Ordem na Banca

O que a advocacia pode aprender com os Beatles sobre governança - Parte 2

Assim como os Beatles, escritórios de advocacia só prosperam quando há harmonia, estrutura e escuta. Sem governança, o talento vira ruído - e a música coletiva se desfaz.

27/8/2025

What would you think if I sang out of tune?

Would you stand up and walk out on me?

Lend me your ears and I'll sing you a song

And I'll try not to sing out of key1

Na parte 1, vimos como os Beatles desafiaram o modelo tradicional de liderança e mostraram que múltiplas vozes, quando alinhadas, podem criar algo verdadeiramente transformador. Mas o que acontece quando esse alinhamento se perde? Como escritórios de advocacia podem se proteger dos mesmos riscos que colocaram um ponto final numa das bandas mais icônicas da história?

Liderança compartilhada não é improviso coletivo. Ela depende de estrutura, alinhamento e, repito, maturidade institucional. Funciona quando há acordos claros e falha quando tudo se apoia na boa vontade.

Na advocacia, ela brilha quando:

Porém, ela implode quando:

Os Beatles souberam criar juntos enquanto conseguiram decidir juntos. Talento nunca faltou. O que faltou foi estrutura para lidar com o crescimento da complexidade e o amadurecimento dos papeis. Quando isso se perdeu, a banda colapsou, mesmo no auge da capacidade criativa dos quatro.

Nos escritórios, acontece o mesmo.

Sem governança, a liderança compartilhada vira convivência frágil.

E a convivência frágil, com o tempo, vira ruptura, cisão, frustração e drama.

Um escritório de advocacia, como uma banda de rock, não sobrevive apenas de talento individual. Você pode ter os melhores advogados, o melhor marketing e os contratos mais robustos, mas, sem direção coletiva, harmonia interna e acordos firmes de convivência e entrega, o som desafina.

Excelência jurídica sem estrutura de liderança é só barulho bem-intencionado. E de boas intenções, você sabe, o mercado está cheio.

Uma banda de sucesso demanda mais do que bons músicos. Precisa de:

No escritório, quando não há estrutura de liderança, a queda pode estar próxima:

Liderar sem hierarquia é, no fundo, compor juntos uma música que todos queiram tocar. É reconhecer que há mais de uma voz e que nenhuma deve se sobrepor ao ponto de silenciar as outras.

Quando há respeito, escuta e alinhamento, a banda funciona. E o escritório, mais do que entregar bem, soa como um time coeso, pronto para grandes palcos.

No auge, os Beatles compuseram juntos, revezaram o protagonismo, criaram formas inovadoras de gravar e desafiaram o padrão da indústria musical.

Foram revolucionários não apenas pelo som, mas pela maneira como construíram juntos, equilibrando talento com escuta, criatividade com convivência.

Mas quando a escuta se perdeu, quando os papéis se confundiram e os egos deixaram de se conter em nome do coletivo, até eles desmoronaram.

Com os escritórios de advocacia, o enredo é parecido.

Sociedades não rompem por falta de técnica. Elas racham por falta de alinhamento, ausência de governança e liderança mal exercida.

Liderar bem não é sobre quem manda mais. É sobre saber tocar em conjunto por mais tempo.

A liderança contemporânea compreende isso: que é possível construir excelência com múltiplas vozes, desde que haja partitura, cadência e respeito.

No fim, o que mantém a banda viva não é o brilho de um único integrante. É a música que só o grupo consegue tocar junto, afinada, coerente e construída a cada ensaio.

Não se trata de igualdade de funções.

Trata-se de unidade de intenção.

Porque escritórios que conseguem tocar em conjunto não apenas duram mais, eles deixam um legado. Já os que não conseguem... entonarão “Help”2 enquanto existirem.

________

1 Tradução livre: O que você pensaria se eu cantasse desafinado? Você se levantaria e me deixaria sozinho? Preste atenção e eu lhe cantarei uma canção, e eu tentarei não cantar fora do tom. [With a Little Help from my Friends – The Beatles].

2 Curte aqui! Disponível aqui.

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Colunista

Lara Selem é advogada, professora, escritora, conselheira consultiva, advisor e mentora especialista em Gestão Legal, Sociedades de Advogados e Planejamento Estratégico para a Advocacia. É membro da Comissão Nacional de Sociedades de Advogados do Conselho Federal da OAB. Foi presidente da Comissão Especial de Gestão, Empreendedorismo e Inovação do Conselho Federal da OAB (2019-2021). Participa ativamente do Comitê de Administração e Ética Profissional (CADEP) do Centro de Estudos de Sociedades de Advogados (CESA). Membro da Association of Legal Administrators (ALA) desde 2009. Coordenadora científica do MBA Internacional em Gestão de Escritório de Advocacia (Faculdade Baiana de Direito e Gestão). Autora de 20 obras sobre gestão de escritórios de advocacia.