edição do vigente CPC, que, no art. 3º, § 1º, a permite expressamente a arbitragem, nos termos da lei. Dentre as peculiares vantagens da arbitragem, bem apontadas pela doutrina, estão: "a possibilidade, em certa medida de escolha do julgador, por razões de confiança ou de conhecimento técnico sobre a matéria; a duração do processo limitada em regra a seis meses, com expressiva celeridade em relação aos feitos judiciais, e sem a possibilidade de recursos; além da flexibilidade procedimental, com maior informalidade, da confidencialidade e da equação custo-benefício - que pode ser medida em função de todos os demais benefícios".2 Por conta dessas características, mormente da flexibilidade procedimental e adaptabilidade à solução de conflitos nos diversos ramos da atividade econômica e financeira, a autorregulamentação da arbitragem, por meio dos regulamentos das câmaras arbitrais e diretrizes internacionais de soft law, tem se afigurado suficiente para atender aos seus objetivos, dispensando a interferência suplementar do legislador. Ressalvadas as raras conexões com o processo civil (tutelas de urgência, carta arbitral e cumprimento de sentença), procura-se evitar a judicialização da causa, situação que, no entanto, vem se tornando recorrente dada a litigiosidade que envolve determinadas disputas. Não obstante, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por suas Varas Empresariais e de Conflitos relacionados à Arbitragem, assim como o Superior Tribunal de Justiça, tem se revelado um ambiente favorável à arbitragem, prestigiando os poderes e decisões dos árbitros e a competência do juízo arbitral. Pode-se afirmar, assim, que a arbitragem brasileira caminha com segurança e desenvoltura, não se vislumbrando óbices ao exercício dessa atividade que demandem o pretendido aperfeiçoamento legislativo, que, todavia, merece ser apreciado do ponto de vista estritamente jurídico. Em primeiro lugar, no que se refere à figura do árbitro, pretende a propositura acrescentar um § 8º ao art. 13 da LA, impedindo o árbitro de "atuar, concomitantemente, em mais de dez arbitragens, seja como árbitro único, coárbitro ou como presidente do tribunal arbitral." A preocupação do legislador, de per si, não é infundada, pois visa evitar a ocorrência de conflitos de interesse, que comprometem a independência do julgador. Segundo a LA, o árbitro pode ser qualquer pessoa capaz, que tenha a disponibilidade e a confiança das partes (art. 13), ficando, todavia, impedidos de atuar aqueles que possuam com as partes ou com o litígio alguma das situações caracterizadoras de impedimento ou suspeição, nos termos do CPC. Nesse sentido, já apontava a doutrina estrangeira, como exemplo de comprometimento da independência e imparcialidade, o caso em que o mesmo mandatário, num período de três anos, nomeia o mesmo árbitro 50 vezes, não tendo este revelado as nomeações passadas3. Se deve existir um critério quantitativo para as nomeações, a limitação legal que se pretende introduzir não se baseia num determinado espaço de tempo, preocupando-se, tão somente, com a atuação concomitante do árbitro em até dez arbitragens, o que, convenhamos, não é mesmo uma prática saudável para o correto e imparcial desempenho de seu mister, como também não se afigura tão  frequente a ponto de justificar a iniciativa parlamentar sob o ponto de vista do conflito de interesses. Para tanto, a regulamentação vigente, que pode ser adotada na cláusula compromissória ou nos regulamentos das Câmaras Arbitrais, é representada pelas IBA Guidelines on Conflict of Interest in International Commercial Arbitration, conquanto sem força vinculante, que também mencionam, a título de exemplo, o caso de mais de duas nomeações sucessivas no período de três anos4. Além de limitar o número de nomeações concomitantes, impõe a propositura no seguinte parágrafo 9º uma vedação genérica para a atuação do árbitro nestes termos: "§9º Não poderá haver identidade absoluta ou parcial dos membros de dois tribunais arbitrais em funcionamento, independentemente da função por eles desempenhada." Para se compreender a mens legis, forçoso recorrer à justificação, que se preocupa, propriamente, com aspectos administrativos da Câmara Arbitral, sobre a composição e  direção desses dois tribunais arbitrais em funcionamento: "Considerando, ainda, a majoritária prevalência de arbitragens institucionalizadas e a cada vez mais destacada atuação das câmaras arbitrais, inclusive para decidir questões administrativas previamente à formação do tribunal arbitral, é preciso estabelecer uma disciplina legal para evitar as situações de conflitos de interesses que podem surgir em relação aos órgãos diretivos dessas câmaras, eis que são quase sempre compostos por profissionais que também atuam como árbitro perante arbitragens administradas pela própria câmara e, por vezes, até advogam perante a câmara". Demais disso, a redação do dispositivo encerra uma impropriedade terminológica, por englobar no termo "tribunais arbitrais", o "tribunal", propriamente dito (o painel arbitral, ou conjunto de julgadores) com "câmara arbitral" (a instituição), o que pode levar a infindáveis questionamentos e impugnações, sem qualquer benefício em prol de evitar um possível conflito de interesses, a serem evitados pelo próprio árbitro ao exercer o seu dever de revelação. O dispositivo, na verdade, parece ter destinatários certos, refugindo aos princípios que regem a elaboração legislativa, da impessoalidade e da generalidade. No tocante ao dever de revelação, encontra-se expressamente disciplinado na LA, em seu artigo 14, § 1º, nos entido de que "As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência." Diz o artigo 14. Do PL, em seu parágrafo 1º: §1º A pessoa indicada para funcionar como árbitro tem o dever de revelar, antes da aceitação da função e durante todo o processo a quantidade de arbitragens em que atua, seja como árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal, e qualquer fato que denote dúvida mínima quanto à sua imparcialidade e independência. §3º Os integrantes da secretaria ou diretoria executiva da câmara arbitral não poderão funcionar em nenhum procedimento administrado por aquele órgão, seja como árbitro único, coárbitro ou presidente do tribunal, ou ainda como patrono de qualquer das partes. Desnecessário, a nosso ver, a menção à quantidade de arbitragens em que atue - ou em que tenha atuado, seria melhor acrescentar - mas tão somente no que diz respeito a possível conflito de interesses com as partes da causa. Já, no que se refere à vedação para atuar de pessoas ocupantes de cargos administrativos na instituição arbitral, afigura-se indevida restrição ao livre exercício de uma atividade profissional, cujas regras de atuação do árbitro já se encontram definidas em lei geral - o CPC - nos casos de impedimento e suspeição. Nesse ponto, o dispositivo, senão a propositura como um todo, ao que já analisamos, pode ser  inquinada de inconstitucionalidade material, por afrontar o direito fundamental ao livre exercício do trabalho e das profissões, consoante estabelecido no art. 5º, inciso XIII,  da CF: XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; No que toca à ação anulatória, e não menos errática e gravosa é a intervenção legislativa, do seguinte teor: Art. 33. ........................................................................................  §1º A demanda para a declaração de nulidade da sentença arbitral, parcial ou final, seguirá as regras do procedimento comum, previstas na Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), respeitará o princípio da publicidade e deverá ser proposta no prazo de até 90 (noventa) dias após o recebimento da notificação da respectiva sentença, parcial ou final, ou da decisão do pedido de esclarecimentos Desde logo, descabida a menção ao procedimento comum do CPC de 1973, revogado em março de 2015 (o PL é de 2021), pelo advento da lei 13.105. Quanto às alterações procedimentais, em nada inovam a disciplina sobre a ação anulatória vigente, em repetição desnecessária (além de equivocada) das suas disposições. No que se refere à questão da publicidade da ação anulatória, a matéria também se encontra regulada pela LA e pelo CPC. Uma das grandes vantagens da arbitragem, nesse sentido, é justamente a confidencialidade, eis que a publicidade pode causar prejuízos irreparáveis às empresas ou pessoas participantes da arbitragem, notadamente no que se refere aos segredos comerciais e industriais, ou ao sigilo de dados. Porque a arbitragem possui base contratual, onde são definidos, obrigatoriamente, na convenção arbitral (cláusula compromissória ou compromisso arbitral) todos os fatores que regularão eventual instituição da arbitragem e seu procedimento (art. 10 da LA), ali caberá a opção pela confidencialidade (se já não for imposta pelo Regulamento da Câmara Arbitral), representando, pois, a imposição genérica da publicidade, que a lei só reserva às arbitragens com a Administração Pública, séria violação ao princípio pacta sunt servanda, base da livre iniciativa econômica e da liberdade contratual. Por fim, com relação aos acréscimos à LA, louvando-se na justificação de evitar-se a "repetição de painéis arbitrais", a propositura exige a publicação da composição do painel e o valor envolvido na controvérsia (art. 5-A). Quanto à repetição, a matéria se submete ao dever de revelação dos árbitros, que deverão declinar de arbitragens que ensejam possíveis conflitos de interesse. Já, quanto ao valor envolvido, somente se justificaria em se tratando das arbitragens com a Administração Pública, pois a questão do valor encontra-se compreendida na proteção à confidencialidade e do sigilo de dados. O quanto foi dito se aplica com relação à publicação "na íntegra" da sentença arbitral (art. 5-B L). __________ 1 Cf. Nota Pública da CAMARB 2 CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem, cit., p. 119 e ss. 3 Conforme esclarecem JUDICE, José Miguel; CALADO, Diogo. Independência e imparcialidade do arbitro? Alguns aspectos polêmicos em uma visão luso-brasileira, cit., p. 44, .considerando-se suspeita a circunstância do (sic) mesmo árbitro ter sido nomeado pela parte mais de duas vezes (ponto 3.1.4 da Orange List). Essa aplicação exemplificativa foi enunciada nas conhecidas três listas: verde, laranja e vermelha. 4 Parties should be aware of some of the key examples falling within the Orange List. The arbitrator has within the past three years been appointed as arbitrator on two or more occasions by one of the parties or an affiliate of one of the parties (except where there is a practice or custom from drawing from a small pool, specialised pool of arbitrators as in the case of maritime or commodities arbitration) (List 3.1.3).
A sentença arbitral constitui título executivo judicial, passível de cumprimento de sentença no Judiciário1 (artigo 515, VII do Código de Processo Civil de 20152 e art. 31, da Lei da Arbitragem), também sujeito a impugnação ao cumprimento de sentença, nos termos do artigo 525 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015, conforme prevê o artigo 33 § 3º da Lei de Arbitragem. Em poucas palavras, aplicável no cumprimento de sentença arbitral o mesmo regime jurídico da sentença judicial3. Ocorre que quando a execução da sentença arbitral é proferida em desfavor da Fazenda Pública é aplicável o regime comum de cumprimento de sentença em face dos entes públicos (artigos 534 e seguintes do Código de Processo Civil de 2015) culminando na expedição de precatório4. Todavia, essa regra encontrou três exceções em Acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo. i) No Agravo de Instrumento nº 3004318-77.2020.8.26.0000, de relatoria do Desembargador Souza Nery, julgado em 03 de março de 2021, interposto pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo, visando reformar decisão que determinou o cumprimento de obrigação de fazer, consistente no pagamento direto e imediato de débito reconhecido em sentença arbitral de cunho declaratório, equivalente a mais de cento e onze milhões de reais, consistente em deduções de impostos feitas pela Fazenda Pública, a 12ª Câmara de Direito Público do citado Tribunal assentou: Embora a decisão exequenda empregue o termo pagamento tratam estes autos de clara obrigação de fazer, consistente em dar regular e integral cumprimento a contrato a que as partes, Estado e particular, livremente acederam - Demais disso, não se trata de obrigação que tenha sido criada, ou estabelecida, pela decisão exequenda - Já constava de contrato, cujo inadimplemento parcial teve início há quase dez anos - O sinalagma converte-se em obrigação de fazer, ainda que expressa monetariamente (TJSP;  Agravo de Instrumento 3004318-77.2020.8.26.0000; Relator (a): Souza Nery; Órgão Julgador: 12ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 16ª Vara da Fazenda Pública; Data do Julgamento: 03/03/2021; Data de Registro: 13/04/2021). Diante dessa decisão, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo interpôs o REsp nº 1.962.305/SP e, em 08 de outubro de 2021, o Min. Og Fernandes deferiu o pedido liminar formulado para o fim de suspender a aplicação da multa cominatória e a exigência de imediato pagamento da quantia executada, estando o recurso pendente de julgamento. ii) No Agravo de Instrumento 3003450-36.2019.8.26.0000, da relatoria da Desembargadora Maria Olívia Alves, a 6ª Câmara de Direito Público, em 03 de fevereiro de 2020, também afastou a aplicação do regime de pagamento por precatório: AGRAVO DE INSTRUMENTO - Cumprimento de sentença arbitral - Contrato administrativo - Reconhecimento da ilegalidade das retenções de pagamento realizadas pelo Estado - Decisão por meio da qual foi rejeitada a impugnação ofertada pelo Estado, com afastamento da adoção do regime de precatórios para o cumprimento da obrigação e determinação de imediata liberação dos valores correspondentes à contraprestação dos serviços prestados, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de multa - Irresignação do Estado - Título executivo judicial - Situação específica dos autos que não é caso de sujeição ao regime de precatórios, previsto no artigo 100 da Constituição Federal - Hipótese em que não se verifica condenação em obrigação de pagar quantia, mas de mero reconhecimento do dever de cumprir o contrato, como decorrência lógica do reconhecimento, pelo Tribunal Arbitral, da ilegalidade da conduta do ente contratante em reter as contraprestações relativas aos serviços inequivocamente prestados - Continuidade de relação contratual pré-existente que, no caso, envolve o dispêndio de valores já previstos em orçamento - Exequibilidade do título reconhecida pelo Estado - Excesso de execução não demonstrado - Recurso não provido (TJSP;  Agravo de Instrumento 3003450-36.2019.8.26.0000; Relator (a): Maria Olívia Alves; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Público; Foro Central - Fazenda Pública/Acidentes - 2ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 03/02/2020; Data de Registro: 04/02/2020) (grifo nosso) Essa decisão foi impugnada no REsp nº 1.870.456 - SP, tendo a Corte Superior não conhecido do recurso sob o fundamento de que a controvérsia não se referiu à natureza jurídica da sentença arbitral, mas ao seu conteúdo, encontrando óbice na Súmula 7/STJ. Consta do Voto observação do D. Relator: "Atente-se: não se está afirmar, neste Voto, que a arbitragem interna seja um mundo paralelo, indene à incidência das regras constitucionais, inclusive relativas à necessidade de, como regra, o pagamento de obrigações por quantia, devidas pela Fazenda Pública, observar o regime do art. 100 da CF. Isso, evidentemente, violaria o princípio da igualdade, permitindo, em detrimento dos que litigam perante o Poder Judiciário, que os subscritores da convenção de arbitragem, no recebimento dos créditos que tem com o Poder Público, obtivessem expressiva e insustentável vantagem sobre as camadas mais carentes da população, que certamente não dispõem de recursos para acesso à jurisdição privada. O caso presente guarda as particularidades já expostas, atinentes ao conteúdo do pronunciamento arbitral à luz dos elementos fáticos da demanda (análise do contrato, ocorrência de financiamento internacional da aquisição, modo como se operou a retenção de valores, etc.), cuja apreciação não pode ocorrer nesta via ante o já apontado óbice da Súmula 7/STJ". A questão subiu ao STF, por meio do RE nº 1.387.787/SP interposto pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo, com fundamento no art. 102, inc. III, al. "a", da Constituição Federal, mas, em 01 de julho de 2022, foi negado seguimento ao recurso, ao fundamento de que "divergir do entendimento adotado pelo Tribunal a quo, de forma a conferir nova interpretação à sentença arbitral, demandaria a análise de cláusulas contratuais, bem como o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que inviabiliza o processamento do apelo extremo, nos termos da Súmula 279 do STF". Há agravo regimental interposto e concluso ao Relator, desde 15 de julho de 2022. iii) No Agravo de Instrumento nº 2265933-72.2018.8.26.0000, também de relatoria da Desembargadora Maria Olívia Alves, a 6ª Câmara de Direito Público do TJSP reafirmou o entendimento de que ilegalidade reconhecida em procedimento arbitral, consistente na abstenção de efetuar retenções de pagamentos em contrato administrativo não admite mais discussão, sendo o caso de execução imediata da obrigação de não fazer. Referida decisão transitou em julgado. Portanto, em que pese o deferimento do pedido liminar no REsp nº 1.962.305/SP, para o fim de suspender a aplicação da multa cominatória e a exigência de imediato pagamento da quantia executada, estando esse recurso pendente de julgamento, a jurisprudência do TJSP tem, excepcionalmente, afastado a aplicação do regime precatorial nos casos de cumprimento de obrigação envolvendo a imediata liberação dos valores correspondentes à contraprestação dos serviços prestados e retenções tributárias indevidas, observando-se acórdãos no STJ e no STF que têm negado seguimento a REsp e RE interpostos em face dessas decisões, diante da ausência de requisitos constitucionais. __________ 1 A via própria para execução de sentença arbitral é a do cumprimento de sentença, tendo em vista tratar-se de título executivo judicial. Procedimento previsto pelos arts. 475-I e ss do CPC/73 e arts. 513 e ss do CPC/15", TJRJ, 12ª CC, AI 0039871-42.2017.8.19.0000, j. 17.10.2017, unânime; TJSC, 1ª CC, AI 0031864-57.2016.8.24.0000, j.17.11.2016, unânime; TJGO, 2ª CC, AI 117975-95.2015.8.09.0000, j. 17.11.2015, unânime; TJGO, 6ª CC, Apel 150770-74.2010.8.09.0051, j. 26.03.2013, unânime; TJMG, 15ª CC, AI 10024111932539001, j. 20.09.2012, unânime. 2 Este artigo repete a previsão do art. 475-N, IV, do CPC de 1973. 3 Na vigência do CPC /1973, embora o cumprimento da sentença arbitral exija a citação do devedor, o rito a ser seguido é o do 475-J do CPC/73. Nulidade da citação realizada sob o rito do art. 652 do CPC/73, TJSP, 2ª Cam Res Dir Emp, AI 2015088-59.2014.8.26.0000, j. 05.05.2014, maioria. No mesmo sentido: TJSP, Agravo de Instrumento n. 2041638-28.2013.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Des. Teixeira Leite, j. em 5 de dezembro 2013; e TJSP, Agravo de Instrumento n. 0135158-76.2013.8.26.0000, 1ª Câmara de Direito Privado, Rel Des. Christine Santini, j. em 17 de setembro de 2013. 4 Vide sobre o tema: SICA, Heitor Vitor Mendonça, Arbitragem e Fazenda Pública, disponível em: http://genjuridico.com.br/2016/03/24/arbitragem-e-fazenda-publica/, acesso em 31/01/2019; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Opinião 47. A Arbitragem e a Administração Pública. Disponível em http://www.leonardocarneirodacunha.com.br/opiniao/opiniao-47-a-arbitragem-e-a-administracao-publica-2/, acesso em 31/01/2019. Flávio Willeman defende que que, como regra geral, a sentença arbitral não poderá autorizar o pagamento imediato de valores sem a obediência ao procedimento do precatório, mas, excepcionalmente, a obrigação pecuniária prevista na sentença arbitral poderá ser satisfeita sem a expedição de precatório judicial, "desde que exista previsão legal e contratual neste sentido, estabelecendo, inclusive, que os valores serão suportados por fundos públicos ou privados criados para esta finalidade - tal qual acontece com as PPPs - e/ou com a destinação específica de bens que serão afetados a esta finalidade (garantia real)" WILLEMAN, Flávio de Araújo. ACORDOS ADMINISTRATIVOS, DECISÕES ARBITRAIS E PAGAMENTOS DE CONDENAÇÕES PECUNIÁRIAS POR PRECATÓRIOS JUDICIAIS. Disponível aqui, acesso em 31/01/2019. Igualmente vide: MAROLLA, Eugenia Cristina Cleto, A arbitragem e os contratos da administração pública, A arbitragem e os contratos da administração pública, 2015, Tese (Doutorado), PUC-SP, p. 119-125; e SUNDFELD, Carlos Ari, Guia jurídico das parcerias público-privadas in Parcerias público-privadas, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 15-44. Sobre a necessidade de expedição de precatório vide: TONIN, Maurício Morais, Arbitragem, mediação e outros métodos de solução de conflitos envolvendo o poder público, São Paulo: Almedina, 2019, p. 327; MAIA, Alberto Jonathas, Fazenda Pública e arbitragem: do contrato ao processo, Salvador: Editora Juspodivm, 2020, p. 390; e ARMANI, Marcos Vinicius, A fazenda pública na arbitragem, São Paulo: Singular, 2019, p. 276.