COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Circus >
  4. E eu com isso?

E eu com isso?

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Atualizado às 07:21

 

"Para qualquer lado que se olhe neste país, em qualquer direção que se procure, lá se encontram marginais travestidos de homens públicos que não hesitam em meter a mão no dinheiro que é de todos, locupletando-se à custa dos brasileiros que, vergados sob o peso de uma das mais onerosas cargas tributárias do mundo, assistem impotentes ao espetáculo da corrupção e da ineficiência no trato da coisa pública."

O Estado de S. Paulo,

16/10/2011

"A organização não governamental Contas Abertas mostrou que em 2011 o órgão responsável pelo controle externo do Poder Judiciário exibiu os mesmos excessos que deveria coibir, gastando quantias vultosas com coquetéis, almoços e eventos corporativos."

Idem

"O Estado revelou, em uma série de reportagens publicadas em fevereiro, que o programa Segundo Tempo (do Ministério dos Esportes) se transformou em instrumento financeiro do PC do B. Sem licitação, o ministro entregou o programa a entidades ligadas à sigla, cujos contratos com ONGs somaram R$ 30 milhões somente em 2010."

Idem

Atribui-se a um sem número de autores uma frase que eu gostaria de ter escrito:

"O que me incomoda não é aquilo que fazem os maus, mas a indiferença dos bons diante daquilo que fazem os maus."

Em minha juventude falava-se em Rudyard Kipling, o escritor inglês que, dentre outras coisas, inventou o Mogli, ao escrever The Jungle Book, em 1894. O Disney ganhou muito dinheiro à custa dele (clique aqui). Ficou famoso por causa de um soneto pretensamente edificante, If, traduzido por ninguém menos do que o Guilherme de Almeida:

"Se és capaz de manter tua calma,
quando todo mundo ao redor já a perdeu e te culpa.
De crer em ti quando estão todos duvidando,
e para esses, no entanto, achar uma desculpa.

Se és capaz de esperar sem te desesperares,
ou, enganado, não mentir ao mentiroso.
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
e não parecer bom demais, nem pretensioso.

Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires -,
de sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores -.
Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo,
conseguires tratar da mesma forma a esses dois impostores.

Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas,
em armadilhas as verdades que disseste
e as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
e refazê-las com o bem pouco que te reste.

Se és capaz de arriscar numa única parada,
tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
e perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
resignado, tornar ao ponto de partida.

De forçar coração, nervos, músculos, tudo,
a dar seja o que for que neles ainda existe.
E a persistir assim quando, exausto, contudo,
resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes,
e, entre Reis, não perder a naturalidade.
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
se a todos podes ser de alguma utilidade.

Se és capaz de dar, segundo por segundo,
ao minuto fatal todo valor e brilho.
Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo,
e - o que ainda é muito mais -
és um Homem, meu filho!"

Não sei se alguém se dispõe a ler poesias hoje. Menos ainda se procura refletir sobre o que lê. Vamos fingir que sim e continuar a aborrecer o leitor.

Não me consta que a escritora Ayn Rand tenha escrito algum livro de poesia. Filósofa russa e judia, nasceu em São Petersburgo, em 1905, recebendo o nome de Alissa Zinovievna Rosenbaum. Migrou ainda jovem da Rússia para os Estados Unidos, talvez pressentindo o que viria a ocorrer na Europa. Ali morreu em 1982, após haver-se dedicado incansavelmente à causa da paz. Foi certamente inspirada em Kipling que ela escreveu:

"Se, para produzir,
você precisa obter autorização de quem não produz nada;
se o dinheiro flui para quem negocia não com bens,
mas com favores;
se muitos ficam ricos pelo suborno e por influência,
mais do que pelo trabalho;
se as leis não nos protegem dos maus elementos,
mas, pelo contrário,
são eles que estão protegidos de você por elas;
se a corrupção é recompensada
e a honestidade se converte em auto-sacrifício;
então saiba
que a sociedade em que você vive está fatalmente condenada."

Repare no pormenor: ela morreu em 1982.

Num confronto intelectual com o cardeal Carlo Maria Martini, Umberto Eco, que se diz agnóstico, analisa os tempos presentes:

"Estamos vivendo (nem que seja da maneira desatenta a que fomos habituados pelos meios de comunicação de massa) os nossos terrores do fim; e poderíamos até mesmo dizer que o fazemos no espírito do bibamus, edamus, cras moriemus, celebrando o fim das ideologias e da solidariedade, na voragem de um consumismo irresponsável."

E indaga:

"Há uma noção de esperança (e de responsabilidade em relação ao amanhã) que pode ser comum a crentes e não crentes? Em que poderia ela basear-se? Que função crítica pode assumir um pensamento do fim que não implique desinteresse pelo futuro, mas sim um julgamento constante dos erros do passado? Do contrário, seria justo que, mesmo sem pensar no fim, aceitássemos que ele se aproxima, nos instalássemos diante da televisão (sob a proteção de nossas fortalezas eletrônicas) e esperássemos que alguém nos divertisse, enquanto as coisas seguiriam como estão. E ao diabo os que virão."

Algumas pessoas, em cujo rol me incluo, têm o atrevimento de achar que podem contribuir para melhorar o mundo que o rodeia, seja no âmbito familiar, profissional social, mundial ou até mesmo universal, lutando para que a mentalidade reinante não seja a do "comamos e bebamos porque amanhã morreremos".

Até mesmo um Pablo Neruda, aquele poeta que muita gente só leu no cinema (clique aqui), sem saber que o filme se baseia num livro do também chileno Esteban Antonio Skármeta Branicic (clique aqui), por exemplo, não deixa por menos e nos adverte:

"Quando o tempo nos vai comendo
com seu cotidiano decisivo relâmpago,
e as atitudes firmadas, as confianças, a fé cega se precipitam
e a elevação do poeta tende a cair
como o mais triste nácar cuspido, perguntamo-nos
se já chegou a hora de nos envilecermos.
A dolorida hora de olhar como se sustenta o homem
à força de dentes,
à força de unhas,
à força de interesses."

Observe que num mesmo dia um respeitabilíssimo jornal descreve, com riqueza de pormenores, patifarias cometidas por membros do Poder Legislativo, do Poder Executivo e do Poder Judiciário nacionais. Como esperar, então, que o primeiro aprove leis moralizadoras do Serviço Público? Ou que os atuais ocupantes do segundo concretizem aquilo que um humorista chamou, trocadilhescamente, de "espanada nos Ministérios"? Ou que o Judiciário empregue o chamado "ativismo judicial" (clique aqui) para que a punição de seus membros, quando se torne necessária, não seja algo meramente formal como até aqui tem sido?

Teria chegado a hora de mudarmos os nossos conceitos, tornando-nos vis, com o sugere o poeta chileno?

Em minhas leituras da juventude, aprendi alguma coisa, que repassei aos filhos, menos por palavras e mais pelo comportamento. Ser íntegro, aprendi, é, antes de tudo, ter uma tábua de valores pendurada na parede da consciência; é elaborar pensamentos e raciocínios partindo dessa tábua, assim como um jurista analisa uma lei, um decreto ou uma portaria tendo em mente os princípios constitucionais; é falar sendo fiel ao raciocínio assim desenvolvido; e é agir sendo fiel ao que diz. Pois outro dia, entre sério e brincalhão, o Alexandre desabafou: minha vida seria bem mais fácil se eu não tivesse levado a sério o que o meu pai me ensinou.

Como diz meu amigo Dalmo Dallari,

"um dos problemas fundamentais da humanidade tem sido o desafio ético em face da liberdade. O reconhecimento do que é ético deveria implicar a responsabilidade de agir segundo a ética, mas para muitas pessoas é difícil manter essa coerência. Eis a nossa fraqueza, a nossa fragilidade humana."

Certa vez, numa dessas conversas de botequim, comentei algo com o filho do Procurador de Justiça Carlos Alberto Gouvêa Kfouri e ele revelou meu segredo, ao apresentar o "Menas verdades":

"Passaria horas aqui esmiuçando coisas e loisas e mariposas
até correr o risco de estragar o prazer da descoberta.
Razão pela qual fico por aqui, com uma frase que diz tudo
e que aprendi com o Dr. Suannes:
Se não consigo mudar o mundo, que o mundo não me mude."

O que o Juca Kfouri não disse no tal prefácio é que, quando eu me chamar saudade, como disse o poeta (clique aqui), gostaria de que houvesse na lápide de mi casita (clique aqui) esta inscrição singela: Este passou a vida tentando.

Acho que a Ayn Rand não reclamaria do plágio.