No contencioso cível e empresarial, o direito muitas vezes se perde na complexidade dos números. É comum que advogados tenham uma tese jurídica sólida, mas falhem em provar o an e o quantum debeatur (o quê e o quanto é devido). É nesse vácuo probatório que a Perícia Contábil deixa de ser um mero "documento" e se torna a principal arma processual.
Muitos advogados delegam a prova técnica ao juízo ou à parte contrária, assumindo uma postura reativa. Contudo, a estratégia vencedora exige que o advogado controle a narrativa contábil desde a petição inicial.
1. Quando a perícia é inevitável (e estratégica)
A perícia não deve ser solicitada por "desencargo de consciência". Ela deve ser a peça central da sua argumentação em casos específicos:
- Ações revisionais (bancárias, contratos de mútuo, aluguéis): Esta é a aplicação clássica. A tese jurídica alega anatocismo, juros abusivos ou índices de correção indevidos. A perícia é o único meio de quantificar esses abusos, expurgando-os da dívida e apresentando ao juiz o "valor correto". Sem ela, a petição é considerada genérica.
- Disputas societárias (apuração de haveres): Essencial na retirada ou exclusão de sócios. O "balanço de determinação" é, por natureza, um laudo pericial contábil. É a perícia que irá definir o valor justo da participação, avaliando ativos intangíveis (como fundo de comércio) que o balanço comum ignora.
- Prestações de contas (inventários, mandatos, condomínios): Quando há suspeita sobre a gestão de recursos de terceiros (ex: inventariante, síndico ou sócio-administrador), a perícia é a ferramenta de auditoria que "segue o dinheiro", identificando lançamentos indevidos ou ausência de lastro documental.
- Suspeitas de fraude e concorrência desleal: Em casos de desvio de fundos, "caixa dois" ou uso indevido de ativos da empresa, a perícia contábil-forense é crucial. Ela cruza dados (extratos bancários, notas fiscais, livros-caixa) para encontrar a "arma do crime" nos registros financeiros.
- Recuperação judicial e falência: Vital para a verificação de créditos, a apuração de responsabilidade dos administradores e a identificação de eventuais atos fraudulentos que precederam a quebra.
2. A estratégia jurídica: Quesitos são sua petição
O erro fatal de muitos advogados é fazer um pedido genérico de perícia. O verdadeiro controle da prova técnica está na formulação dos quesitos (as perguntas ao perito) e na indicação de um assistente técnico.
- Quesitos genéricos geram laudos inúteis: Perguntar "Houve juros abusivos?" é ineficaz.
- Quesitos estratégicos geram a sentença: A pergunta correta é: "Aplicando-se a taxa média de mercado do Bacen para o período X, excluindo-se a capitalização composta (anatocismo), qual seria o saldo devedor correto do contrato Y?".
Os quesitos são a sua tese jurídica traduzida para o contador. Eles devem ser formulados de forma a não dar margem a respostas evasivas, forçando o perito do juízo a responder objetivamente o que você precisa provar.
3. O papel do assistente técnico
O assistente técnico é o "perito da parte". É um contador de sua confiança que irá (1) ajudar a formular os quesitos, (2) acompanhar o trabalho do perito judicial e (3) elaborar um parecer técnico (concordante ou divergente) sobre o laudo oficial.
Um parecer divergente de um assistente técnico bem fundamentado é a ferramenta jurídica mais poderosa para impugnar um laudo judicial desfavorável.
4. A perícia como prova pré-constituída
Em situações de alta complexidade ou suspeita de fraude, não espere o litígio. Contratar um laudo pericial particular (extrajudicial) antes de ajuizar a ação pode ser a estratégia que inverte o ônus da prova. Você não estará pedindo ao juiz para descobrir a fraude; você estará apresentando a fraude, já documentada por um especialista, tornando sua liminar ou inicial muito mais robusta.