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O impacto na vida dos estudantes de Direito de baixa renda das ações de diversidade e inclusão promovidas por escritórios de advocacia

sexta-feira, 16 de junho de 2023

Atualizado às 08:08

Não é novidade a percepção de que nos grandes escritórios de advocacia do Brasil existe uma baixa taxa de diversidade entre seus integrantes, principalmente no que diz respeito ao critério étnico-racial e classe social. Isso, felizmente, vem mudando ao longo dos anos, com inúmeros programas de Diversidade e Inclusão ("D&I") promovidos e apoiados por esses grandes escritórios. É um trabalho muito importante que a Civics Educação, com o programa Next Generation of Lawyers ("Next") também já vem fazendo há alguns anos.  Vale a pena olhar para o tamanho do impacto dessas políticas e programas de D&I diretamente na vida dos jovens estudantes de Direito de baixa renda. 

De início, é essencial analisar os dados e os números sobre essa desigualdade. De acordo com um censo realizado pelo Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdades (CEERT), em parceria com a Aliança Jurídica pela Equidade Racial, em São Paulo, no ano de 2019, apenas 1% dos membros dos nove escritórios que participaram do levantamento se identificavam como negros. Em 2022, esse número aumentou para 11%, o que continua sendo um número muito pequeno quando comparado ao 56,1%1 de pessoas pretas e pardas que compõem a população brasileira e aos 39,1% que integram esse mesmo grupo em São Paulo2. 

Tais dados (junto com outros fatores) refletem, geralmente, a falta de acesso ao ensino superior de qualidade, o que felizmente também vem mudando nos últimos anos. 

A lei 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e dá outras providências, foi essencial para o aumento de estudantes de baixa renda no ensino superior. De acordo com essa Lei, 50% das vagas das instituições federais de educação superior vinculadas ao Ministério da Educação, devem ser destinadas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas e sejam autodeclarados pretos, pardos e indígenas, ou por pessoas com deficiência. Desses 50%, metade das vagas deverá ser reservada aos estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita. 

Com base nas informações estatísticas do IPEA, a pesquisadora Tatiana Dias Silva3 destaca que o acesso ao ensino superior sempre foi mais restrito para a população negra, como indicam os dados de que apenas 2 em cada 100 jovens negros de 18 a 24 anos frequentavam ensino superior em 1995, enquanto 9 em cada 100 brancos o faziam no mesmo período. 

Anos depois, com base na comparação entre o Censo da Educação Superior produzido pelo Inep/MEC no ano de 2010 e de 2020, que relata as matrículas em cursos de graduação presenciais4, vê-se que o aumento de pessoas pretas e pardas no ensino superior foi considerável: 


Fonte: Censo de Educação Superior - Inep/MEC 

Assim, ainda que tenhamos políticas públicas de acesso ao ensino superior, esse tipo de preocupação deve ser, também, observada e refletida pela sociedade civil, ou seja, pelos grandes escritórios e empresas, pois o acesso à educação junto a oportunidades de trabalho mudam, desde o estágio, a realidade desses jovens e de suas famílias, como veremos a seguir. 

Ao ingressar nesses grandes escritórios, existe um impacto social de suma importância, que é o da representatividade, ou seja, o quanto o espelhamento em pessoas iguais a você e a abertura de portas em lugares de destaque se transformam em inspiração e motivação para inclusão dessas pessoas em ambientes historicamente excludentes. Parece algo abstrato difícil de explicar, então achei melhor pedir para que os próprios bolsistas do Next descrevessem o que significa ter esse tipo de representatividade. 

Uma de nossas bolsistas disse o seguinte: "Para mim, foi muito importante encontrar um grupo de participantes pretos e oriundos da rede pública de ensino. Apesar de não ser critério do Next (ser preto) o programa conta com 71% de pretos, sendo 69% de mulheres pretas, o que difere de qualquer outra iniciativa atual (pois já são 60 bolsistas do Next). Apesar dos dados do PROUNI, por estarmos em São Paulo, a maioria dessas vagas (na minha experiência) é preenchida por pessoas brancas. O Next foi o primeiro ambiente voltado pro meio acadêmico e profissional que eu me senti realmente parte, pois a maioria das pessoas são parecidas comigo, diferente do que vejo na minha faculdade e no meu escritório - e se não fosse isso, muito provavelmente me formaria sem me sentir pertencente ao universo jurídico. Uma vez estava conversando com outro colega do Next, ele me disse que queria ser igual a um outro Nexter (como chamamos quem participa do Next) - pois ele é preto, aplicado na faculdade, se vira pra aprender ingles e ja passou por 2 dos maiores escritórios de São Paulo (tendo sido até mesmo efetivado) - e ele viu que não existia uma diferença intelectual ou acadêmica tão grande entre eles, o que acabou o inspirando a buscar voos mais altos. E eu vejo muito isso entre os participantes, essa admiração de trajetória entre nós mesmos - o que é muito importante, especialmente para pessoas pretas que são carentes de referência - a cor acaba sendo significativa para nos unir. Eu enxergo o Next também como uma rede de apoio, e uma rede de acolhimento como essa, nos ajuda a seguir nosso caminho, pois na maioria das vezes não tem como pagar terapia, as amigas e amigos do escritório e faculdade não entendem as questões que passamos e, na grande maioria das vezes, dentro de casa ninguém pisou na faculdade, muito menos em escritórios e ambientes como esses". 

Outra bolsista do programa compartilhou a sua visão sobre o Next: "Conhecer e fazer parte do Next, para mim, foi ter consciência de que o Direito pode ser mais do que imaginava, e de que há caminhos mais longínquos que podemos trilhar. Muitas vezes, ainda que aspiremos grandes objetivos, a questão financeira e racial tacitamente nos poda, vez que não temos contato com todas as oportunidades existentes - ainda que tenhamos o potencial. E o Next tem justamente esse papel, nos mostrar que a métrica que havia sido estabelecida, e que para pessoas de baixa renda já é um lugar que ninguém de nossas famílias alcançou, pode ser elevada. Foi por meio do Next que conheci sobre o programa de LL.M., que já costuma estar nos planos de advogados e estudantes de direito que vêm de lugares mais solidificados no Direito. O Next, além de me abrir portas, me mostrou que há caminhos a serem descobertos, e que há lugares no mundo do direito que quero alcançar - pois nenhuma pessoa com a mesma história de vida o fez -, e qual será o impacto disso para quem vem depois. Além disso, é reconfortante estar e fazer parte de um grupo que tem os mesmos objetivos, compreende situações delicadas que passamos, no qual podemos nos apoiar, isso permitiu que eu amadurecesse muito profissionalmente. Se fosse para resumir o Next em um palavra, seria multiplicador, pois foi por meio dele que me conectei e conecto com pessoas de experiências semelhantes, pessoas com experiências diferentes, mas comprometidas com a causa da inclusão na advocacia, fomentando ainda questões subjetivas, de forma que o caminho, ainda que árduo, seja mais suave, viável, longínquo e próspero." 

Mas além disso, também existe um impacto econômico imediato para esses jovens estudantes, vejamos abaixo: 

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), realizada em 2021 pelo IBGE5, indica que o rendimento médio real do trabalho principal habitualmente recebido por mês seria de R$2.406,00 reais, considerando-se a média entre empregos formais e informais. No 4º trimestre de 2022, a renda média do brasileiro foi de R$2.808,00 reais conforme indica o Pnad Contínua6.  Além disso, 90% dos brasileiros ganham menos de R$3.500,00 reais ou menos7. 

Ainda, conforme consta no Portal de Transparência da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, o salário tabelado de um assistente jurídico, cargo que mais se aproxima ao de estagiário, seria de R$1.912,928 reais. 

Em comparação, de acordo com uma pesquisa informal que fizemos, considerando a média mensal paga por 10 renomados escritórios de São Paulo, a média salarial mensal de um estagiário seria de R$4.091,00 reais (incluídos vale-refeição e vale alimentação). 

Assim, um estudante de Direito, estagiando em algum dos grandes escritórios de São Paulo, tem uma média salarial maior que 90% da população Brasileira. Já tivemos inúmeros casos no Next que o estágio era a maior fonte de renda de uma família inteira. 

Além disso, se contados os 5 anos da graduação, esse mesmo estagiário ganharia mais que o dobro que os demais estagiários de Direito de acordo com os números acima fornecidos pela OAB. 

No Next, o aporte financeiro (que é feito apenas uma vez pelos escritórios) para cada estudante gira em torno de R$5.000 reais. Esse estudante, tem um acréscimo na sua renda, se comparado com a média do mercado de trabalho jurídico e considerando os 5 anos da graduação, de 113%. Ou seja, o estudante tem um retorno de, aproximadamente, R$130.000,00 reais somente durante a graduação, no período de estágio, sem contar quando formado e efetivado, situação em que esse número pode ser muito maior. 

Além disso, levamos nossos Nexter para uma imersão nos EUA, ano passado os levamos para o Vale do Silício e esse ano a imersão será em Nova Iorque e Washington/DC - para muitos, essa será a primeira vez entrando em um avião. 

De forma prática, temos feito isso com o Next. O programa tem como objetivo selecionar e empoderar estudantes de Direito que atendam a dois requisitos: tenham estudado em instituição de ensino superior pública ou privada por meio de bolsa de estudos ou financiamento estudantil, e que tenham cursado o ensino médio na rede pública ou particular com bolsa de estudos integral. Para isso, o Next promove o treinamento e capacitação desses estudantes com auxílio de excelentes  profissionais dos melhores escritórios, banco e edutech parceiros do programa. 

Com isso, o intuito é que pessoas que não tenham vindo de um lugar de vulnerabilidade em suas vidas e que esteja em um curso de Direito, possam ser preparadas com as "soft" e "hard skills" necessárias para o seu ingresso e destaque no mercado de trabalho, desenvolvendo o potencial que cada uma delas já apresenta. 

Os impactos já podem ser vistos desde o primeiro mês, com o primeiro salário. Mas o verdadeiro impacto de ações como o Next ou como tantas outras promovidas por esses escritórios serão verdadeiramente vistas daqui há alguns anos, quando esses mesmo estagiários estiverem estudando (LL.M.) em Stanford ou Harvard, por exemplo, e colocando seus nomes na porta dos escritórios de advocacia - pois potencial não lhes falta.

Colaboração de Giselle Corujas, Isabella Gonzaga e Valentina Rosito.

__________

1 Disponível aqui. Acesso em 30 de maio de 2023.

2 De acordo com levantamento realizado pelo CEERT em 2022, disponível aqui. Acesso em 27 de maio de 2023.

3 SILVA, Tatiana Dias. Ação afirmativa e população negra na educação superior: acesso e perfil discente. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), junho de 2020.  Disponível aqui. Acesso em 29 de maio de 2023.

4 Tabela 4.7 da classe "Educação". Disponível aqui. Acesso em 30 de maio de 2023.

5 IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, 2021 (acumulado de quintas visitas). Tabela 1.25 - Rnedimento médio real do trabalho principal habitualmente recebido por mês pelas pessoas de 14 anos ou mais de idade, ocupadas na semana de referência, por tipo de vínculo, sexo e cor ou raça, segundo grupo de atividade econômica e nível de instrução no Brasil. Disponível aqui. Acesso em 30 de maio de 2023.

6 BOLZANI, Isabela. G1 Economia. Renda média do brasileio cresce no 4º trimestre, mas ainda fica abaixo dos níveis pré-pandemia. Disponível aqui. Acesso em 30 de maio de 2023.  E aqui. Acesso em 4 de junho de 2023.

7 Disponível aqui.

8 Dado disponível aqui. Acesso em 28 de maio de 2023.