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Os perfis em rede sociais como ativos intangíveis empresariais

Presença digital e perfis empresariais tornaram-se ativos intangíveis valiosos, exigindo proteção jurídica, governança e estratégias contra uso indevido e invasões.

5/11/2025

Nos últimos anos, o valor das empresas deixou de estar apenas em bens e estruturas físicas, passando a se concentrar nos chamados “ativos intangíveis”, como a marca, a reputação e a presença digital.

As páginas em redes sociais são parte desse patrimônio. Mais do que canais de divulgação, são extensões da identidade empresarial, concentrando público, dados, histórico de relacionamento e até mesmo atuando como canais de vendas. Perder esse espaço e uma conta podem representar um grave dano econômico.

Uma pesquisa1 recentemente divulgada2 pelo SEBRAE, constatou que, entre 51 países, o empreendedor brasileiro é o que mais valoriza o uso das redes sociais quando se fala no uso de tecnologias nos negócios para atrair e manter clientes. Esse e os demais dados confirmam o peso que a presença digital tem na consolidação da reputação e no crescimento das marcas.

Uma conta ou um perfil bem consolidado é, de fato, um ativo estratégico. E como todo ativo, ele deve ser protegido, avaliado e, até mesmo, pode ser integrado ao balanço patrimonial3.

Na definição de Barbosa e Barbosa4:

“Numa economia concorrencial, o bem intangível é uma criação estética, um investimento em imagem, ou uma solução técnica que consiste, em todos os casos, numa oportunidade de haver receita pela exploração de uma atividade empresarial.”

O Direito brasileiro ainda não trata expressamente das contas em redes sociais como bens registráveis, mas já oferece instrumentos para sua proteção, especialmente a lei da propriedade industrial (lei 9.279/96) e a lei de direitos autorais (lei 9.610/98). Ambas permitem coibir o uso indevido de marca, identidade visual e conteúdo autoral.

Além disso, a proposta de atualização do CC5 propõe a inclusão de um capítulo sobre “patrimônio digital”, que tende a fortalecer a proteção jurídica desses ativos:

“Considera-se patrimônio digital o conjunto de ativos intangíveis e imateriais, com conteúdo de valor econômico, pessoal ou cultural, pertencente a pessoa ou entidade, existentes em formato digital.

Parágrafo único. A previsão deste artigo inclui, mas não se limita a dados financeiros, senhas, contas de mídia social, ativos de criptomoedas, tokens não fungíveis ou similares, milhagens aéreas, contas de games ou jogos cibernéticos, conteúdos digitais como fotos, vídeos, textos, ou quaisquer outros ativos digitais, armazenados em ambiente virtual.”

Por isso, as empresas precisam tratar suas páginas nas redes sociais com a mesma seriedade que tratam uma marca registrada. Isso envolve planejamento, contratos e governança.

O ideal é que a titularidade e as credenciais das páginas estejam sempre formalmente vinculadas à empresa e que eventuais contratos com os operadores das contas, seja por meio de agências ou prestadores de serviço, tragam cláusulas claras sobre as condições e confidencialidade.

Uma situação de risco que pode ser constatada é o uso indevido de marca alheia como nome de usuário em perfil de redes sociais, prática que tem sido reconhecida pelos tribunais como violação de direito marcário e de concorrência leal.

Nesses casos, a jurisprudência vem admitindo que o titular da marca registrada solicite a remoção do perfil ou a cessação do uso do nome, sempre que houver risco de confusão ao consumidor ou aproveitamento indevido da reputação construída pela empresa.

Decisões recentes6 dos tribunais estaduais, como o do Paraná, confirmam que o uso do nome empresarial ou da marca registrada em contas de terceiros configura infração de direito de marca e autoriza a exclusão do conteúdo ou do perfil infrator, com base no Art. 129 da lei de propriedade industrial (uso exclusivo da marca).

Esses exemplos reforçam que as páginas empresariais não apenas se limitam somente a reproduzir a marca, mas constituem ativos autônomos de valor econômico e simbólico, cuja proteção vai além de um registro formal.

Outra questão que também chama a atenção são os riscos de invasão de contas empresariais. Nessas situações, os prejuízos são imediatos: a empresa perde o alcance orgânico construído ao longo do tempo, o engajamento do público e, em muitos casos, fica impedida de se comunicar com seus próprios clientes, interrompendo campanhas, atendimentos e vendas7.

Perfis invadidos podem ser usados para aplicar golpes, veicular conteúdo falso ou até pedir transferências em nome da marca, comprometendo a reputação e a confiança do consumidor. Também há o risco de exclusão total. Nessas situações, o dano é praticamente irreparável, pois o algoritmo das plataformas tende a “punir” a conta, e a recuperação da credibilidade junto ao público é lenta e incerta.

Do ponto de vista jurídico, a invasão de conta pode configurar desde uma violação de dados e privacidade, até uma responsabilização civil por dano moral e material.

A depender da extensão do prejuízo, a empresa pode buscar reparação contra o invasor (se identificado) e, em certos casos, contra a própria plataforma, quando se tratar, por exemplo, de pedido de remoção de conteúdo indevidamente publicado, pedido de restituição de acesso8, ocorrência de falhas de segurança9, ou pela demora injustificada na restituição da titularidade.

A jurisprudência10 tem reconhecido o dever das redes sociais de adotar medidas preventivas e de restabelecer contas empresariais invadidas de forma ágil, sob pena de responder por danos materiais (lucros cessantes) e morais (dano à imagem).

Assim, proteger juridicamente as páginas empresariais é assegurar a própria continuidade da marca no meio digital. Em uma economia em que a primeira impressão acontece por meio das telas, o descuido com esses ativos representa uma vulnerabilidade patrimonial.

Portanto, para que seja possível a proteção dos ativos intangíveis, se faz necessário que o Direito interprete as normas já existentes e crie dispositivos que se adequem à realidade tecnológica, de forma que possa acompanhar a velocidade das transformações no meio digital.

_______

1 Pesquisa “GEM”. Disponível em: https://datasebrae.com.br/pesquisa-gem/. Acesso em 30/10/2025.

2 Conforme informações do SEBRAE sobre a Pesquisa Global Entrepreneurship Monitor 2024, disponível em: https://agenciasebrae.com.br/dados/empreendedor-brasileiro-e-o-que-mais-da-importancia-para-as-redes-sociais-aponta-pesquisa-inedita/. Acesso em 30/10/2025.

3 Grandes empresas, como a Microsoft, citam os ativos intangíveis em seus balanços patrimoniais: https://www.microsoft.com/investor/reports/ar25/index.html. Também há menção de ativos intangíveis no relatório de ativos do Google: https://www.wsj.com/market-data/quotes/GOOG/financials/annual/balance-sheet.

4 BARBOSA, Denis Borges; BARBOSA, Ana Beatriz Nunes. “Ativos intangíveis como garantia”. Disponível em: https://www.dbba.com.br/wp-content/uploads/empresarial02.pdf. Acesso em 30/10/2025.

5 Citado em Pág. 244. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/assessoria-de-imprensa/arquivos/anteprojeto-codigo-civil-comissao-de-juristas-2023_2024.pdf. Acesso em 30/10/2025.

6 Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná reconhece a legitimidade passiva de rede social no pedido de remoção de perfil que utilizava nome de marca alheia como nome de usuário: TJ-PR, 6ª Câmara Cível, Apelação Cível nº 0025653-19.2019.8.16.0001. Julgado em 14.12.2021.

7 As vendas por meio das redes sociais permitem que um usuário realize a compra imediatamente após interagir com um conteúdo, como um post ou anúncio, sem etapas intermediárias no processo de decisão. Trata-se de uma “conversão direta”, ou seja, uma transformação imediata do interesse em ação de compra dentro do ambiente digital.

8 "Facebook indenizará por falha em reativar conta de marketing invadida - TJ/MT manteve indenização de R$ 10 mil, reconheceu lucros cessantes e reforçou o dever das plataformas de agir com eficácia diante do comprometimento de contas". Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/435797/facebook-indenizara-por-falha-em-reativar-conta-de-marketing-invadida. Acesso em 30/10/2025.

9 “Tese de julgamento: "O fornecedor de serviços de rede social responde objetivamente pelo dano moral decorrente de falhas de segurança que permitam a invasão de contas de usuários e sua utilização de forma fraudulenta, sendo devida indenização pelo abalo causado à personalidade do consumidor." (TJSP; Apelação Cível 1096391-54.2024.8.26.0100; Relator (a): Adilson de Araujo; Órgão Julgador: 31ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 27ª Vara Cível; Data do Julgamento: 01/11/2024; Data de Registro: 01/11/2024).

10 "Facebook indenizará psicóloga que teve conta profissional invadida - Decisão baseou-se na teoria do risco do empreendimento, segundo a qual empresas que oferecem serviços têm o dever legal de responder por fatos e riscos resultantes da atividade”. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/433888/facebook-indenizara-psicologa-que-teve-conta-profissional-invadida. Acesso em 30/10/2025.

Natália Clarissa Salles Martins
Advogada Cível do Grupo Employer, com Especialização em Direito Civil e Direito Processual Civil.

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