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Plágio

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Atualizado em 26 de abril de 2007 14:50

 

"La legge è uguale per quasi tutti."

(Pitigrilli)

Vivaldo José Breternitz, que se diz doutor em Administração de Empresas pela USP, consultor de empresas e professor na Universidade Mackenzie, informa, na internet, para quem quiser ler, que um membro do Ministério Público de São Paulo, autor de um trabalho de mais de 500 páginas, que lhe valeu o título de Livre-Docente em Direito Penal em uma de nossas mais tradicionais faculdades de Direito, estaria sendo investigado pela apropriação de texto escrito por um colega dele, o qual texto foi incluído em livro escrito pelo investigado, como se este seu autor fosse. A editora retirou o livro das livrarias, alegando "problemas técnicos".

É o chamado plágio, palavra que os romanos usavam para indicar a reprovabilidade do ato de quem se apropriasse de escravo alheio. Quer ter um escravo ? Pois então pague. No caso, o dono do escravo é um sub-procurador da República, que me assegurou haver-se composto com quem de direito, recebendo pelos danos morais decorrentes da apropriação até mais do que recebeu como direitos autorais. "Quanto ao cargo dele na USP e no Ministério Público não são problemas meus, que não sou palmatória do mundo" diz ele, com carradas de razão. Dada a relevância da matéria, seria desejável que pelo menos o Ministério Público, tão solerte quando se cuida de mandar para a cadeia ou propor que ali permaneçam meras furtadoras de pacote de margarina, viesse a público explicar o desenlace do imbróglio envolvendo um de seus membros. Ou o Conselho Nacional respectivo, que está aí para esfriar panos quentes.

Mais recentemente a internet, sempre ela, e até o Migalhas nos informaram que o autor plagiante de outra obra não é promotor público mas nada menos do que juiz de Direito, citado com nome e endereço, o qual teria copiado e traduzido texto de um autor norte-americano em obra que etc. E, de quebra, teria também copiado trechos de um livro espanhol, com citação alemã que o espanhol fala com fluência e da qual o professor brasileiro só conhece o aftas das baitas ardem e doem, como se brincava no meu tempo de ginásio. "Juiz que concorre a cargo de titular de direito penal é acusado de plagiar artigo e, agora, tese" foi o cabeçalho curto e grosso do site do Estadão no dia 17 de abril.

A excelente revista piauí, escrito assim mesmo com modestas letras miúdas, do mesmo mês de abril, que os horoscopistas dizem não ser propício a plagiadores, traz o relato de uma "fazedora de trabalhos acadêmicos". Inicialmente, ela fazia TCCs. Não é do seu tempo ? Eu explico: Tese de Conclusão de Curso Universitário. Ou seja, o aluno é obrigado a fazer pesquisa e depois escrever um trabalho, que, em tese, será lido por alguém e depois levado para uma sala onde, naturalmente. Acontece que aquela senhora fazia trabalhos jurídicos e psicológicos tão sérios que acabou sendo procurada para fazer trabalho de aluno de pós-graduação. "Sou como uma cozinheira: eu faço bolo sob encomenda. O que a pessoa que me contrata vai fazer com o bolo não é problema meu" diz ela, sem a mais mínima razão, como diria ela em algum trabalho sobre a língua portuguesa.

O fato é que a tal senhora tanto se aperfeiçoou no seu ofício e no tal trabalho, que este foi ficando tão bom, mas tão bom, que os dois "orientadores" do seu cliente não tiveram dúvida em fazer com este um acordo: eles passam a ser considerados os autores da tese e dariam ao seu orientando (!) uma compensação qualquer. "O aluno ganharia a aprovação, mas os orientadores (!) queriam que o trabalho virasse a tese de doutorado da dupla". Nome da universidade: USP. Vá à banca de jornais e confira.

Gente, que se passa? Longe de mim aceitar desde logo a acusação e já aplicar ao denunciado o merecido opróbrio, palavra que nem sei o que significa, pois acabo de pegá-la de um texto erudito que estou lendo nas minhas horas vagas. Citar o que o tal livro diz sem consultar o dicionário pode trazer-me sérios problemas, como acabo de ver dos exemplos que me chegaram às níveas mãos, embora não seja eu promotor público nem desembargador. Mas, modess in rabus, como dizia o Adhemar de Barros, aquele político que produziu uma singular tradução do quod abundat non nocet.

É claro que o plágio é reprovável, pois implica a apropriação de trabalho intelectual alheio, o que é feito não só pela glória da autoria como pelos proveitos econômicos que isso lhe proporcionará ao plagiante. Reconheço que nem sempre é fácil punir um plagiador, menos pelo cargo que ocupa e mais porque certas idéias são como passarinhos: ficam voando aqui e ali. Quem pegar é dele. Especialmente quando a cópia é de apenas umas 30 páginas.

Também sabemos todos que existem muitos professores universitários que se utilizam de trabalhos de alunos em suas obras e "se esquecem" de colocar o texto entre aspas. O professor Breternitz, que é do ramo, dá conta disso naquela denúncia internética. Mero esquecimento, mesmo quando isso representa páginas e mais páginas, dirão os apontados plagiadores. Seus superiores hierárquicos geralmente aceitam a desculpa.

Dizem que certo candidato a professor de Direito que copiou quase literalmente um livro editado em Portugal e o apresentou, como seu, na disputa da cátedra para professor de Direito, eis a ironia. Para que não percebessem o golpe, diz a lenda que ele comprou todos os livros que a importadora havia trazido de lá. O diabo é que a importadora ficou entusiasmada com o sucesso da até então obscura obra e mandou vir o dobro de exemplares. E nosso plagiador acabou sendo descoberto, pois gastaria um dinheirão enorme se pretendesse ocultar indefinidamente a tal obra, lotando o porão de casa com tantos inúteis exemplares por ele plagiados. A rigor, quem motivou a descoberta foi ele mesmo, ao dar ao obscuro livro o caráter de best seller.

Eu mesmo corro o risco de ser desmascarado. Andei cometendo alguns hai-kais, que, como sabeis, são manifestações poéticas brevíssimas, coisa de meia página e três ou quatro linhas. Lendo as que escrevi, fico em dúvida se sou mesmo o autor de todas elas ou se estou a me apropriar de coisas do Basho, o grande poeta japonês do século XVII, mestre de nós todos na área, inclusive do nosso Millôr Fernandes, que publicou um enorme rol deles, devidamente abrasileirados.

O Paulo Vanzolini, homem inteligente e sensato, afirmou que entre Zeca Pagodinho e Caetano Veloso prefere a obra do primeiro, pois o compositor baiano é mero fruto de marketing. Seria isso uma insensatez do renomado cientista de São Paulo, não soubéssemos que ele não perdoa o Caê por haver "plagiado" (é o Vanzolini quem o diz) sua música Ronda, criando sobre ela o consagrado hino da cidade de São Paulo, ao falar do que ocorre no cruzamento da Ipiranga e da São João, em seu belíssimo Sampa. E o Pagodinho, para quem não sabe, é aquela figura ética que recebeu um bom dinheiro para elogiar certa marca de cerveja e, pouco tempo depois, recebeu mais dinheiro para falar mal da mesma marca de cerveja. "Faça como eu: mude!" dizia ele no segundo comercial, convidando-nos a seguirmos seu exemplo deontológico. E sermos tão processados criminalmente quanto ele ?

Em relação ao Villa Lobos e ao Tom Jobim também já houve quem apontasse estranhas coincidências entre músicas de autoria deles e outras, muito anteriores a seus nascimentos. Ora, é sabido que tanto um quanto o outro não escondiam que se baseavam em obras anteriores, dando a elas roupagens mais modernas. Ninguém em sã consciência acusaria Villa Lobos de haver plagiado cantigas de roda, que aparecem em sua obra e, a partir dela, correram o mundo. Por outro lado, o Samba de Uma Nota Só, do Tom, nos lembra a introdução do Night and Day, mas, e daí?

É impraticável fazermos música como o João Cabral fazia poesia: sempre que lhe vinha à mente uns versos bonitos, rimados, ele os registrava e depois, racionalmente, os reescrevia, temendo que a inspiração fosse, na verdade, mera lembrança de versos que já lera no passado. Ocorre que nosso Tom pretendia, segundo declarou mais de uma vez, mostrar que as pessoas ditas comuns gostam de música clássica. E, para provar isso, ele as fantasiava de bossa-nova. Para comprovar, ouça o Prelúdio nº 4 de Chopin e, depois, Insensatez, do Jobim, e veja de que estou falando.

Da mesma forma como, dentre os milhares de quadros que deixou Pablo Picasso, encontraremos claras referências a obras de artistas anteriores, numa espécie de intervenção sobre a obra alheia, uma releitura do mesmo tema. Compare seu Las Meninas, que é de 1957, com o quadro homônimo de Velázquez, que é de 1656, e verá que lá estão os mesmos elementos.

Para muita gente, Picasso era um plagiador, mesmo porque nunca foi juiz nem promotor. Entretanto, est modus in rebus, meu caro Adhemar.