Vivemos em um país onde a busca pelo bem-estar e pela beleza impulsiona um dos mercados mais potentes do mundo. Contudo, por trás do brilho dos resultados, existe uma zona cinzenta que clama por segurança jurídica , tanto para os consumidores quanto para os milhares de profissionais que nele atuam. A estética é hoje mais do que um segmento de beleza: é um fenômeno social, econômico e sanitário.
Os números não mentem. O Brasil figura como uma potência global no setor: somos o segundo país que mais realiza procedimentos estéticos, o quarto maior mercado de beleza e cuidados pessoais e o terceiro em cirurgias plásticas, segundo dados da Euromonitor, ISAPS e SBCP. Esse setor movimenta anualmente cerca de R$ 48 bilhões, enquanto o número de profissionais cresceu de 72 mil para mais de 480 mil em apenas cinco anos - um salto de 567%. A força econômica é evidente, mas o alerta é ainda mais expressivo: crescimento exponencial sem regulamentação sólida abre portas para a precarização, para conflitos de competência e, sobretudo, para riscos graves à saúde pública.
É nesse cenário que o PL 2.717/19 ganha protagonismo na Câmara dos Deputados. A proposta busca reconhecer a saúde estética como área de atuação para seis categorias profissionais: biólogos, biomédicos, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas e fonoaudiólogos. Em essência, o objetivo é criar um marco legal que delimite competências, estabeleça padrões mínimos de formação e garanta segurança para a realização de procedimentos que, embora rotineiros, podem ter consequências devastadoras quando mal executados.
Hoje, a ausência de uma lei federal específica gera um vácuo normativo que costuma ser preenchido por resoluções de conselhos de classe. Essas resoluções, muitas vezes conflitantes entre si, tornam o cenário ainda mais nebuloso. O CFM - Conselho Federal de Medicina, por exemplo, tem se posicionado de maneira crítica ao projeto, alegando que determinadas práticas seriam exclusivas de médicos, o que aumenta o cenário de judicialização e insegurança. Profissionais enfrentam liminares, decisões contraditórias e, não raramente, perseguições institucionais enquanto tentam atuar em uma área que cresce mais rápido que o direito positivo.
Na próxima terça-feira (11), a Comissão de Saúde da Câmara realizará audiência pública para debater essa proposta. E esse momento é decisivo. Estamos diante de um tema que não se resume a disputa corporativista; trata-se de concretizar princípios constitucionais como o direito à saúde (Art. 196 da CF/88) e a proteção ao consumidor (Art. 5º, XXXII da CF/88). Regulamentar não é apenas autorizar - é limitar, responsabilizar, padronizar e, acima de tudo, proteger.
Para os mais de 500 mil profissionais envolvidos, o PL significaria segurança jurídica para atuar, investir em tecnologia, ampliar sua formação e exercer a profissão sem medo de punições arbitrárias. Para a população, significaria confiança: procedimentos realizados por profissionais habilitados, com respaldo técnico, normas claras, transparência e responsabilidade civil.
A audiência desta terça será interativa - e isso é essencial. Abrir espaço para que cidadãos enviem perguntas e participem do debate democratiza uma pauta que não pode ficar restrita a conselhos ou arenas políticas. O corpo humano não é campo de experimentação estética. É patrimônio inviolável que exige proteção legal equivalente à sua complexidade biológica e emocional.
O desafio agora é construir pontes. Não se trata de frear um mercado pujante, mas de lhe dar alicerces sólidos. O Direito não deve ser um obstáculo: deve ser a baliza que assegura desenvolvimento econômico em harmonia com a proteção da vida e da saúde da população. A estética pode ser subjetiva; a segurança jurídica, jamais!