Boa parte da sociedade brasileira respirou aliviada depois da recente decisão que colocou fim à discussão sobre qual deve ser a taxa de juros de mora para as dívidas civis.
Para que se tenha uma pálida ideia do âmbito de abrangência desta decisão, deve-se ter presente que existem 9 milhões e meio de casos cíveis em curso no país, que muito provavelmente sofrerão impacto desta decisão.
Isso significa 12% das ações pendentes no judiciário brasileiro! De rigor, todas as ações de que pode derivar uma decisão que condene o réu a pagar uma quantia em dinheiro, seja uma sentença condenatória típica, seja daquelas em que se converteu uma ação em que se pedia o cumprimento de uma obrigação de dar ou de fazer, em pecúnia, envolvem uma quantia que deverá ser atualizada e sofrer acréscimo de juros de mora no momento do pagamento.
Com a decisão do recurso repetitivo, que foi afetado em 24/6/2025 e que transitou em julgado em 12/11/ 2025, parece ter chegado ao fim a discussão sobre qual seria a taxa legal de juros de mora para as dívidas civis. Decidiu-se no sentido de que a Selic (taxa do Sistema Especial de Liquidação e Custódia) é a taxa adequada. A partir de agora não se deve mais travar discussão a respeito desse ponto, nem nos juízos de 1o grau, nem nos tribunais de 2o grau e nem nos próprios tribunais superiores.
A lei 14.905/24, que deu nova redação para o art. 406 do CC/2002, abraçou expressamente a aplicação da Selic sem cumulação (já que a própria Selic abrange correção monetária e juros de mora).
Mas, era preciso que se definisse qual deveria ser a taxa de juros de mora até a edição dessa nova lei.
A redação anterior do art. 406 do CC/2002, que gerou bastante controvérsia, desde a edição do código, dispunha que, quando os juros moratórios não fossem convencionados, ou o fossem, mas sem taxa estipulada, ou quando proviessem de determinação da lei, deveriam ser fixados segundo a taxa que estivesse em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Discutia-se, então, sobre (i) se seria devida a taxa de 1% ao mês, prevista pelo § 1º do art. 161 do CTN, para a hipótese de inadimplemento do crédito tributário em geral; (ii) ou se seria devida a Selic, aplicável à mora de pagamento dos impostos federais.
A principal crítica que se fazia à adoção da Selic é que compreenderia, em sua formação, correção monetária e juros moratórios.
Contudo seus defensores destacavam o fato de ser a Selic um instrumento de política macroeconômica do Estado, que reflete as condições do mercado monetário e não uma taxa arbitrária, como a de 6% ao ano, prevista para os juros de mora, no art. 1062 do CC de 1916, ou de 1% ao mês, conforme o § 1º, do art. 161 do CTN. A Selic reflete o custo de oportunidade do dinheiro, ou seja, o custo por não ter o credor o acesso imediato ao dinheiro.
O primeiro acórdão paradigmático a respeito foi firmado pela Corte Especial do STJ, nos Embargos de Divergência n. 727.842/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 8/9/2008, em que se concluiu que a taxa, a que se referia o art. 406 do CC/2002, era a Selic.
A partir da Emenda Constitucional 113, de 2021, a Selic passou a ser constitucionalmente prevista como única taxa em vigor para a atualização monetária e compensação da mora em todas as demandas que envolvem a Fazenda Pública, reforçando que é à Selic que o art. 406 do CC/ 2002, mesmo antes da atual Lei 14.905/2024, estava se referindo.
Em 19/12/2022, a questão voltou à discussão no julgamento do Recurso Especial 1.795.982/SP, afetado à Corte Especial, que teve como Rel. o Min. Luis Felipe Salomão, para quem seria devida a taxa de 1% ao mês. Abriu a divergência o Min. Raul Araújo, cujo entendimento prevaleceu.
O Recurso Extraordinário 1.558.191/SP, interposto contra esse acórdão, foi desprovido pela 2ª Turma do STF. Na ocasião, o Min. André Mendonça, embora tenha reafirmado tratar-se de questão infraconstitucional, ressaltou que a jurisprudência do STF reconheceu a validade da Taxa Selic no julgamento da ADIn n. 58/DF, quanto aos créditos decorrentes de condenação judicial e aos depósitos recursais na Justiça do Trabalho.
Mais recentemente, a Corte Especial do STJ, sob a relatoria do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, então, afetou para julgamento sob o regime dos recursos repetitivos, o Recurso Especial 2.199.164/PR (Tema 1368), tendo sido fixada a seguinte tese jurídica: “ O art. 406 do Código Civil de 2002, antes da entrada em vigor da lei 14.905/24, deve ser interpretado no sentido de que a Selic é a taxa de juros de mora aplicável às dívidas de natureza civil por ser esta a taxa em vigor para atualização monetária e a mora no pagamento de impostos à Fazenda Nacional”.
De acordo com o Min. Relator, embora a controvérsia já estivesse solucionada, no âmbito dos tribunais superiores, a afetação visou especialmente a que se viesse a decidir este tema num instrumento apto a gerar precedente vinculante, viabilizando, portanto, a utilização das técnicas de aceleração do procedimento.
Sendo reafirmada a mesma tese por meio de instrumento que o CPC considera apto a formar precedente vinculante, este pode também desempenhar o papel de instrumento facilitador de procedimentos e que possibilita o uso de atalhos com o objetivo tornar o processo mais eficiente. É o que pode ocorrer se a parte interpôs recurso contra decisão do juiz que, com base no art. 406 do CC/ 2002, impôs condenação ao pagamento de dívida civil acrescida de correção monetária e juros de 1% ao mês. O recurso poderá, por exemplo, ser provido monocraticamente, com base no art. 932, V, b, do CPC.
A questão relativa à Selic está pacificada, e se espera que o STJ, orientando a sua conduta de acordo com os princípios norteadores do CPC/2015, mantenha sua jurisprudência estável, de molde a gerar previsibilidade e a garantir a isonomia.