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Rodriguiana

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Atualizado em 5 de julho de 2007 10:05

 

"Juiz do Paraná adiou audiência porque reclamante usava chinelos".

(Migalhas, 27.6.07)

"No Brasil, a impunidade se transformou em símbolo de status social".

(Roberto DaMatta)

E quem disse que juiz tem de ser compreensivo paternal afetuoso conselheiro tolerante coisas assim ? Tem nada, tem mais é de ser carrasco mesmo, tratar essa gente toda ditos desviantes sociais com casca e tudo, que é disso que eles estão precisando, que que estão pensando ? Já imaginou teu pai te tratando com pão de ló e você virar a mão e ele ficar desgostoso porque criou filho para ser macho e tu por aí com essa viadagem toda ? Tem mais é de te criar com pau de ló, se me permites o trocadilho. Você já viu alguma vez um condenado vingar-se de juiz que o condenou ? mesmo quando ele sabe que é inocente ? mesmo quando ele confessou porque foi torturado ? mesmo quando ele ? Claro que não viu, nem você nem ninguém porque réu tem pelo juiz essa veneração, meio sadomasoquista, viu aquele filme O Porteiro da Noite onde a moça acaba se apaixonando pelo seu carrasco ? Ela queria mais era levar porrada, até porque mulher normal gosta é de apanhar, como dizia o Nelson Rodrigues aquele cara lá do Rio que comentava futebol e era míope feito uma toupeira, ele não enxergava porra nenhuma no campo do Maracanã ou nas Laranjeiras e no dia seguinte escrevia no jornal onde ele atuava coisas maravilhosas sobre o jogo que neguinho lia e dizia puxa ! eu estava lá e nem percebi isso ! como esse cara é legal ! era porque ele reescrevia a história do jogo.

E a vida não é mesmo assim ? A vida como ela é, as coisas acontecendo na medida em que a gente sabe que elas aconteceram, porque se elas acontecerem e ninguém ficar sabendo esse não-saber equivalendo a não-acontecer e isso significando que se é verdade que um copo sem líqüido dentro está cheio porque o ar só não existe no vácuo e sendo assim nenhum copo jamais está vazio e isso se chamando teoria da relatividade ou da compensação como diz o grande cientista Luis Roberto Barroso, futuro juiz do Supremo, e como disse o ministro da cultura numa das vezes em que ele veio ao Brasil para descansar de mais uma turnê que ele havia feito pela Europa para ganhar dinheiro porque o que ele ganha como ministro não dá para ele pagar nem o café da manhã que dizer a pensão daquela porrada de ex-esposas que ele tem, como ele deixou claro quando tomou posse e todos nós ouvimos e ninguém achou isso nada de mais, mesmo sabendo que as ex-esposas dele são todas saudáveis e trabalham pacas e ganham uma puta nota preta, sendo uma delas a administradora das múltiplas atividades dele, coisa que eu li na Caras, não sei se é verdade.

Ou então são magistrados que aceitam viagem patrocinada sabe-se lá por quem, mesmo porque a cavalo dado não se olham os dentes, como dizem os beneficiados, que, juízes que são, cedo ou tarde terão em mãos algum processo cabeludo que, você vai ver, é do interesse da empresa que patrocinou a tal viagem dele e de seus familiares e fica uma dúvida se a tutela antecipada foi concedida em face da plausibilidade das assertivas constantes da peça vestibular, como dizem os juízes em seus despachos deferitórios de tais liminares, ou se quem dá almoço grátis cobra em dobro o jantar, como se diz na favela. Pergunte ao Juca Kfouri que ele entende disso, não era filho de promotor de justiça ?

E isso quando não se dá de o cara ser processado, por descuido do advogado dele, que não chegou a tempo na delegacia e não azeitou os homens, e o nome dele acusado aparece nos jornais e nos noticiários televisivos onde ele diz eu sou inocente isso é perseguição política estão pretendendo abafar os desmandos do governo e eu fui escolhido para bode expiatório como comprovarei a tempo e hora, e, quando não, vem lá um HC dando a ele o direito de acompanhar o processo em liberdade, com recurso sobre recurso, advogado ganhando os tubos em cada peça que elabora que é para que o seu respeitável cliente tenha assegurados todos os seus direitos constitucionais, um dos quais sendo o de poder viajar para a Europa, gastar à tripa forra a grana que juntou você sabe como e a empresa que ele levou à falência sendo parca de recursos para pagar os direitos trabalhistas dos antigos operários que têm prestação de casa para pagar senão a financeira toma-lhe a casa e o advogado dele dizendo societas distat a singulis o que em linguagem de gente significa que o neguinho pode ser podre de rico que a empresa que ele levou à falência fica por isso mesmo pois não há dinheiro para pagar os credores da empresa, não sei se me fiz entender, os credores que se danem ! para dizer o mínimo.

E se e quando finalmente ele réu importante vem a ser condenado anos e anos depois, vem lá uma prescrição retroativa, que faz a sentença deixar de ser sentença, apenas um nada jurídico, um fantasma, que dá a ele o direito de exigir que o promotor lhe peça desculpas por havê-lo molestado por todo esse tempo que durou o processo, pois se não durasse tanto tempo não haveria prescrição, veja que diferença quando se trata de nazista acusado de matar prisioneiro, que é preso mais de trinta anos depois e é processado e é condenado e é executado, olha ali o cadáver dele na foto ! e cadê a prescrição a favor dele ? Não tem.

Isso quando não se cuida de prescrição etária, que beneficia os velhotes malandros, que deveriam ter a pena era aumentada pois não têm motivo algum para cometer crimes, que diabo ? já passaram da idade de fazer maluquices, mas aí está a prescrição retroativa mais a prescrição etária e isso dá uma overdose de benefício que as más línguas dizem ter sido inventada pelo Nelson Hungria que achou absurdo que um pai da pátria fosse cumprir pena em presídio junto com pés-de-chinelo como nós, onde já se viu ? e inventou isso que ninguém entende bem o que seja, a não ser os advogados de alto coturno que logo logo livram o cidadão de bom nome e passado ilibado dos inconvenientes da execução da pena, bastando a ele réu importante o processo, pois é pessoa proba e não precisa de cumprir pena para mostrar que está arrependido e disposto a voltar a trilhar o caminho do bem, ainda que não se saiba bem que caminho é esse pois aquele tal réu sempre trilhou o assim chamado caminho do bem, à maneira de todos aqueles que usam terno de tecido italiano e gravata hermés e os sapatos sempre lustrosos, ao contrário dos pés-de-chinelos como nós que deveríamos conhecer nosso lugar na sociedade e ali ficar, ou, pelo menos, buscar a ascensão social para poder deixar de cometer esses crimes meia-boca que fazemos e que nos fazem ter de enfrentar prisão temporária e pau-de-arara e levar porrada e choque de maquininha e cadeira do dragão e o tal de telefone que deixa muitos de nós surdos ou com aquele zuiiiiiiim no ouvido aporrinhando o coitado noite e dia, que é para aprender a deixar de ser besta e se preparar para subir na chamada escala social e poder, agora sim, com honradez e seriedade, usar terno de tecido italiano, gravata francesa e, se calhar, candidatar-se a cargo eletivo e, quem sabe ?, chegar a ocupar um cargo numa CPI qualquer, exibindo-se para o seu eleitorado na televisão e ficando imune de qualquer tipo de fiscalização, como é necessário para o progresso social e o aprimoramento da democracia, coisa antiga, que vem da Inglaterra, segundo dizem, onde nem o rei pode mandar invadir a casa de alguém, my home my castle, sendo que ali os nobres só podem ser julgados por seus pares, by their pairs, segundo li no Barroso, o que significa que ninguém melhor do que um gambá para suportar o cheiro de outro gambá, como diz aquele costureiro de cabelo tingido, ora deputado, até ele ! E, se vier a calhar de haver bom motivo, até dançar no plenário da casa ele dança, escrita assim com inicial minúscula que ela não merece outra. Ou até vir a ser membro de alguma Comissão de Falta de Ética, há! há! há!

E tu agora vê se te levanta daí que é chegada a hora de o papai aqui deitar e esta maldita cela não tem lugar para todos dormirem deitados ao mesmo tempo, que que tu queria ? se quer moleza encomenda uma sopa de minhoca aí pro carcereiro.

Falou ?