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Hinos

sexta-feira, 23 de março de 2007

Atualizado em 22 de março de 2007 12:33

 

"A Federação Paulista de Futebol determinou que antes da realização de partidas do campeonato de futebol deste ano seja executado o Hino Nacional Brasileiro"

(Dos jornais)

Pra que serve um hino? Faço a pergunta menos para tornar pública minha ignorância e mais para tentar explicar porque os jogadores de futebol ficam mascando chicle, fingindo que cantam alguma coisa naquele momento nervoso que antecede um jogo de futebol da seleção brasileira. Ou outro jogo de futebol, vá lá.

Um jogador de futebol saber cantar o hino é algo importante? Por quê? Para quê? Cartas à redação.

A princípio, um hino sugere uma tropa de militares marchando, carabina no ombro, passos cadenciados, em dupla fila indiana, se eu puder dizer isso. É impossível ouvir a Marselhesa e pensar em sílfides, borboletas ou cisnes, como ocorre quando ouvimos o Lago do Cisne, do Offenbach ou a Barcarolle, do Saint Saens. Ou seria o contrário? Mais cartas esclarecedoras, por favor.

Pense naqueles primeiros e famosos versos do hino francês, que poderiam ser traduzido por "vamos lá, moçada". Lá está a tropa pisando firme o solo pátrio lá deles e gorgeando:

Alonzan (pé esquerdo) fan (pé direito) de (p.e.) la (p.d.) pa (p. e.) triiii (p.d.).

Verdade que é difícil imaginar os franceses pisando neve nesse ritmo a caminho de Moscou. Talvez um moderato ma non troppo até que fosse bem nas circunstâncias. Ou uma Barcarolle, agora tendo ao piano Frédéric Chopin, comme il faut. Ou uma valsa vienense, sei lá.

Curiosamente, nem todos os hinos têm esse ar marcial, alguns mais parecendo cortejo fúnebre, o que contraria a palavra marcial, pois Marte é o Deus da Guerra, até onde me consta. Uma espécie assim de um George W. lá do Olimpo. Vejam, digo, ouçam o quase-hino norte-americano, naquele slow motion em que soldados levam o féretro até o sepulcro, com bandeira sobre o caixão, é claro. Refiro-me ao America, the Beautiful, de Katharine Lee Bates e Samuel Ward, que é, ao ver de muitos entendidos, mais bonito do que o outro, o hino oficial, tanto que o John F. Kennedy tentou oficializá-lo, sem êxito. O cortejo vem-se arrastando e lá pelas tantas temos aquele lamento doído (olha o acento no i, minha gente) que me arrepia sempre que o ouço:

América! América!

Para meu gosto musical, este é mais bonito do que o hino considerado oficialmente o oficial. Só não sei bem que tipo de sentimento ele deve despertar em quem o ouve. Vontade de lutar é que não deve ser. Esse grito de dor é mais adequado para recepcionar os soldados que voltam do Vietnã ou do Iraque do que para incentivar os soldados que estão partindo para despejar bombas nos guerrilheiros do Vietnã ou da Somália.

Temos aqui no Brasil uma reconhecida cópia da Marselhesa. Mudemos o tom: nosso hino é unanimemente considerado uma obra inspirada no hino francês. Assim ficou melhor e poupa meus lombos de novas chibatadas. Ou em composição do padre José Maurício, professor do autor oficial do hino, como dizem outros fofoqueiros. Se o Noel Rosa quase perpetrou um plágio do Hino Nacional Brasileiro, ao compor o seu Com que roupa?, por que nosso compositor, qual é mesmo o nome dele?, não poderia inspirar-se, para dizer o mínimo, no hino francês ao compor o nosso? Até a batida dos pés é a mesma:

Ou (pé esquerdo) viram (pé direito) doipi (p.e.) ran (p.d.) gasmargens (p.e.) plááá (p.d.) ci (p.e.) das (p.d.)

O problema dele é que, onze entre dez brasileiros não sabe cantá-lo com a confiança com que rezamos um Pai Nosso, por exemplo. Vem sempre aquela voizinha nos assoprando no ouvido: "Brasil um sonho intenso" é na primeira metade ou na segunda? E aquele "garrida": quantos brasileiros sabem o que quer dizer isso? Mais cartas para a redação.

Faça o seguinte teste: consulte seus melhores amigos, os mais cultos, os mais preparados, os mais patriotas e faça um desafio. Peça a eles que descrevam, em palavras próprias, o que diz o nosso Hino Nacional. Fique só na primeira parte, para não desanimar o auditório. Se dissermos que "as águas plácidas do (riacho) do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico" fica parecendo DVD de ópera com closed caption em português, é ou não é? "Quer dizer que aquele magnífico agudo da Kiri Te Kanawa em italiano significa apenas isso em português?" Ou então missa rezada em português. Você não entendia nada quando era em latim, ou quase nada, mas que era mais imponente, lá isso era. Tanto que o Joseph Campbell, católico na infância, compara a missa atual a um programa de televisão, em que o celebrante se parece com certa apresentadora de TV de um programa de culinária. O que lhe valeu tijoladas cristãs no lombo, aliás. Estamos aí, companheiro.

Não falo apenas dos hinos nacionais, que a lei brasileira dizia serem coisa sacra, tanto que não era possível fugir da partitura original, ouviu Fafá de Belém. Até que um compositor estrangeiro, que gostava tanto do Brasil que aqui morreu, Louis Moreau Gottschalk, resolveu ir além do que escrevera o Francisco Manoel da Silva, produzindo uma belíssima Grande Fantasia Triunfal, nele inspirado.

A propósito, o tal compositor, a julgar pelo nome, era francês ou alemão? Façam suas apostas. E percam, pois ele nasceu em New Orleans, Estados Unidos da América do Norte.

Prosseguindo na arenga, que dizer dos hinos dos clubes de futebol, esses que a torcida canta a torto e a direito? "Eternamente, dentro de nossos corações" caberia muito bem em hino do Flamengo, do São Paulo ou do Internacional de Porto Alegre. Claro, cabe no hino de qualquer clube, pois o fanatismo faz parte do jogo. E então?

E aquilo do "és do Brasil o clube mais brasileiro", qual o critério para se fazerem tais afirmações? Seria por causa da origem do dinheiro empregado na contratação de jogadores? Nacionalidade do técnico? Dos dirigentes? Se algum clube merecia incluir isso no seu hino, esse clube seria, de fato, o Corinthians, que durante muitos anos se recusou, xenofobicamente, a contratar jogador que não houvesse nascido dentro das quatro linhas do nosso país. Mas será que hoje ainda se pode cantar isso? E o armênio, ou russo, que declarou, na Europa, que a coisa que mais funciona no Brasil, o Duailibi que o diga, é a Polícia Federal?

Há hinos curiosos, como este, escrito por um flamenguista doente, que não cantava gooooooool, pois não tinha voz para isso, mas tocava uma gaitinha de amolador de faca: "Na regata ele me mata, me maltrata, me arrebata." Um torcedor fanático como o Lamartine Babo, que se reconhece uma autêntica mulher de malandro, do tipo "bate no que é teu, meu nego", é algo digno de todo respeito, positivamente.

Outra curiosidade é o hino do América, do Rio de Janeiro, time sabidamente do coração do José Trajano, que o considera o mais bonito hino de times de futebol no Brasil, haver sido escrito pelo mesmo Lamartine. Talvez por isso o tal hino termina com uma silepse monumental, que, sintomaticamente, não fala em "nós", mas em "ele", como se dissesse que o autor não tem nada a ver com isso: "América, unido vencerás."

América! América!