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Recuperação de crédito na era da IA: O papel dos advogados

Na era da IA, a recuperação de crédito exige advogados que integrem Direito, tecnologia e dados para enfrentar riscos, fraudes e atuar com eficiência estratégica.

6/8/2025

A expansão das linhas de crédito, somada à crescente sofisticação das fraudes, e o desenvolvimento de tecnologias impõe à advocacia um papel estratégico: integrar Direito, inteligência artificial e análise de dados para enfrentar riscos e atuar com precisão.

O Brasil movimenta um PIB robusto sustentado por crédito em diversas frentes - empresarial, agrícola, imobiliário e de consumo. Esse motor econômico, essencial ao crescimento, traz consigo um efeito inevitável: o aumento da inadimplência e do risco financeiro.

Com a relação crédito/PIB próxima de 54% e um volume expressivo de operações, parte desses valores naturalmente se converte em créditos não performados (NPLs). Isso reflete diretamente no sistema jurídico: segundo o CNJ, cerca de 70% dos processos em andamento no país estão ligados a execuções e cobranças, pressionando advogados, credores e o próprio Judiciário.

Antigos desafios jurídicos e as novas ferramentas disponíveis

Advogados que atuam em execução e recuperação de crédito enfrentam um cenário paradoxal: exigência de resultados rápidos versus um Judiciário sobrecarregado. Some-se a isso a dificuldade crescente de localizar bens diante de estruturas sofisticadas de blindagem patrimonial - uso de múltiplas camadas societárias, empresas de fachada, transferências sucessivas de ativos e até ativos digitais.

Ferramentas governamentais como Sisbajud, Renajud e Infojud seguem essenciais para a investigação patrimonial, mas têm limitações: atuam de forma pontual, demandam intervenções repetidas e não conectam dados de diferentes origens. Recentemente, o CNJ e diversos tribunais passaram a investir em automação e inteligência artificial, com iniciativas voltadas à triagem processual, bloqueios em massa e execuções fiscais. Esses avanços representam passos importantes, mas ainda incipientes diante da complexidade das demandas de crédito.

Por isso, é indispensável que a advocacia complemente essas ferramentas públicas com plataformas privadas de análise de dados e estratégias integradas que acelerem a localização de bens e a efetividade da execução.

Evolução da tecnologia e a sofisticação das fraudes

Se a tecnologia trouxe eficiência para advogados e tribunais, também ampliou o alcance de fraudes patrimoniais. Estruturas ilícitas hoje utilizam recursos na mesma velocidade da tecnologia. Conhecimento e disseminação de técnicas fraudulentas se ampliaram no ambiente digital.

Vivemos uma era de mais complexidades, se de um lado fraudadores utilizam diversos recursos disponíveis para ocultar rastros, de outro a advocacia precisa de ferramentas inteligentes capazes de rastrear padrões, cruzar dados e revelar vínculos antes invisíveis. Essa dinâmica transformou a investigação patrimonial em uma disciplina que combina Direito, análise de dados e tecnologia.

O papel da IA como aliada do advogado

A inteligência artificial e o big data emergem como aliados fundamentais na recuperação de crédito. Com sua capacidade de processar grandes volumes de informações, a IA permite cruzar dados patrimoniais, societários e financeiros dispersos, identificar padrões de ocultação de bens ou vínculos entre pessoas e empresas, reduzir investigações que antes levavam meses para poucos dias.

Essas ferramentas não substituem a análise jurídica, mas ampliam exponencialmente sua efetividade. O advogado deixa de ser apenas executor de medidas processuais para se tornar um estrategista que interpreta dados e os transforma em ações concretas.

O alcance e os limites da IA

Apesar de seu potencial, a inteligência artificial possui limites bem definidos. Do ponto de vista técnico, seus resultados dependem diretamente da qualidade e da amplitude dos dados disponíveis: sem bases confiáveis e atualizadas, ela não é capaz de gerar informações novas ou conclusões precisas.

Há também limites jurídicos, já que seu uso é regulado pela LGPD e pelo marco legal da inteligência artificial (PL 2.338/23), que exigem supervisão humana e finalidades legítimas. Além disso, existem limites éticos, pautados por princípios como a dignidade da pessoa humana, o contraditório e o devido processo legal, que impedem automatismos que possam comprometer direitos fundamentais.

Outro aspecto essencial é que a IA, isoladamente, não acessa nem organiza o ecossistema jurídico. Para transformar análise em resultado, é indispensável o uso de plataformas SaaS especializadas em complemento às ferramentas já disponibilizadas pelo Judiciário, que integram múltiplas bases de dados públicas e privadas, aplicam algoritmos de inteligência e apresentam informações consolidadas e estruturadas em ambiente seguro e conforme a lei. É nessa interseção entre dados estruturados, inteligência artificial e supervisão jurídica que se encontra a verdadeira eficiência: a IA potencializa, mas é o advogado quem conduz.

Advocacia estratégica na era da IA

Recuperar crédito na era da inteligência artificial exige mais do que técnica jurídica: exige visão estratégica, domínio de dados e capacidade de interpretar cenários complexos com precisão. O advogado que alia Direito e tecnologia não apenas reage a litígios ele antecipa riscos, desmantela fraudes sofisticadas e transforma informações em resultados concretos.

A IA e as plataformas especializadas não substituem a advocacia: elas ampliam seu alcance e velocidade.

Nesse novo contexto, dados são insumos, e a inteligência artificial é a ferramenta; mas o juízo crítico, a estratégia e a responsabilidade ética permanecem essencialmente humanos.

Vivian Moraes Machado Dellova Campos
CEO da Range Inteligência em Asset Recovery e fundadora da startup Credvalue para Investigação e Recuperação de Crédito. Pós Graduada em direito empresarial e Sócia do escritório VM Advocacia.

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