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Análise e Conjuntura Política

Conjuntura política, social e econômica brasileira.

Alon Feuerwerker
1) Direita tem melhor resultado eleitoral desde a redemocratização   O primeiro turno fechou uma época e abriu outra nova para a direita. A liderança do bloco mudou de mãos. O liberalismo e o conservadorismo não estão mais sob o jugo dos liberais progressistas e dos social-democratas ditos de centro. Se Bolsonaro vencer daqui a três semanas (e o caminho para ele parece bem mais simples que para Haddad), isso estará sacramentado.   2) Esquerda tradicional recuou "para o osso", mas sobreviveu   O PT recuou em todas as regiões e só manteve a liderança, e de aliados, no Nordeste. Quatro anos de Lava Jato e a perda do poder teve efeito sensível. Mas o PT conseguiu manter-se inquestionável no comando de seu campo político e evitou uma catástrofe que abrisse campo a alternativas em seu bloco. Ciro foi neutralizado e Marina, pulverizada.   3) Tendência de renovação confirma-se   Especialmente no Sudeste, a maior região em população e sempre mais visível para o foco jornalístico, o vento renovador sopra mais forte. Também porque os principais alvos da Lava Jato do dito centro para a direita concentram-se na região. Se perder em São Paulo e Minas, o PSDB arrisca-se a desaparecer como polo hegemônico da política nacional.   4) Mas os fatores de continuidade e inércia estão bem presentes   A renovação na Câmara foi ligeiramente maior que a metade da Casa, não tão longe assim da tradição. O vento soprou mais forte no Senado. Mas na Câmara três das quatro maiores bancadas são as clássicas. A taxa de reeleição ou eleição de aliados dos governadores caminha para 100% ou quase no Nordeste. O Sudeste é importante, mas o Brasil não é só São Paulo, Rio e Minas.   5) Ter mantido a base social coesa traz um custo político para o PT   O partido decidiu fechar espaço para alternativas à esquerda e compareceu à eleição mais "puro". Com isso, Haddad conseguiu votação na faixa de índices "duros" de preferência pelo PT. Foi o suficiente para ir adiante. Não se faz omelete sem quebrar ovos. Mas agora o petismo tenta achar um jeito de arrastar não-petistas sem perder substância na esquerda. Complexo.   6) As equações regionais no segundo turno serão heterodoxas   Márcio França foi de Alckmin até agora e precisa de Paulo Skaf e do PT para enfrentar João Doria. Mas Skaf é Bolsonaro. E Doria também, e com mais entusiasmo ainda pelo capitão. No Rio, Eduardo Paes precisa de apoio da esquerda para ter alguma chance, só que é candidato pelo Democratas. Em MG, o tucano Anastasia não ganha a eleição sem um empurrão do PT. Etc.   7) Articulação da base parlamentar vai exigir mágica   Serão duas dezenas de partidos no Senado e três dezenas na Câmara. Se para Haddad a missão será hercúlea, mesmo para Bolsonaro ela estará longe de ser simples. É provável que dos dois lados do espectro haja algum esforço de formação de blocos, o que poderá ajudar. Mas convém não confiar muito na docilidade de um Congresso de sobreviventes e neófitos.   8) As pesquisas foram bem, num cenário muito desafiador   Bolsonaro teve 34% do total do eleitorado. Haddad, 21%. Ciro, 9%. Mais ou menos o detectado pelas pesquisas. As diferenças no voto válido parecem dever-se mais ao fato de o não voto ter dobrado para os 30% verificado na urna. Os americanos contornam esse desvio porque pesquisam também o universo dos "likely voters", não só os "registered voters".   9) O PT enfrenta uma batalha morro acima no segundo turno. As pesquisas vão mostrar o ângulo do aclive.   Até mais.
1) Não se comprovou por enquanto a força do chamado lulismo Haddad chegou facilmente ao patamar de 20% e vem mostrando neste primeiro turno boa dificuldade para chegar aos 30% que as pesquisas apontam ser o estoque de eleitores dispostos a votar com certeza num candidato apoiado pelo ex-presidente Lula. 2) Comprovou-se a força do PT Todas as pesquisas apontam que o partido tem a preferência de pelo menos 20% do eleitorado. Era previsível, e foi previsto, que um candidato do PT teria caminho relativamente livre para chegar a isso. E de fato chegou. O PT é a única força eleitoral clássica expressiva que consegue nesta eleição evitar o desmoronamento de sua base de apoio. 3) Não se comprovou a essencialidade do tempo de TV Dos candidatos com desempenho satisfatório neste primeiro turno, Bolsonaro, Haddad e Ciro, dois não tiveram tempo de TV expressivo. Um candidato que desempenha muito abaixo da sua "votabilidade", Alckmin, teve a fatia mais generosa do horário eleitoral compulsório. 4) Comprovou-se a essencialidade do tempo de TV O principal fator que impede, por enquanto, uma vitória de Bolsonaro no primeiro turno, é o PT reter seus 20% de share. Para isso, foi essencial uma comunicação maciça que alavancasse rapidamente Haddad e evitasse o avanço de predadores sobre o eleitorado petista. Só foi possível com o significativo tempo de TV. 5) Não se comprovou a viabilidade de um "centro" O "centro" era só a tentativa de uma embalagem moderada para o antipetismo. Quando a coisa apertou, foi para a direita sem maiores dificuldades. Faça-se justiça a Alckmin: ele comprou a ideia e teve uma comunicação para buscar o eleitor "de centro". Como este era uma miragem, o tucano vai ter poucos votos. 6) Comprovou-se que existem direita e esquerda Ao contrário das frequentes teses a respeito, a divisão entre direita e esquerda não acabou. Se houver segundo turno, a partição ficará ainda mais nítida. Metade do país vota com a esquerda contra a direita e a outra metade com a direita contra a esquerda. Vai ganhar a eleição, agora ou daqui a três semanas, quem for mais capaz de fazer sua base votar. 7) Não se comprovou que esta eleição poderia assistir a um debate mais qualificado Existia a esperança de que depois de mais um assim chamado "estelionato eleitoral", em 2014, houvesse alguma evolução civilizatória do debate nas eleições deste ano. De novo, só se discutiram as pesquisas e quem ataca quem. No Brasil, quando se trata de questões civilizatórias, os pessimistas sempre tendem a ter alguma razão. Basta esperar tempo suficiente. 8) Comprovou-se que empresas de pesquisa falarem mal umas das outras é arriscado Pesquisas erram, por isso têm "margem de erro". E também acertam, e por isso as pessoas importam-se com elas. Evitar falar mal de uma pesquisa ajuda a evitar também que se passe vergonha quando teu resultado se aproxima do resultado da pesquisa que tu criticaste. Porque nas pesquisas, como nos demais aspectos da vida, nunca se sabe o dia de amanhã. 9) Comprovar-se-á o velho ditado de que da mineração, de cabeça de juiz e de urna nunca se sabe exatamente o que vai sair, mesmo que as pesquisas e os estudos ofereçam bons elementos para as previsões Até a eleição.
As pessoas que se apaixonam pela política, ou por um lado nas disputas políticas, mantêm a partir daí uma relação igualmente passional com as pesquisas eleitorais: amam as boas para os seus candidatos e odeiam as não tão boas, ou ruins. Amiúde escorregam para a irracionalidade: "eu vejo outra coisa nas ruas." Será que andaram em ruas suficientes? A probabilidade de "n" pesquisas com intervalo de confiança de 95% cada estarem igualmente erradas num resultado comum a todas elas é 0,05 elevado à enésima potência. Ou seja, algo que três ou mais pesquisas mostram igual está pertíssimo da verdade. E é razoável então partir dessa premissa para analisar, por exemplo, a sucessão presidencial no Brasil. Hoje Bolsonaro tem em torno de 30%. Haddad, entre 20 e 25%. Ciro e Alckmin, por volta de 10%. E Marina, uns 5%. Amoêdo, Meirelles e Álvaro ficam entre 2 e 3%, e os demais vêm depois. Bolsonaro está, portanto, a dois dígitos de liquidar a fatura no primeiro turno. Pela aritmética não é tão longe assim, mas pela política está virando uma boa distância. Onde pescar? Os três candidatos "de centro" do terceiro pelotão já vão bem desidratados. O eleitor médio de Ciro e Marina não tem viés bolsonarista. Sobram os indecisos e Alckmin. Os indecisos nas pesquisas já são poucos. E aí vem o principal abacaxi de Bolsonaro: mesmo em situação complicada, Alckmin está lutando pela sobrevivência política, e tem recursos para lutar. E o "voto útil" anti-PT? A peculiaridade é haver dois ou três deles disputando esse mercado. Um é a aposta em Bolsonaro decidir tudo no dia 7. Outro é a tentativa de levar Ciro ou Alckmin para o segundo turno, movimento impulsionado pela dúvida sobre a capacidade de Bolsonaro dar-se bem num mano a mano com o petismo. O "voto útil" mais nítido até agora é o que lipoaspira Marina, joga Boulos na categoria de "outros" e corrói Ciro: o voto deles, ou potencialmente deles, migrando para Haddad. Que parece também estar atraindo um pedaço do antipetismo, pelos que começam a considerar o nome do PT um mal menor diante da opção bolsonarista. É vital para o capitão estancar essa fuga. Uma projeção interessante para avaliar a probabilidade de a coisa se resolver dia 7 é olhar os cenários de segundo turno. Se alguém com chances no primeiro turno tem larga vantagem sobre adversários nas simulações de segundo, é razoável concluir que enfrentará menos resistência a arrancar os votos necessários num sprint até domingo. O contrário também é verdade. Agora é aguardar, e ficar de olho no imprevisível. Um foco de imprevisibilidade são os movimentos policiais-judiciais, que vêm criando fatos políticos em série nos estados. É inédito em eleições brasileiras. Outra variável é a taxa de agressividade. Um eventual segundo turno transcorrerá em altas temperaturas e fortes manifestações de rua. Começou hoje. * O dito centro parece a caminho de ficar fora do segundo turno. Os possíveis motivos foram rascunhados aqui num artigo de junho deste ano, "Centro excludente é uma contradição em termos". O primeiro: o governo é "de centro" e está pessimamente avaliado. A recuperação econômica é lenta e sem impacto real na taxa de emprego, por enquanto. O segundo: as experiências "de centro" exitosas costumam ser politicamente inclusivas, nunca excludentes. A ideia de opor-se à radicalização só faz sentido quando se acena com a conciliação. Um centro hostil ao que chama de extremos é uma contradição em termos porque perde a capacidade de ganhar massa crítica atraindo gente dos dois lados. Tancredo Neves pavimentou seu caminho juntando gente, não fazendo uma lista de quem estava a priori fora de seu projeto. O centro não existe por si, é apenas um ponto médio, um lugar geométrico. Para ganhar massa, precisa ter força de atração. Mas na política a capacidade de atrair não depende só de conseguir intimidar. É preciso saber seduzir. Daí a dificuldade de constituir uma frente antipetista "de centro". Ou um antibolsonarismo "de centro". Ou algo que tente fazer as duas coisas. O ponto médio nestas eleições está vazio à espera de quem consiga dialogar com o outro lado. Talvez seja uma das chaves para a vitória no hoje provável segundo turno. Até a próxima semana.
Parâmetros úteis para responder às questões do título encontram-se num texto de outubro de 2012 de George Friedman, da agência americana Stratfor, The Purpose of Presidential Debates. Corria então muito quente a disputa pela Casa Branca entre o candidato à reeleição, Barack Obama, e o desafiante republicano, Mitt Romney. Entrevista de candidato a presidente para o Jornal Nacional, da TV Globo, não é formalmente um debate, mas há poucas coisas mais semelhantes a um autêntico debate que candidato a presidente sendo entrevistado na bancada do JN. Não há ali propriamente uma relação jornalista-entrevistado. Há uma disputa aberta pelo poder. O sujeito tem de ir no JN porque não pode abrir mão da enorme audiência do telejornal. Mas inexiste mesmo almoço grátis, e o preço a pagar é considerável. Corre o risco de ser feito em pedaços por entrevistadores/debatedores sem a menor disposição de serem convencidos de nada, independente dos argumentos que o convidado possa apresentar. Não seria mais razoável deixar o entrevistado falar com alguma liberdade e expor suas ideias para melhorar o país? Bem, para isso se dirá que existe o horário eleitoral compulsório na tv e rádio abertos. E a verdade é que o dia a dia do poder se parece mais com uma entrevista no JN que com o desfile de belezinhas dos programas eleitorais. Gostar ou não da maneira como os entrevistadores/debatedores apertam os candidatos é só questão de gosto. Eu preferiria que houvesse mais tentativas de xeques-mates no mérito, e um pouco menos de exibição de músculos. Aliás, na política, o excesso de halterofilismo costuma ser sintoma de pouco treino para jogar xadrez. Mas é coisa que dá para corrigir. Num debate eleitoral ou numa entrevista como as do JN, a única coisa importante, para o candidato, é defender sua capacidade de liderar, em primeiro lugar sua própria tribo. Ele está ali num duelo, e não pode se deixar matar, ou mesmo se permitir ferir com gravidade. Se puder dar uma estocada decisiva e abater o adversário, melhor ainda. Talvez a principal qualidade exigida do líder político seja não errar -ou errar pouco- quando precisa decidir rápido e sob imensa pressão. Nesse aspecto, Ciro, Bolsonaro e Haddad foram os melhores. Até por serem, os três, personagens dotados da necessária autossuficiência para confrontar essa mesma característica da dupla de entrevistadores. Autossuficiência e capacidade de se agarrar às próprias narrativas. A narrativa é a boia do líder político na tempestade. E é a boia que ele atira aos liderados para se salvar junto com ele. Quem não consegue contar uma história sobre si fica à mercê da história que os adversários contarão sobre ele. Numa entrevista coletiva ou numa mesa de bar. Só ingênuos ou desavisados esperam que um político chegue ali e diga "puxa, vocês têm razão, eu errei mesmo; obrigado pela dica, da próxima vez vou tentar acertar". E só desavisados e ingênuos acreditam que os entrevistadores estão ali para oferecer uma oportunidade real ao entrevistado de expor argumentos. #FicaaDica. * Havia dúvidas sobre se daria tempo de outro candidato petista trazer para ele rapidamente votos que seriam de Lula, se este pudesse concorrer. Mas o tempo na política não é rígido. Parece mais com o tempo de Einstein que com o de Newton. Quanto mais perto da eleição, menos tempo você precisa para difundir eficazmente uma informação. * Uma característica este ano é o fim do oligopólio das pesquisas eleitorais. Certos veículos da imprensa recusam noticiar pesquisas que não as contratadas por eles. É um direito. Mas aí têm dificuldade de explicar possíveis repercussões de pesquisas que não disseram quais são. O Conselheiro Acácio, sempre útil. As consequências vêm sempre depois. Até a próxima semana.
A facada em Jair Bolsonaro foi um tiro. Ou melhor, dois. Foi um tiro na linha de comunicação do antibolsonarismo "de centro", ao transformar instantaneamente o violento em vítima de violência. E foi também o tiro de largada de fato da corrida presidencial. O antes de quinta-feira pode tranquilamente ser mandado ao arquivo. Ganham o próprio Bolsonaro e o PT. O capitão ganha um ambiente favorável a pelo menos estancar o aumento da rejeição, quando não a reverter a curva. E o PT, que sorte!, ao fim e ao cabo não ficou mesmo atrasado por causa da tática bifronte Lula e/ou Haddad. Está em tempo, se finalmente decidir nesta segunda a dúvida entre casar ou comprar uma bicicleta. Na opinião pública do centro para a direita, o ajuste mental e do verbo vem sendo rápido. O discurso sobre a necessidade de evitar os extremos é substituído pela esperança de que o próprio Bolsonaro se apresente como candidato centrista. E a campanha do PSL já percebeu: de quinta para sexta a postura mudou. Saiu de campo o radicalismo, entrou a fofura. É uma manobra inteligente para evitar que o "centro de raiz" tente agora deslocar o bolsonarismo voltando a se apresentar como alternativa "racional". Bolsonaro e os seus fazem a flexão de Lula em 2002. Se vai funcionar é outra história, mas estão empenhados. A suave entrevista de sexta do general Mourão bastou para quem quis entender. Já para o candidato original do "centro de raiz", Alckmin, o momento é de reencontrar uma picada ao segundo turno. A de antes estava clara: aumentar a rejeição a Bolsonaro agora, para lá na frente ocupar o terreno. Artilharia pesada agora, para mais adiante mandar a cavalaria e a infantaria tomarem um território já afofado pelo bombardeio. Isso inviabilizou-se porque a artilharia pesada tem de parar, há o risco de sair pela culatra. E fazer o que? Concentrar-se no propositivismo? Atacar o PT para tentar ir à final contra Bolsonaro? Apresentar-se como o pacificador do país, o que vai evitar a guerra fratricida, esse iceberg cuja ponta viu-se na mineira/carioca Juiz de Fora na quinta-feira? Tudo terá um custo. Tentar concentrar-se em tirar o PT da final é arriscado, o petismo parece entrincheirado. Uma opção seria acreditar que o PT se dividirá na campanha, mas é duvidoso demais depender disso. Enquanto o petismo tem chance de ganhar a eleição - e ela existe - dificilmente vai mergulhar numa guerra interna. Se perder, isso está contratado para depois. Ciro vai bem, diante dos parcos recursos disponíveis. Vem numa ascensão suave, especialmente no lulismo menos petista. É preciso ver o limite disso. O candidato do PDT ainda precisa de muita musculatura adicional para sonhar com ir a 28 de outubro. Já Marina parece num momento difícil da corrida. O "centro" anda cada vez mais congestionado. Um problema adicional para Alckmin é esse congestionamento. Além do tucano e de Marina, já há pelo menos três outros nomes com alguma presença nas pesquisas: Amoêdo, Álvaro Dias e agora Meirelles, que começa a dar as caras, pois está aproveitando bem seu decente tempo na propaganda eleitoral compulsória no rádio e na tevê. É possível que na hora da decisão haja algum tipo de voto útil nesse campo, mas os nervos precisarão estar fortes até lá. Pois mais de um nome sobe. Voto útil em quem? É uma pressão que também vai aparecer na esquerda, se Haddad estiver precisando dos votos de Ciro, ou este dos votos do PT para ir à decisão. O primeiro turno tem tudo para ir quente até o final, com uma definição nos últimos dias, horas, ou mesmo na urna. O bolsonarismo sonha com uma vitória em primeiro turno, o que ainda não está no radar. O tucanismo, com um "despertar de centro". O PT, com fazer a disputa da civilização contra a barbárie, ou do governo Lula contra o governo Temer. * As pesquisas eleitorais têm andado razoavelmente em linha. Mesmo que alguns números divirjam, as tendências apontadas por elas têm coincidido no essencial. Mais uma prova de que é desperdício de tempo e energia umas ficarem falando mal das outras. Na era da big data, já deveriam ter aprendido que se erra menos com muita informação que com pouca. Até a próxima semana.
O mercado financeiro anda nervoso por não saber, ou não conseguir prever com razoável margem, o desfecho da sucessão presidencial. Ou por achar que o eventual eleito pode ser tentado a heterodoxias, pois os resultados imediatos da ortodoxia não têm sido bons. Ou por acreditar que o ungido não terá potência para arrancar do pântano e ganhar velocidade. O nervosismo do mercado nasce da incerteza sobre se 1) o Brasil vai eleger um presidente comprometido com privatizações, desregulamentação e austeridade fiscal; e se, mesmo nesse caso, 2) ele terá força para fazer valer no Congresso seu programa de governo. Junte-se a isso o quadro internacional, e o dólar continua subindo a ladeira. Um argumento de certo peso contra o programa econômico perseguido por Michel Temer é não ter sido aprovado na urna. Bem, desta vez, caso a eleição produza um presidente de direita, da tonalidade que for, o público estará sabendo do que se trata. Todos os nomes desse campo estão comprometidos com a ponte para o futuro temerista. Mas infelizmente ainda não apareceu o candidato ideal. Um que simultaneamente defenda a tríade liberal listada mais acima, tenha muitos votos e projete um ambiente de governabilidade estável. Geraldo Alckmin vai bem no primeiro e no terceiro quesitos. Jair Bolsonaro nos dois primeiros. O mercado torce para que o tucano aproveite bem a TV. Outro complicador são as circunstâncias do PT. O partido precisou pender à esquerda para segurar seu mercado eleitoral, e a operação vem tendo sucesso pelo ângulo político. Não se veem dissensões sérias internas nem desafiantes viáveis externos. Mas não existe almoço grátis, e o petismo manter-se competitivo aguça as naturais inquietações do capital. E tem também Marina e Ciro. Ela já faz tempo que procura cercar-se de economistas de currículo liberal. Há anos ela oferece previsibilidade na economia. É o que vem faltando a ele projetar. Mas talvez não possa ser diferente no caso do pedetista: ele precisa de votos dos dois lados, precisa de alguma ambiguidade se quiser ter chance de passar ao segundo turno. O mercado está nervoso? Sim, mas e daí? Se o leitor ou leitora deixar as idiossincrasias de lado, verá que que resposta é "e daí nada". Seja quem for o próximo presidente, ele enfrentará constrangimentos orçamentários e políticos que reduzirão a um mínimo sua margem de manobra na economia. Com qualquer resultado, pouca coisa vai mudar, ao menos no curto prazo. O eleito assumirá com uma preocupação ultraprioritária: criar empregos. Precisará estimular fortemente os investimentos. Para isso, terá de se entender com o empresariado. Ou seja, não vai abrir o mandato arrumando confusão e gerando incerteza. Ao contrário, vai procurar evitar turbulências e inocular otimismo. Até para influir mais no Congresso. O próximo presidente trará notícias ruins. Corte de gastos, reforma da previdência. Precisará compensar com notícias boas. E a única possível no Brasil de 2019 será que o emprego voltou. Mas se é o trabalho que acrescenta valor à mercadoria, quem cria, ou destrói, postos de trabalho é o capital. Uma verdade contra a qual nunca é inteligente brigar. Cada um compra e/ou vende dólar na hora que quiser, mas os espertos venderão na turbulência e recomprarão quando o ambiente se desanuviar, lá por novembro e dezembro. E os mais espertos ainda? Estes ocuparão o tempo até lá bolando ou desengavetando projetos que o novo governo possa apresentar como boas notícias para a criação de empregos. #FicaaDica. E tem outro detalhe: seja qual for o governo, tudo precisará ser negociado com o Congresso, que já se sabe mais ou menos como será. * As entrevistas com candidatos têm parecido menos entrevista e mais debate eleitoral. O jornalista coloca-se na posição de adversário político do entrevistado. Mas tudo na vida tem dois lados. Quem está acostumado a bater, de repente percebe que também pode ser alvo. Talvez seja inevitável, mas não deixa de ser novidade essa volta do cipó de aroeira. Até a próxima semana.
O debate sobre a eleição tornou-se nos últimos dias um debate sobre o tempo. Se o muito tempo de Geraldo Alckmin na TV e no rádio será decisivo para levá-lo ao segundo turno. E se o pouco tempo, talvez apenas três semanas, para o PT informar o eleitor que Lula é Fernando Haddad, ou o inverso, será suficiente para trazer ao ex-prefeito os votos necessários. Vamos começar pelo tempo de TV. Claro que ter muito é bem melhor que ter pouco, ou quase nada. As ironias em contrário são só mais do velho "as uvas estão verdes". Quem não gostaria de ter mais presença no ar? A eleição de 2014 provou que tempo conta. Especialmente para atacar e enfraquecer o quanto possível adversários com quase nada de munição. Mas mesmo 2014 mostrou que essa variável deve ser vista com inteligência. O PT prevaleceu sim então porque tinha muito tempo, mas principalmente porque usou a vantagem para consolidar uma narrativa verossímil, que tinha aderência à realidade. Pobres x ricos. Também porque os adversários adotaram a tática de acenar ao chamado mercado Muito tempo é bom, mas não exime de precisar contar uma história com começo, meio e fim. Alckmin tem larga vantagem no quesito, mas precisa encontrar um jeito de sair da armadilha de ser visto como o candidato que vai continuar o programa do governo de Temer. Até porque ele é mesmo o candidato viável que mais carrega a esperança, ou o risco, dessa continuidade. A campanha do PSDB está fazendo o possível, ao debitar na conta do PT a catástrofe econômica produzida em 2015/16. Até porque o governo era mesmo do PT. Emplacar esse discurso seria mais fácil se Dilma Rousseff ainda estivesse sentada na cadeira do Planalto. Mas obviamente não se quis arriscar deixar o petismo concorrer de caneta na mão. Tudo tem um preço. Agora quem está lá é o aliado Temer e seu brutal déficit de imagem. Outro detalhe é que Dilma absorveu o passivo do petismo em política econômica, e deixou o ativo para Lula. Bem, mas foi Lula quem indicou Dilma. Seria algo que o ex-presidente precisaria explicar. Mas ele está preso e não o deixam explicar nada. E o candidato real, Haddad, deve menos explicações ainda no quesito. E o PT? Precisará executar uma operação desafiadora, inclusive pelo ineditismo. Tem algum tempo de TV mas poucos dias para a missão, e enfrenta até agora uma Justiça hostil, que não deve estar feliz com a tática petista de quase desobediência civil. É razoável supor que o partido não voará em céu de brigadeiro quando quiser colocar suas mensagens no ar. A atenuante das dificuldades do PT é que a legenda parece estar unida em torno da tática. Depois de alguma espuma no noticiário sobre as resistências a Haddad no Nordeste, o candidato de facto está há dias na região posando para imagens com os governadores dali. E não parece haver divergência no PT sobre o que fazer quando Lula for sacado da corrida. Não se vê no petismo ninguém relevante pregando voto nulo se Lula não puder mesmo concorrer. Nem propondo descarregar em Ciro Gomes ou Marina Silva. Ou seja, se o PT terá pouco tempo para a transfusão, pelo menos não precisará desperdiçar uma parte preciosa desse tempo aparando arestas internas e com aliados. Não deixa de ser um alívio. * Jair Bolsonaro tem um problema aparentemente tão grande quanto o pouco tempo de TV. O noviciado em campanha presidencial. É coisa que costuma levar o sujeito a atravessar a rua para escorregar em casca de banana na outra calçada. Pela primeira vez nesta corrida, o candidato do PSL dá mostras de fragilidade e desconforto com a pressão. Outro novato, Haddad, está por enquanto protegido pela candidatura de Lula. Mas é lógico supor que irá apanhar que nem gente grande nos debates e entrevistas a partir de quando for oficializado. É improvável que os adversários assistam ao desfile petista como quem acompanha embasbacado uma parada militar do Dia da Vitória. Já os veteranos Ciro e Marina mostram-se à vontade. Não são alvo de ninguém. Resta saber se vão conseguir aproveitar a calmaria. Até a próxima semana.
As pesquisas dizem que eleitor dá muita importância a debates entre candidatos. Por que o eleitor diz que dá muita importância a debates entre candidatos? É prudente não tomar ao pé da letra o que o eleitor diz de si mesmo, mas debates têm sim alguma importância. Em 2006 Lula deixou de ganhar no primeiro turno porque não foi ao debate final. É o que se diz. A convicção do voto é proporcional ao orgulho que o eleitor sente da sua escolha. Se o candidato "vai bem" no debate, fica mais fácil estufar o peito e defendê-lo no trabalho, na escola, na mesa do restaurante, no almoço da família. Se "vai mal", o eleitor arrisca-se a ser "zoado" nos ambientes sociais que frequenta. Ninguém gosta de passar por situações assim. Eleições costumam seguir uma lógica tribal. Escolhe-se quem melhor pode liderar a tribo na luta pela sobrevivência e para sobrepujar, dominar ou se possível exterminar as tribos rivais. Quem nunca viu um filme em que dois chefes inimigos lutam até a morte como alternativa racional a uma guerra em que muitos dos chefiados morreriam? #FicaaDica "Ir bem" num debate eleitoral é demonstrar qualidades de liderança. Coragem, mas racional. O líder não pode ser corajoso ao ponto de arriscar a sobrevivência do grupo. Autoestima, mas com forte componente de alteridade, a capacidade de colocar-se no lugar do outro. Do povo. E, sempre, mostrando que o rival não tem essas qualidades. Por que Lula preso e inelegível mantém-se nos cerca de 30%? Porque o eleitor do ex-presidente continua confiando nele para fazer o que esse eleitor acha que deve ser feito no Brasil: governar com forte preocupação social. Nenhuma acusação até agora contra Lula fez, nem ao menos, cosquinha nesse atributo. Bolsonaro resiste nos seus cerca de 20% porque ninguém faz sombra a ele na disposição de combater politicamente a esquerda e a influência social e cultural do pensamento de esquerda. O PSDB até que tenta, mas seu pé no progressismo funciona como freio de mão puxado. Não tem a mesma autenticidade, o mesmo "punch". Bate fofo, como se diz. Para ir ao segundo turno, Ciro precisa ou 1) mostrar que é mais confiável aos pobres e ao Nordeste que o substituto de Lula (Haddad) ou 2) recolher o eleitor órfão de uma suposta social-democracia não petista, órfã do deslocamento do PSDB para a direita. Os dois caminhos são complicados, mas possíveis. Um problema de Ciro é depender muito do erro alheio. Já Alckmin precisa 1) mostrar-se mais capaz que Bolsonaro de derrotar a esquerda. Ou então 2) acreditar que existe mesmo um eleitorado centrista. O primeiro caminho seria facilitado se o tucano exibisse mais músculos que o capitão nas simulações de segundo turno. O segundo complicou-se quando Lula indicou Haddad. Sem falar da concorrência de Marina. A desconstrução de Lula ou do substituto só será possível se os adversários fragilizarem o núcleo da imagem do líder petista. E é duvidoso que os rivais de Bolsonaro enfraqueçam-no decisivamente adotando como tática eleitoral atacar o "despreparo" dele. O eleitorado do capitão não está atrás de "preparo". Procura quem derrote, se possível elimine, a esquerda. Alckmin tem instrumentos para vencer a "semifinal" na chave da direita. Tem partidos, dinheiro, tempo de televisão e a simpatia do establishment. Bolsonaro é a sensação desta Copa até agora, mas sensações também tropeçam na hora h. Só que o relógio está correndo. Já Ciro disputa em situação de grande desvantagem material. Alckmin e Ciro precisam que alguma coisa mude. Já Bolsonaro e o PT jogam ajudados pela inércia, como parecem comprovar as pesquisas, inclusive as que apontam o potencial de transferência de votos de Lula para Haddad. Quem precisa que alguma coisa mude precisa usar os debates para tentar dinamitar na semifinal o pilar que sustenta a imagem do rival. * Já há algum consenso de que a prisão, se impede Lula de falar às massas, protege-o de ataques, críticas, questionamentos e manifestações contrárias. Mas ainda não tinha ficado claro que a ausência forçada do PT nos debates acabaria tirando o PT do foco, no ringue televisivo entre os candidatos. Não só Lula está por enquanto algo protegido. O PT também. Até a próxima semana.
Era previsível que o PT chegaria competitivo à eleição presidencial. Numa sucessão marcada pela incerteza, há hoje razoável convicção de que a dupla Fernando Haddad-Manuela D'Ávila tem potencial para passar à finalíssima. Assim como o PSDB de Geraldo Alckmin, a aliança PT-PCdoB depende só de si para estar na urna eletrônica em 28 de outubro. Claro que isso será função da identificação do lulismo com a chapa nascida do impedimento eleitoral do ex-presidente. Segundo o Datafolha, em torno de 30% dizem que votam com certeza num candidato de Lula, e pouco mais de 15% dizem que talvez votariam. Mas quando Haddad é apontado como esse candidato o número total cai para 13% (XP/Ipespe). Há pelo menos três leituras possíveis, não excludentes, para essa diferença: 1) Lula tem mais eleitores que o PT; 2) O eleitor que gosta de Lula não necessariamente gosta de Haddad; e 3) Haddad é um desconhecido. As três afirmações são evidentemente verdadeiras. A dúvida é saber qual explica melhor a defasagem entre os índices do "candidato de Lula" e de Haddad. Lula tem sim mais eleitores que o PT, mas o partido voltou ao share de 20% do eleitorado. Ou seja, Haddad, o "candidato de Lula", ainda tem mercado a abocanhar no universo petista. O que também relativiza a segunda explicação. A conclusão mais razoável: Haddad vai subir conforme for ficando mais conhecido como o nome do PT e de Lula para esta corrida. Em tese, ele vai para pelo menos para uns 20%, a preferência pelo PT e uns dois terços do voto de Lula. Se tiver menos, terá cometido erros; se passar disso, sua campanha de primeiro turno terá sido um sucesso. E se o não voto (branco/nulo/não foi votar) ficar na casa de 33%, Haddad bateria em 30% dos válidos, o que deve dar para estar entre os dois primeiros. Mas para virar realidade essa teoria exige execução. O que não chega a ser um bicho de sete cabeças. Onde estão os riscos? Um é Ciro Gomes crescer e capturar parte do voto petista-lulista. Pode acontecer, mas o PT tem meios, inclusive tempo de TV e rádio, para blindar seu eleitorado. Se quiser encorpar, Ciro tem de sair do cercado da esquerda. E ele está tentando. Outro risco é um recrudescimento da #LavaJato contra o petismo, ainda que a operação já tenha descarnado bem essa carcaça. Mas, a não ser que surja algo novo e espetacular contra Haddad, o efeito da #LavaJato sobre o PT já está precificado. A esta altura, potenciais fatos novos gerados no âmbito dela talvez assombrem mais outras candidaturas. Até por esse detalhe, o entusiasmo pela #LavaJato não é mais o mesmo. Um sintoma é a aliança de Alckmin com o chamado centrão ter recebido apenas críticas protocolares, longe da onda de indignação que se produziria em outros tempos, e se fossem outros os personagens. Mas convém ficar de olho. Se o vento mudar de novo, Marina Silva e Álvaro Dias estão na pista. O desafio do primeiro turno é equacionável pelo PT. Mais complicado seria um segundo, onde o antipetismo hoje sólido na sociedade teria terreno fértil. Não à toa Lula optou por Haddad e seu figurino algo centrista, ainda que pela esquerda. Se o espaço do "centro" continua aberto, por que Lula deveria abrir mão de repetir o que sempre deu certo para ele? Não sei se vai acontecer, pois os adversários não estão dormindo, mas seria curioso se, depois de tanta espuma, as platitudes do "centro" e do "novo" acabassem abduzidas pelo petismo em aliança com o PCdoB. Aliás, no segundo quesito, Haddad é o único candidato competitivo com pinta de que vai sobreviver para a presidencial de 2022, com qualquer resultado agora. Ou seja, Lula está jogando para já, sim. Se não der, já terá jogado também para o futuro. A prisão não parece ter, por enquanto, afetado negativamente sua perícia nesse xadrez. * A diferença oceânica entre as audiências do debate da Band e do evento paralelo feito pelo PT na internet vai fazendo cair a ficha de quem acreditava que esta eleição seria decidida "nas redes sociais". E, como o noticiário já registra, o PT parece ter percebido que a campanha "alternativa" já deu o que tinha de dar. Hora de virar a chave. Até a próxima semana.
A crônica política é recheada de expressões tão grandiloquentes quanto vazias. Uma delas é "o político que pensa em primeiro lugar no país". O sujeito que abdicaria voluntariamente de posições de poder em nome de uma causa maior: derrotar o campo adversário. Personagem dificílimo de achar na vida real. Esta eleição comprova mais uma vez.O espectro do chamado centro para a direita poderia juntar-se em torno de Meirelles e seu currículo em economia, ou de Álvaro Dias e sua impermeabilidade a fatos da Lava Jato. A união seria mais complicada em torno de Bolsonaro. No limite, poderiam apoiar Marina, a mais apresentável como "de centro". Mas Alckmin não abriu mão e agrupou as máquinas.Outro que não abre mão é Lula. Nem Lula nem o PT veem motivo para ceder a liderança, mesmo que isso acomodasse melhor as forças supostamente unificáveis para enfrentar o rolo compressor que derrubou Dilma e sustenta Temer. "Se querem me aposentar que arrumem votos para isso", parece ser o recado do ex-presidente preso em Curitiba.Alckmin tem duas vantagens e uma desvantagem. Está bem com o establishment e exibe uma incomparável junção de máquinas. Mas não está de bem ainda com o eleitor. E estes dias Bolsonaro sobreviveu com folga a duas provas jornalísticas, superando em boa medida dúvidas sobre a capacidade de enfrentar situações assim. E parece de bem com seu eleitor.Já Lula e o PT estão no osso, ou quase. Pela primeira vez desde 2002 vêm destituídos de máquinas relevantes. Mas parecem sintonizados com o eleitor de esquerda. Lula ocupa um latifúndio de 30% e o apoio ao partido está consistente em 20%. Nenhum outro nome ou legenda chega perto. E o petismo buscou fazer valer a força nesta reta final de montagem da chapa.Outro fator explica a pouca permeabilidade dos partidos tradicionais para ceder espaço: num segundo turno contra Bolsonaro todos acreditam ter boa chance de ganhar. E não é uma aposta totalmente destituída de razoabilidade. O candidato do PSL mostra grande resiliência, mas ainda pouca capacidade de ampliar para fora de seu eleitorado tradicional.Mas atenção ao "ainda". As apostas a favor da fragilidade de Bolsonaro têm insistido em não se pagar. Uma das últimas balas na cartucheira é acreditar que ele não resistirá à disparidade de tempos de televisão. Será sufocado como Marina em 2014, esmagada que foi pelo ataque simultâneo do PT e do PSDB, que naturalmente preferiam um ao outro na decisão.Se o absenteísmo (brancos, nulos e ausências) alcançar 33%, quem tiver 20% dos votos baterá em 30% dos válidos. E estará com um pé na final. Bolsonaro precisa pelo menos manter-se. O PT tem de transferir dois terços do voto de Lula. Alckmin precisa ou lipoaspirar Bolsonaro e/ou esvaziar Marina e Álvaro. Ciro, Marina e Álvaro precisam tirar coelho da cartola.Mas quem consegue, em algum cenário, 10% ou pouco menos tem o direito de acreditar que chegará aos 20%. E com isso passar ao segundo turno. Ou seja, uma meia dúzia de candidatos veem-se atravessando a primeira barreira e chegando a 28 de outubro em boa situação de vitória. Difícil convencer alguém a desistir num cenário assim.O grande político, que às vezes ganha o direito de ser chamado de "estadista", consegue colocar em primeiro lugar seus próprios interesses dando a impressão de estar apenas preocupado em defender os interesses dos outros. Só que agora está difícil. Vamos aguardar a campanha para ver quem consegue desgarrar do pelotão, para adiante. * Terminadas as preliminares, vem aí uma certa travessia do deserto, o período entre o fechamento das chapas e o início dos programas e propagandas no rádio e na TV. Vai ser uma oportunidade de verificar o real poder da internet na comunicação dos candidatos. Será que vai haver alguma movimentação relevante nas pesquisas?Eu apostaria que não.Até a próxima semana.
Desde sempre sabe-se que as eleições deste ano serão disputadas em ambiente de polarização. Até por isso ser algo tautológico. O normal é eleições acabarem polarizadas, mesmo em períodos de dita paz política, quanto mais agora. As exceções são raras. Vender o contrário costuma ser um dos muitos contos do vigário da política. A dúvida nunca é se vai haver ou não polarização, mas que polarização haverá. É como no judô: quem consegue a melhor pegada no quimono adversário mais chance tem de impor o golpe decisivo. No léxico político-eleitoral, quem impõe a pauta tem meio caminho andado para finalmente aplicar o ippon no dia da urna. A economia vem mandando nas eleições desde há muito. O PSDB ganhou duas disputas presidenciais impondo a economia como pauta central. Era o tempo em que os tucanos sacavam do real para ter voto nos pobres. Depois o PT ganhou quatro eleições também assim: uma pela insatisfação com o PSDB, e três pela superioridade dos resultados econômicos petistas. O establishment vinha tentando mudar a lógica desta vez. Houvesse um nome "novo" viável e compromissado com a agenda liberal, seria possível vender a centralidade de renovar a política como veículo da continuidade do programa do governo Michel Temer. Não faltaram tentativas. Mas ninguém com o figurino conseguiu até agora massa crítica. Marina Silva e Álvaro Dias estão aí, mas a melhor probabilidade de ainda impor essa polarização continua sendo Jair Bolsonaro. Entretanto, ele estar excessivamente à direita faz o establishment desconfiar de sua competitividade. Daí a celebração em torno das amplas alianças costuradas com competência por Geraldo Alckmin. O establishment acredita que as concessões à "velha política" talvez possam se pagar. E é sempre melhor poder apostar em dois cavalos, ou talvez três, do que depender de um só. Poderiam ser até quatro, se Ciro Gomes tivesse atraído um pedaço da direita. Mas ao fim e ao cabo a turma não quis trocar o certo pelo duvidoso. Um governo do PSDB dificilmente trará surpresas. Não existe almoço grátis, e Alckmin carregará com ele as frustrações do governo Temer. No fritar dos ovos, ou ele ou Bolsonaro serão "o candidato do Temer" no segundo turno, com algum espaço ainda para Marina e Álvaro Dias. O "candidato do Temer" pode bem ser alguém que passe a campanha atacando o presidente, desde que incorpore a agenda temerista. E ao "candidato do Temer" é provável que se oponha na decisão um "candidato do Lula". Pode ser alguém do PT ou o próprio Ciro. Ou, numa hipótese mais remota, até Marina. O nome importa, mas não é tudo. Vale o caráter da polarização. E hoje ela tende a girar de novo em torno da economia e ser esquerda x direita, ainda que esta venha fantasiada de centro. Por isso, o desafio do establishment continua mais ou menos do mesmo tamanho. Ir ao segundo turno é bom, mas o que interessa mesmo é ganhar. E como ganhar vendendo algo que indica continuidade econômica num ambiente de alta demanda por mudanças? E com um "candidato do Lula" comparando a economia atual com a do ex-presidente? Alckmin imagina contar com o peso maciço das máquinas Federal e da maioria dos governos estaduais. Isso tem se mostrado decisivo nas recentes eleições extras nos Estados. Ele terá também ampla simpatia da elite. Quanto pesarão os dois vetores na disputa presidencial? Só haverá uma maneira de ir acompanhando isso ao longo da campanha: as pesquisas. Um problema é que as pesquisas, ao menos as registradas na Justiça, têm perguntado de tudo, menos o essencial. Poucas têm medido a intenção de voto em um "candidato do Lula" no primeiro e no segundo turnos. E não têm confrontado os candidatos "do Lula" e "do Temer" no segundo turno. Numa eleição sem grandes líderes dotados de voto próprio, seria bom. Vai ser difícil fugir dessa polarização. Até a próxima semana.
Superada a anestesia da Copa do mundo, o grid de largada da corrida presidencial ganhou contornos mais nítidos na semana em que o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, arrebatou o apoio do 'centrão', conglomerado de partidos que hoje controla a pauta do Congresso Nacional e domina parcela expressiva da Esplanada Ministerial de Michel Temer. A adesão em bloco das siglas que tutelam a agenda legislativa e administram o grosso do orçamento Federal torna o ex-governador de São Paulo competitivo na campanha pelo Palácio do Planalto, atenuando desconfianças acerca do seu desempenho que pairam sobretudo sobre o mercado financeiro e o empresariado. Ao mesmo tempo, Jair Bolsonaro (PSL) e Ciro Gomes (PDT), rivais de Alckmin na disputa por vaga no segundo turno, sofreram reveses de natureza partidária, cujas consequências ainda estão sujeitas às intempéries da reta final de convenções, em meados de agosto. Bolsonaro, líder nas pesquisas de intenção de voto que excluem o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), teve dois insucessos nas tratativas para escolher generais do Exército como vice. Deve referendar a advogada Janaina Paschoal, uma das redatoras do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, como companheira de chapa - opção pouco efetiva para agregar apoios fora do eleitorado já convertido ao bolsonarismo. Ciro, que flertou com o 'centrão' nos últimos dois meses e chegou a oferecer revisões em seu programa econômico para se ajustar ao figurino liberal almejado pelas siglas centristas, se distanciou do grupo com declarações ofensivas ao Ministério Público e uma inesperada manifestação contrária à venda da Embraer para a norte-americana Boeing. Para ilustrar o súbito upgrade na candidatura de Alckmin é oportuno recapitular: 1) O tucano passará a ter ampla predominância na propaganda de TV, com 38% do tempo total dos programas fixos e 10 das 28 inserções diárias de 30 segundos veiculadas nos intervalos dos programas de maior audiência. 2) Cerca de 280 deputados integram as legendas que estão hoje próximas de formalizar embarque na coalizão alckmista - quase 30 votos além do patamar necessário para formar quórum qualificado e viabilizar aprovação de mudanças na Constituição. 3) Ministérios como os da Educação, Saúde, Transportes e Cidades, responsáveis por fatia expressiva da dotação orçamentária da União, são geridos pelo 'centrão'. São pastas de capilaridade nacional, capazes de irrigar com recursos e programas todos os rincões do país com vigor e celeridade. A bússola do 'centrão' é conhecida. O bloco se guia pelas variáveis clássicas da política brasileira. Com as restrições ao financiamento privado, os partidos passaram a ser sustentados essencialmente pelo fundo partidário e, indiretamente, pelos recursos que administram na máquina pública. Daí a necessidade permanente de controlar a pauta do Legislativo e amealhar postos-chave nos Ministérios. Prevaleceu entre os líderes do bloco a visão de que Alckmin seria a alternativa disponível no grid eleitoral que ofereceria menor risco para a manutenção dessa equação, criando um ambiente de blindagem institucional aos seus dirigentes, muitos deles questionados no campo ético. Outro fator de desequilíbrio em favor de Alckmin foi a demanda das bases eleitorais dos centristas. O projeto de poder de cada sigla, atrelado ao tamanho de sua bancada na Câmara, depende da performance dos deputados e da formação de quociente eleitoral nos Estados. O tucano é visto como apto a estruturar palanques regionais robustos e produzir agenda temática alinhada ao perfil de centro-direita hegemônico nos redutos desses parlamentares.Efeito colateral Alckmin passa a ter, portanto, instrumentos político-partidários para ganhar pontos nas pesquisas, onde segue estacionado com 7% a 8%, e perseguir uma vaga no segundo turno. O tucano, contudo, terá de lidar com os aspectos tóxicos da ampla aliança com os próceres do que se convencionou chamar de 'velha política'. Ao atrair o consórcio que sustenta o impopular Temer, o ex-governador paulista absorve a agenda negativa que ronda o governo Federal e vira alvo imediato dos outsiders. Dada a elevada repugnância do eleitorado à classe política tradicional, é prematuro decretar já a volta da polarização PSDB-PT que vinha permeando as campanhas presidenciais pós-redemocratização. Lula, principal líder do PT, está preso e deve ter sua candidatura barrada pela Justiça Eleitoral. São imprecisas as projeções de transferência de votos do ex-presidente para eventual substituto petista - seja ele Fernando Haddad ou Jaques Wagner. Desprezado pelo 'centrão', Ciro já acena aos eleitores de esquerda na expectativa de reinventar sua candidatura na esteira dos apoiadores de Lula que hoje buscam uma opção distante do petismo. Em paralelo e com estratégias distintas, Bolsonaro e a ex-ministra Marina Silva (REDE) apelarão à negação da política tradicional como plataforma central de suas campanhas. Ambos detêm musculosas redes de mobilização digital, ferramenta de campanha que independe de coalizões partidárias e se retroalimenta com o ódio inoculado em fração significativa do eleitorado. Tais redes tendem a ser anabolizadas pelo noticiário policial prodigioso da operação Lava Jato, que vinculará até 7 de outubro os atuais detentores de poder e seus aliados a práticas de corrupção. Em vez da usual polarização entre 'azuis' e 'vermelhos', há margem, portanto, para um enfrentamento das forças que gravitam no entorno do 'sistema' contra os seus mais contumazes detratores. Mesmo diante das incertezas acerca do epílogo da narrativa de vilanização do establishment político, os presidenciáveis mais resilientes e capazes de mover as peças do xadrez sucessório em consonância com o 'regulamento' tendem a ser favoritos. Até porque a premência de construção de maioria no segundo turno exigirá ampla habilidade para superação de estridentes diferenças ideológicas. Para prestar atenção nos próximos dias: Confirmação de Josué Alencar como candidato a vice na chapa de Alckmin (importante sobretudo para o tucano crescer no eleitorado de Minas Gerais); Ritual de pacificação do PSDB paulista (Caso Alckmin e Doria superem as divergências internas, darão passo decisivo para fortalecer a estratégia anti-Bolsonaro no Estado); Homologação das candidaturas de Henrique Meirelles e Álvaro Dias (ambos pouco competitivos, mas capazes de tirar pontos de potenciais concorrentes ao segundo turno); O 'Dia D' do PSB nacional (aliança com Ciro, PT ou neutralidade); Desdobramentos do lançamento do programa de governo de Lula-PT e articulações em torno do nome escolhido para vice na chapa.
A política e as tribos dela dependentes ocupam-se de tentar adivinhar o nome do próximo presidente. O resto do país, alguma hora, vai querer saber o que ele fará. Aliás, o assim chamado mercado já anda entretido com isso. E um valor em alta nos pedidos para o final do ano é a estabilidade. Sem ela não iríamos a lugar nenhum, continuaríamos no pântano. Às vezes a opinião pública gira em falso, em torno de certezas surgidas não se sabe bem de onde. Uma é que a estabilidade seria indispensável e também suficiente. A simples observação dos fatos derruba o postulado. O governo Michel Temer tem sido o mais estável desde a redemocratização. Resistiu a duas votações na Câmara para derrubá-lo. E daí? E daí nada. Um governo pode ser ao mesmo tempo muito estável e viver imobilizado, que é o caso. Então, como fazer para o próximo presidente conseguir combinar estabilidade na função e iniciativa política e econômica para enfrentar os desafios do cargo? Começando pela retomada da economia e dos empregos, especialmente para a população mais jovem. Há aqui problemas antigos e novos. O antigo é um sistema partidário-eleitoral organizado para negar ao chefe do Executivo a maioria automática no Congresso. Melhor dizendo, para negar ao eleitor, na prática, a possibilidade de construir democraticamente na urna maioria congressual para o presidente eleito executar seu programa. Há todo um portfólio de modelos para resolver isso, mas não há interesse em implementar. A resistência conhecida vem de um sistema partidário feudalizado. Mas essa é a face visível. A invisível é outra: impor compulsoriamente ao presidente estar em minoria no Legislativo tem sido útil para frear a influência "cesarista" do voto majoritário sobre o poder. Um jeito de dar ao Planalto melhores instrumentos para formar maioria na Câmara seria impor a verticalização das coligações (o voto vinculado) e distribuir as vagas de deputado de acordo com a votação recebida não pelos deputados, mas pelo presidente. E a base que eventualmente ainda faltasse ao final do primeiro turno seria reunida para o segundo. Não vai acontecer. E aqui compreende-se melhor por que fracassaram as tentativas de implantar o parlamentarismo entre nós. Onde ele faz sucesso é porque, na real, a eleição do primeiro-ministro acaba sendo "direta". O eleitor vota no partido ou no candidato a deputado já sabendo em quem está votando para governar o país. E consegue. Mas, além dos problemas antigos há agora os novos. Não bastará ao próximo presidente formar maioria num Congresso balcanizado, precisará recolocar para dentro da jaula a profusão de polos carnívoros de poder liberados desde 2014 para caçar os políticos. Isso resultou, como era inevitável, num sistema multipolar em que uns neutralizam os outros, e a resultante é zero. O ambiente político no Brasil está cada vez mais parecido com a Rússia dos Romanov, menos por um detalhe: falta o czar. A profusão de mecanismos de controle e regulação, a produção compulsiva de regulamentos, o empoderamento dos burocratas, o ambiente opressivo, o poder da polícia. Está tudo aí. Só falta alguém capaz de fazer o emaranhado dar em algo útil. O próximo presidente chegará em 2019 com minoria no Congresso e já tolhido pela impermeabilidade de um Estado que passou a prestar contas só a si mesmo e ao pedaço da elite econômica com acesso ao que se convencionou chamar de opinião pública. E se quiser fazer coisas que esta segunda pede, como reformar a previdência, terá de enfrentar a primeira. Dos quatro eleitos para a presidência desde 1989, dois foram derrubados. É humano que o quinto queira fugir disso. Um jeito é compor-se com o poder real e profundo, descrito nos parágrafos anteriores. Isso traria estabilidade. E também imobilismo. Pois as forças que podem prover estabilidade são as mais beneficiadas por nada mudar. Seria uma fórmula vencedora, não fosse pelo detalhe de que uma hora o circo sozinho não resolve, é preciso distribuir algum pão. O que pode eventualmente levar a sociedade a pedir não estabilidade, mas instabilidade. O momento está próximo? Não parece ainda. Mas é sempre bom ficar de olho em quando e como essa demanda vai surgir. Até a próxima semana.
A guerra em torno da liberdade ou não de Lula é assimétrica. Os inimigos dele têm larga vantagem em forças convencionais. Têm hegemonia no Judiciário e na imprensa, e por enquanto maioria nas pesquisas feitas no conjunto da sociedade. É uma correlação de forças que lhes tem permitido manter preso e inelegível o ex-presidente. É natural portanto que as forças lulistas acabem levadas a táticas de guerrilha, como a que buscou neste domingo libertar o ainda pré-candidato do PT à Presidência. E os efeitos da escaramuça precisam ser vistos à luz de dois critérios: 1) o resultado militar propriamente dito e 2) a resultante propagandística e militar no cenário geral da guerra. A #LavaJato travou a batalha militar tática para impedir que Lula fosse solto, mesmo que por uns instantes. Mostrou força, o que é sempre importante. E o lulismo conquistou uma primeira vitória propagandística, ao impor ao adversário que este usasse abertamente de métodos pírricos, do tipo que fazem o vencedor sair do conflito mais fraco do que entrou. Os adversários de Lula acreditam ser mais fácil vencer a eleição com o ex-presidente preso e inelegível. Farão de tudo para manter isso. O problema? O PT gostaria muito de Lula poder concorrer, mas tem outras opções. Que dependem em última instância de o partido conseguir sustentar uma narrativa favorável, e que alavanque outro eventual nome em outubro. A primeira vitória de uma guerrilha é sobreviver. No caso, o PT precisa apenas impedir que a situação política do país se estabilize com o poder em mãos adversárias. Por enquanto vem conseguindo. O governo Temer ensaiou consolidar-se e projetar uma expectativa de poder futuro, mas atrapalhou-se no plano policial e os efeitos foram imediatos sobre a economia. A política é maratona, não corrida de cem metros. Olhe-se o caso mexicano. Uma hora a esquerda iria ganhar, desde que conseguisse impedir a estabilização da hegemonia adversária. E a direita esticou tanto a corda que quando a esquerda finalmente ganhou foi um tsunami, que lhe deu com a Presidência ampla maioria no Legislativo para governar. Quanto mais o PT conseguir evidências de que a prisão e a inelegibilidade de Lula são produto de uma, como alega, farsa judicial, mais difícil será aos adversários consolidar uma alternativa eleitoral capaz de projetar algum tipo de pacificação política do país. Sem o que é inimaginável a tramitação de reformas impopulares, como as que o campo liberal acredita essenciais. Uma guerrilha pode chegar ao poder, total ou compartilhado, pela via militar, como em Cuba, ou por um caminho político, como na África do Sul e, de algum modo, na Colômbia. Nesse segundo caso, basta-lhe inviabilizar as saídas que a excluam. E um componente desse "inviabilizar" é obrigar o adversário a usar métodos que drenem a legitimidade da contra-guerrilha. Uma parte da sociedade acredita que qualquer coisa vale para manter Lula preso e inelegível. É minoria. Outra parte, também minoritária, pensa que Lula é puramente um perseguido político. Os primeiros tomaram a iniciativa quando o governo Dilma se mostrou incapaz de controlar minimamente a política e acender a luz no fim do túnel da economia. Os segundos vão retomando alguma iniciativa diante da fraqueza progressiva do bloco político que entronizou e mantém Temer. Basta olhar as pesquisas. E quanto mais durar a barafunda política, mais inviável será acelerar a retomada econômica, sem o que qualquer hegemonia do dito centro para a direita será difícil de estabilizar. Até porque a solução clássica de simplesmente eliminar a guerrilha no plano físico não está à mão. A correlação de forças não permite. Daí que aqui e ali comece-se a tatear por um "centro" que busque algum modo de "união nacional". Mas as experiências anteriores desautorizam otimismo sobre conciliações que partam da exclusão de alguém ainda relevante. * Não existe almoço grátis, nem para o Judiciário. Manter perenemente o poder absoluto é uma arte, que bem poucos dominaram ao longo da história da humanidade. Regra geral: ser capaz de autocontenção é bem mais útil para preservar a saúde no longo prazo. Mas nem sempre é fácil resistir aos holofotes. O problema é que uma hora a conta do almoço chega.
É razoável duvidar de pesquisas eleitorais. Mais razoável ainda é acreditar em todas. Melhor dizendo, acreditar no que todas têm em comum. Se, por exemplo, três pesquisas têm um intervalo de confiança de 95%, então a probabilidade de o dado comum entre elas estar errado é 0,05 elevado ao cubo. Ou seja, há 99% de chance de a coisa estar certa. O que dizem todas as pesquisas? Que Lula tem perto de 30%, Bolsonaro perto de 15%, Marina, Alckmin e Ciro entre 5 e 10% e Álvaro Dias pouco menos de 5%. Os demais orbitam em torno de 1%. Sim, há as pesquisas sem Lula. Elas são hoje apenas parcialmente relevantes porque o voto lulista sem Lula não tenderá à dispersão. Se acontecer, será surpresa. Quanto Lula transferirá a um candidato? Segundo o Datafolha, praticamente tudo, entre os que votariam com certeza e os que poderiam votar. Segundo a única pesquisa registrada que vem medindo o efeito real do apoio de Lula, a do Ipespe, um eventual candidato Haddad partiria de dois dígitos, em empate técnico com Marina na vice-liderança, atrás de Bolsonaro. Ou seja, como já dito aqui, 1) o PT depende principalmente de si para chegar ao segundo turno. Mas, 2) precisará de uma execução excelente em pouco tempo, e muito provavelmente sob intenso fogo dos adversários e da opinião pública antipetista. Uma coisa é o potencial de transferência do voto lulista. Outra coisa é transformar esse potencial em voto na urna. Do lado oposto, Alckmin está num patamar bastante abaixo do que historicamente um tucano tinha nesta época em eleições passadas, mas não sofre ameaça real de nenhum nome "de centro". Uma incógnita vem de Álvaro Dias, que até agora não avançou no desafio de acumular tempo de TV minimamente razoável, para ter mais chance de sobreviver após agosto. Um problema sério de Alckmin, detectado pela mesma pesquisa Ipespe, é a pouca atração que a pré-candidatura do tucano exerce sobre eleitores de outros candidatos. É a segunda opção de pouca gente. Alckmin também 1) depende principalmente de si, mas 2) precisa de execução excelente. Precisa principalmente evitar que os partidos de seu campo desgarrem. Bolsonaro tem mostrado resiliência, mas num patamar perigoso. Se por hipótese um terço do eleitorado decidir pelo não voto, os 15% dele seriam 23% dos votos válidos. Nesse degrau, está arriscado a sofrer uma onda "centrista" no primeiro turno. Não se deve subestimar o esforço que o establishment fará para colocar um dos dele, ou um confiável, na decisão. Marina está posicionada para surfar nessa onda, mas precisa que as alternativas "centristas" mais palatáveis à elite naufraguem. Assim como Bolsonaro, ela não depende principalmente de si. O mesmo se dá com Ciro. Se ele não for o "candidato de Lula", precisará de uma execução insuficiente da transferência dos votos lulistas para o novo nome do PT. As recentes eleições extras no Amazonas e Tocantins mostraram um não voto crescente, tendendo a metade do eleitorado. É pouco provável que esse patamar se repita na presidencial, mas não é absurdo imaginar, nas circunstâncias, um não voto de um terço. Num quadro assim, um candidato com 33% mais um dos votos levaria a eleição no primeiro turno. #FicaaDica. Variáveis a monitorar: A transferência de votos de Lula para o novo nome do PT, 2) se Bolsonaro, além de não cair, consegue mais uns pontos, 3) como ficará a repartição de tempo de TV entre Alckmin, Ciro e Dias 4) a tendência ao não voto, 5) se a economia traz alguma boa notícia para vitaminar o continuísmo e 6) a #LavaJato Sobre a última variável, há os efeitos da #LavaJato sobre cada candidato. E há a anabolização do não voto, ou do voto em outsiders. Como o único outsider de raiz é Bolsonaro, ele seria um beneficiário certo da repulsa aos políticos e do desejo de limpar as Cavalariças de Áugias. Precisa ver se ele tem vocação para Hércules. Pois é improvável que os adversários assistam passivamente à caminhada do capitão.
Não é recomendável um título de análise de conjuntura acabar em ponto de interrogação. Textos assim devem responder a perguntas do leitor, e não perguntar esperando que ele responda. Mas o tema desta semana abre espaço à heterodoxia. Pois permanece a dúvida sobre como os canais de informação vão ajudar a moldar a opinião do eleitorado este ano. A fórmula suficiente costuma ser aproveitar o tempo de rádio e TV para inicialmente "apresentar propostas", e logo partir para desconstruir o inimigo, estampando manchetes de jornal e capas de revista difamatórias. Os principais ativos? 1) A capacidade de fazer produzir material jornalístico favorável e 2) uma vantagem decisiva no tempo de tela. Este último critério é o que aliás orienta as alianças, graças à original fórmula que permite no Brasil aos partidos negociar seu espaço no rádio e TV quando não lançam candidato. Há muito debate sobre as composições regionais, mas elas nunca foram decisivas, pelo menos desde que a regra eleitoral decidiu desvincular as coligações nacionais das estaduais. É convencional supor que a fórmula "tempo de TV + jornalismo favorável" vá continuar tendo papel fundamental este ano. Todos os estudos mostram, por exemplo, que as disputas nas redes sociais giram no mais das vezes em torno de notícias produzidas pelo jornalismo profissional. É um sistema de comensalismo, como se vê nos oceanos entre tubarões e rêmoras. Some-se o fato de ter surgido entre nós um sistema de fact-checking deformado, voltado unicamente para fiscalizar, aferir e denunciar o que dizem os políticos ou os veículos jornalísticos de explícita orientação político-partidária. Inexiste um fact-checking do jornalismo profissional, ele está blindado, com a exceção dos raros veículos que mantêm ombusman. Eis o principal passivo de Bolsonaro, Marina e Ciro. Quando o jogo começar para valer, estarão em desvantagem nos dois quesitos. Nenhum tem a simpatia do establishment ou alianças expressivas. Ciro ainda tenta fechar esta última fenda, mas as perspectivas não são as melhores. E nenhum dos três tem enraizamento social estruturado. Como exibe por exemplo o PT. Mas, e se houver uma alteração dessa lógica? E se o eleitorado de Bolsonaro continuar resistindo num universo fechado e impermeável às tentativas de desconstrução? E se nem todo o esforço do establishment puder alavancar Alckmin, Doria ou Meirelles? E se Marina mostrar musculatura num cenário de enfraquecimento extremo da capacidade hegemônica da elite? As experiências recentes são contraditórias. As eleições fora de época no Amazonas e Tocantins vêm confirmando a notável resistência dos candidatos chamados tradicionais, graças também ao aumento exponencial da massa de eleitores que simplesmente não votam em ninguém. Quando o protesto se dispersa no não voto, as máquinas costumam prevalecer. Mas as pesquisas presidenciais estão congeladas. Lula resistiu à avalanche de noticiário negativo. Bolsonaro segue impávido. Marina também, apesar da pouquíssima exposição. Ciro sobrevive e até desperta algum entusiasmo no centrismo angustiado pela falta nomea mais musculosos vindos da direita. No popular, o centrismo está se agarrando até em fio desencapado. As experiências internacionais de disrupção e de emergência do novo mostram que isso é mais possível quando o sistema é flexível. No Brasil, Obama jamais derrotaria Hillary dentro do partido, muito menos Trump poderia fazer o que fez com o Grand Old Party. Nem Macron teria os instrumentos para ganhar a presidencial e formar maioria parlamentar. * E seguem as conversas sobre a possível troca de Geraldo Alckmin por João Doria. Este seria um candidato mais capaz de disputar com Bolsonaro o eleitorado de direita, por vestir naturalmente o figurino. E representaria o passo natural de um bloco político que vai assumindo um perfil cada vez menos social-democrata e mais liberal-conservador. Mas Alckmin é o presidente do principal partido desse bloco, e só sai se desistir. Nunca se viu isso na política brasileira. E se trocar Alckmin por Doria o PSDB arrisca perder as duas eleições principais este ano: no Brasil e em São Paulo. Com idas e vindas, os quadros tucanos estão nos cargos em São Paulo desde o governo Montoro, há 35 anos. Seria um risco e tanto.
Há seis pré-candidatos à Presidência da República que passam ou roçam o patamar arbitrário de 5% nas pesquisas. Jair Bolsonaro, Marina Silva, Geraldo Alckmin, Ciro Gomes, Álvaro Dias e o "candidato do Lula". Arbitrário porque nada impede um outro nome de arrancar para o segundo turno. Mas o quadro atual é esse, e dele vamos partir. É possível separar os seis nomes em dois grupos. No primeiro está quem depende essencialmente de si para chegar à rodada final. Estão aqui o "candidato do Lula" e Geraldo Alckmin. Os outros quatro precisam que pelo menos um destes dois erre o suficiente para abrir uma vaga na grande decisão, no mano a mano de 28 de outubro. A probabilidade de alguém decidir a parada em 7 de outubro não é zero, mas quase. Seis nomes com 5% ou mais fazem uma decisão no primeiro turno estar no terreno da imponderabilidade. Cuidado porém. Como já dito aqui algumas vezes, uma característica do imprevisível é ele ser difícil de prever. Na dispersão atual, se alguém ganha massa crítica pode disparar. Geraldo Alckmin só depende de si. Ele veste bem a camisa do centro, a mais nova ficção ideológica, hoje hegemônica no universo das narrativas. Eleição não é disputa de fatos, é braço de ferro de histórias. Só quem pode ameaçar Alckmin imediatamente em seu campo é Álvaro Dias, que está atrás. Se o tucano resiste até o início da TV fica em boa situação. Álvaro Dias precisa que Alckmin não escape, para tentar, quem sabe?, partir de um empate técnico na largada da TV. E daí produzir uma onda. Dias tem sobre os tucanos a vantagem de poder discursar a favor da Lava Jato e não precisar se explicar. Em debates, será uma vantagem e tanto. Mas falta a ele por enquanto tempo de tela. Ter alianças. É seu maior desafio agora. Já Marina Silva precisa que tudo dê errado para Alckmin e Dias. Precisa que continue a dispersão do centro para a direita e que Bolsonaro não perca substância. Daí a ex-senadora pode tentar atrair o voto útil da direita não bolsonarista na véspera de 7 de outubro. E se conseguir passar ao segundo turno levará com ela o atributo da alta votabilidade. E Bolsonaro? Seu desempenho até agora é inelástico. Para ir ao segundo turno precisa se manter, o que parece não tão difícil assim, mas também que nenhum dos concorrentes "de centro" cole nele. Porque quem colar pode desencadear uma corrida pelo voto útil, certamente com amplo apoio do establishment, imprensa incluída nisso. #FicaaDica. Do outro lado da quadra, quem só depende de si é o PT. Mesmo correndo sozinho terá tempo de TV razoável. Se fechar com PCdoB e principalmente PSB ganha mais musculatura e passa um cadeado no Nordeste. As pesquisas dizem que Lula transfere quase tudo, mas mesmo que se dê um desconto o quadro ainda permite razoável otimismo aos petistas. Para Ciro a coisa é um pouco mais complicada. Ele está bem agora, mas precisa ou ser o "candidato do Lula" ou torcer para que dê errado a operação político-eleitoral de transferir os votos de Lula, e aí herdar o patrimônio. Depender do erro alheio é arriscado. Ciro também corre o risco do isolamento, lipoaspirado de um lado por Alckmin e do outro pelo PT. A hora é menos de planejar e mais de executar. E quem for melhor nisso agora vai ficar bem na foto. * Uma novidade na eleição parece ser a movimentação de pedaços do autodenominado centro por um assim chamado pacto democrático. Pactos pela democracia são comuns, mas este agora ensaiado sofre do mesmo problema estrutural que injetou fragilidade na distensão do presidente Ernesto Geisel e na abertura do presidente João Figueiredo. Ambos imaginaram um pacto democrático no qual o regime mantivesse a prerrogativa de escolher quem teria ou não o direito de participar do pacto. Difícil de executar com sucesso. Em geral, pactos desse tipo só funcionam quando todo mundo está convidado para a mesa. Foi assim em Moncloa (Espanha) e na Aliança Democrática (Brasil). #FicaoutraDica. Do jeito que a coisa vai, qualquer um eleito este ano encontrará em 2019 uma oposição concentrada prioritariamente em derrubar o governo. Por enquanto, é o pacto que está no radar.