Questão de Direito

Final da discussão sobre a aplicabilidade da Selic e repercussão na sociedade brasileira

Uuma análise jurídica sobre a pacificação da controvérsia dos juros de mora nas dívidas civis, com foco no papel da Selic como taxa legal e nos efeitos sistêmicos dessa definição para o Judiciário brasileiro.

29/12/2025

Boa parte da sociedade brasileira respirou aliviada depois da recente decisão que colocou fim à discussão sobre qual deve ser a taxa de juros de mora para as dívidas civis.

Para que se tenha uma pálida ideia do âmbito de abrangência desta decisão, deve-se ter presente que existem 9 milhões e meio de casos cíveis em curso no país, que muito provavelmente sofrerão impacto desta decisão.

Isso significa 12% das ações pendentes no judiciário brasileiro! De rigor, todas as ações de que pode derivar uma decisão que condene o réu a pagar uma quantia em dinheiro, seja uma sentença condenatória típica, seja daquelas em que se converteu uma ação em que se pedia o cumprimento de uma obrigação de dar ou de fazer, em pecúnia, envolvem uma quantia que deverá ser atualizada e sofrer acréscimo de juros de mora no momento do pagamento.

Com a decisão do recurso repetitivo, que foi afetado em 24/6/2025 e que transitou em julgado em 12/11/ 2025, parece ter chegado ao fim a discussão sobre qual seria a taxa legal de juros de mora para as dívidas civis. Decidiu-se no sentido de que a Selic (taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia) é a taxa adequada. A partir de agora não se deve mais travar discussão a respeito desse ponto, nem nos juízos de 1o grau, nem nos tribunais de 2o grau e nem nos próprios tribunais superiores.

A lei 14.905/24, que deu nova redação para o art. 406 do CC/2002, abraçou expressamente a aplicação da Selic sem cumulação (já que a própria Selic abrange correção monetária e juros de mora).  

Mas, era preciso que se definisse qual deveria ser a taxa de juros de mora até a edição dessa nova lei.

A redação anterior do art. 406 do CC/2002, que gerou bastante controvérsia, desde a edição do código, dispunha que, quando os juros moratórios não fossem convencionados, ou o fossem, mas sem taxa estipulada, ou quando proviessem de determinação da lei, deveriam ser fixados segundo a taxa que estivesse em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Discutia-se, então, sobre (i) se seria devida a taxa de 1% ao mês, prevista pelo § 1º do art. 161 do CTN, para a hipótese de inadimplemento do crédito tributário em geral; (ii) ou se seria devida a Selic, aplicável à mora de pagamento dos impostos federais.

A principal crítica que se fazia à adoção da Selic é que compreenderia, em sua formação, correção monetária e juros moratórios.

Contudo seus defensores destacavam o fato de ser a Selic um instrumento de política macroeconômica do Estado, que reflete as condições do mercado monetário e não uma taxa arbitrária, como a de 6% ao ano, prevista para os juros de mora, no art. 1062 do CC de 1916, ou de 1% ao mês, conforme o § 1º, do art. 161 do CTN. A Selic reflete o custo de oportunidade do dinheiro, ou seja, o custo por não ter o credor o acesso imediato ao dinheiro.

O primeiro acórdão paradigmático a respeito foi firmado pela Corte Especial do STJ, nos Embargos de Divergência n. 727.842/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 8/9/2008, em que se concluiu que a taxa, a que se referia o art. 406 do CC/2002, era a Selic.

A partir da Emenda Constitucional 113, de 2021, a Selic passou a ser constitucionalmente prevista como única taxa em vigor para a atualização monetária e compensação da mora em todas as demandas que envolvem a Fazenda Pública, reforçando que é à Selic que o art. 406 do CC/ 2002, mesmo antes da atual Lei 14.905/2024, estava se referindo.

Em 19/12/2022, a questão voltou à discussão no julgamento do Recurso Especial 1.795.982/SP, afetado à Corte Especial, que teve como Rel. o Min. Luis Felipe Salomão, para quem seria devida a taxa de 1% ao mês. Abriu a divergência o Min. Raul Araújo, cujo entendimento prevaleceu.

O Recurso Extraordinário 1.558.191/SP, interposto contra esse acórdão, foi desprovido pela 2ª Turma do STF. Na ocasião, o Min. André Mendonça, embora tenha reafirmado tratar-se de questão infraconstitucional, ressaltou que a jurisprudência do STF reconheceu a validade da Taxa Selic no julgamento da ADIn n. 58/DF, quanto aos créditos decorrentes de condenação judicial e aos depósitos recursais na Justiça do Trabalho.

Mais recentemente, a Corte Especial do STJ, sob a relatoria do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, então, afetou para julgamento sob o regime dos recursos repetitivos, o Recurso Especial 2.199.164/PR (Tema 1368), tendo sido fixada a seguinte tese jurídica: “ O art. 406 do Código Civil de 2002, antes da entrada em vigor da lei 14.905/24, deve ser interpretado no sentido de que a Selic é a taxa de juros de mora aplicável às dívidas de natureza civil por ser esta a taxa em vigor para atualização monetária e a mora no pagamento de impostos à Fazenda Nacional”.

De acordo com o Min. Relator, embora a controvérsia já estivesse solucionada, no âmbito dos tribunais superiores, a afetação visou especialmente a que se viesse a decidir este tema num instrumento apto a gerar precedente vinculante, viabilizando, portanto, a utilização das técnicas de aceleração do procedimento.

Sendo reafirmada a mesma tese por meio de instrumento que o CPC considera apto a formar precedente vinculante, este pode também desempenhar o papel de instrumento facilitador de procedimentos e que possibilita o uso de atalhos com o objetivo tornar o processo mais eficiente. É o que pode ocorrer se a parte interpôs recurso contra decisão do juiz que, com base no art. 406 do CC/ 2002, impôs condenação ao pagamento de dívida civil acrescida de correção monetária e juros de 1% ao mês. O recurso poderá, por exemplo, ser provido monocraticamente, com base no art. 932, V, b, do CPC.

A questão relativa à Selic está pacificada, e se espera que o STJ, orientando a sua conduta de acordo com os princípios norteadores do CPC/2015, mantenha sua jurisprudência estável, de molde a gerar previsibilidade e a garantir a isonomia.

Colunistas

Maria Lúcia Lins Conceição é doutora e mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Membro do Conselho de Apoio e Pesquisa da Revista de Processo, Thomson Reuters – Revista dos Tribunais. Advogada sócia-fundadora do escritório Arruda Alvim, Aragão & Lins Advogados.

Teresa Arruda Alvim é livre-docente, doutora e mestre em Direito pela PUC-SP. Professora Associada nos cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado da mesma instituição. Professora Visitante na Universidade de Cambridge – Inglaterra. Professora Visitante na Universidade de Lisboa. Membro nato do Conselho do IBDP. Honorary Executive Secretary General da International Association of Procedural Law. Membro Honorário da Associazione italiana fra gli studiosi del processo civile. Membro da Accademia delle Scienze dell’Istituto di Bologna, do Instituto Ibero-americano de Direito Processual, da International Association of Procedural Law, do Instituto Português de Processo Civil. Membro do Conselho de Assessores Internacionais do Instituto de Derecho Procesal y Practica Forense de la Asociación Argentina de Justicia Constitucional. Coordenadora da Revista de Processo – RePro. Relatora da Comissão de Juristas, designada pelo Senado Federal em 2009, que redigiu o Anteprojeto de Código de Processo Civil. Relatora do Anteprojeto de Lei de Ações de Tutela de Direitos Coletivos e Difusos, elaborado por Comissão nomeada pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2019, (PL 4778/20). Advogada.

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