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Lei de Talião (A)

sexta-feira, 26 de março de 2010

Atualizado às 07:29

 

Diante de um desses crimes escabrosos, uma amiga minha, mulher de missa diária, levantava a bandeira da pena de morte. E como se tratasse de um crime de violência sexual contra criança, ela não queria menos: o pênis do réu deveria ser extirpado com um cortador de unha. Olho por olho, pênis por pênis, brinquei. Ela não achou graça nenhuma. Num filme recente, de final surpreendente, "A Vida de David Gale", volta-se a falar na pena de Talião, como fundamento da pena de morte.

Há os que sustentam que Talião foi um grande legislador, que teria baixado umas tantas regras de comportamento destinadas a coibir condutas criminais, uma das quais aquela de todos nós conhecida. Não se sabe qual seu nome completo, tanto quanto jamais alguém aludiu ao nome de família de um Justiniano, ou de um Moisés. De São Pedro sabemos que nem Pedro se chamava. Era Simão, o pescador. E era filho de Jonas. Donde o nome Simão Barjonas, assim como quem diz Maria de Souza, para dizer que o marido dela é o padeiro Souza. Ou Rudolf von Jhering, para dizer que o Rodolfinho era filho do velho e conceituado advogado Jhering, mas que um dia ficaria famoso publicando o seu Kampf urns Recht, que todos nós lemos um dia. Ainda que em espanhol.

Falsa cultura, nada mais. Ao que parece, a palavra "talio, talionis" era empregada no sentido de que o castigo, o talião, deveria corresponder ao dano realizado. Tal crime tal pena. Ou, dito de outra forma, uma pena que deveria ser tal e qual o dano causado.

Curiosamente, ao contrário do que se pode imaginar, era, ao que dizem alguns otimistas, um princípio garantidor: ele visava a impedir que o ofendido impusesse ao ofensor, a título de pena, mal superior ao dano que havia sofrido. A igualdade no castigo (talio) era uma garantia de que o causador do dano não receberia dano maior do que o causado. Nem mais, nem menos.

A fórmula clássica da lei de talião, constantemente lembrada, está prevista no Velho Testamento, cuja data de edição perde-se nos confins dos tempos: "se dois homens brigarem um com o outro, e um deles ferir uma mulher grávida, que venha a abortar, será condenado a pagar quanto o marido da mulher quiser e quanto ordenarem os árbitros. Mas se a mãe morreu da ferida, dará vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, nódoa negra (seria esperar muito que aí se escrevesse hematoma) por nódoa negra". Isso pode ser conferido no Êxodo, capítulo 21, versículos 22 a 25.

Considerando que a chamada visão veterotestamentária (que é como os teólogos se referem às coisas do Velho Testamento) da Humanidade não se caracteriza pela caridade e o perdão que se tem na visão neotestamentária (Cristo seria o ômega de que Adão seria o alfa, a mostrar uma evolução do homem no caminho da amorização, para ficarmos com o velho Teilhard de Chardin, que, ao contrário do nosso Leonardo Boff, foi cumprir, não nos aprazíveis morros de Petrópolis, mas nas tundras da Ásia seu voto de silêncio obsequioso, para aprender a não colocar na cabecinha de fiéis essas coisas complicadas de evolucionismo), fica meio difícil imaginar que se pensasse em algo que não fosse vingança ao contemplar aquela regra punitiva.

Já no Código de Hamurabi diz-se que, "se um homem arrancar o olho de outro homem, o olho do primeiro deverá ser arrancado" (artigo 196) e que "se um homem quebrar o osso de outro homem, o primeiro terá também seu osso quebrado" (artigo 197). Como esse código teria sido baixado pelo imperador babilônico por volta de 1.600 antes de Cristo, alguns anos antes do nascimento do Luigi Ferrajoli, fica meio difícil imaginar que as ideias do grande garantista italiano já tivessem chegado à Babilônia naquela época. Com a palavra o Salo de Carvalho.

Por sua vez, a Lei das XII Tábuas dispunha que "contra aquele que destruiu o membro de outrem e não transigiu com o mutilado, seja aplicada a pena de talião" (Tábua VIII, nº II), o que faz supor que a prática já era conhecida, tanto que apenas há referência ao nome, mesmo porque já agora estamos por volta de 450 AC, ainda antes do nascimento do autor de "Direito e Razão", mas com muito olho e muito dente rolado nessa empreitada punitiva.

Penso, porém, que a pena de morte tem uma consequência prática: ela mostra que dentro de nós há mais de animal veterotestamentário do que do homem novo que o Cristo teria tentado criar. Ou os jornais de televisão não apresentariam tanta matança como nos mostram, a alimentar visualmente aquele animal primitivo.