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Conversa Constitucional nº 17

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Atualizado às 08:54

Opinião: O voto do ministro Barroso e a descriminalização do aborto:

O nascimento desperta fascínio. É o pontapé inicial da jornada da existência. Além disso, nós, brasileiros, celebramos grandiosamente a vida tanto quanto choramos copiosamente a morte. Talvez por isso, a manifestação do ministro do STF, Luís Roberto Barroso, no HC 124.306/RJ, tenha gerado tamanha catarse. Acompanhado de dois colegas - ministros Edson Fachin e Rosa Weber, a única mulher a votar -, o ministro entendeu que viola a Constituição considerar crime o aborto feito até o terceiro mês de gestação, limite temporal reconhecido por organismos médicos e sistemas jurídicos onde a prática não é considerada crime. A manifestação, num habeas corpus fruto de uma prisão preventiva, só se aplica ao caso em julgamento, mas antecipa a compreensão de três de onze juízes constitucionais. "O aborto é uma prática que se deve procurar evitar, pelas complexidades físicas, psíquicas e morais que envolve", ressalvou o ministro, explicando que "não se está a fazer a defesa da disseminação do procedimento". Reconhecendo ser uma "decisão trágica", disse que "ninguém em sã consciência suporá que se faça um aborto por prazer". O ministro Barroso ainda reconheceu: "a reprovação moral do aborto por grupos religiosos ou por quem quer que seja é perfeitamente legítima". Todavia, para muitos, a arena política é quem deveria ter introduzido o tema. É difícil. No Brasil, direitos humanos chegam como ponta de estoque. Discutimos cotas raciais em 2012, décadas depois dos países terem implementado suas políticas de forma muito mais abrangente do que nós. Em 2006, o continente africano, tido como homofóbico, já tinha país reconhecendo, pela via legal, o casamento gay. As uniões homoafetivas só entraram na nossa agenda em 2011, pela via judicial. Na África do Sul, a legalização do aborto veio em 1996, em lei assinada por Nelson Mandela. Outro que a encampou foi o líder religioso e arcebispo Desmond Tutu, também Nobel da Paz. Talvez seja a mais liberal do planeta. O "Choice on Termination of Pregnancy Act" reconhece "o direito de as pessoas tomarem decisões relativas à reprodução, à segurança e controle sobre seus corpos" e enfatiza que "a interrupção da gravidez não é uma forma de contracepção ou controle populacional". No Brasil, no final de 2016, um juiz da Suprema Corte disse, considerando dispositivos constitucionais, que delegacia de polícia não é lugar para curar as cicatrizes do aborto. Sentimo-nos ultrajados com a afirmação? Vamos falar de ultraje. Quando criança, tive contato com um aborto. Lembro o cenário: quarto de empregada trancado, porta derrubada, cartela de Cytotec no chão, lençol banhado em sangue, febre, alucinações, contorções, dor e desespero. Preta, pobre, com pouco estudo e sozinha, ela trouxera do Forró algo além das lembranças. Ultraje seria ver essa garota sair trôpega do hospital - onde, como punição, foi a última a ser atendida pelos médicos, homens - conduzida por policiais para prestar depoimento diante de um delegado. O mundo ideal difere muito das clínicas clandestinas ou quartinhos dos fundos. Ter o direito de decidir entre interromper ou não uma gestação até o terceiro mês é ter poder. Isso impõe responsabilidades. Todo direito traz seus limites. Liberdades também. A crítica especializada já denuncia os "abortos seletivos", quando, por exemplo, em países de liberação, se aborta somente fetos do sexo feminino, porque filhos homens são mais desejados. Poder optar por abortar é uma escolha tão grave quanto a de ter um filho. Ambas mudam a vida de todos os envolvidos. No aborto, um potencial da humanidade terá o seu trajeto interrompido. A vida não foi sequer um sopro. Por isso, quanto mais livre e consciente a decisão, mais sereno o espírito. A decisão do ministro Barroso, que cogita, no caso, a descriminalização do aborto, traz prognoses legislativas, análise de direitos fundamentais, controle de constitucionalidade, exame de proporcionalidade, aferição da eficácia de políticas públicas cerceadoras da liberdade..., enfim, toda a matéria-prima que alimenta Cortes Supremas. Na Câmara dos Deputados, o parlamentar Edmar Arruda (PSD/PR) disse ser contra a decisão por ser cristão. Não virá daí a luz que buscamos para solucionar a questão. No nosso país, em nome do Código Penal, a mulher é condenada. Também é condenada em nome da Constituição, da Justiça, da honra, da moral e dos bons costumes. Ela é condenada em nome da família, da vida, do feto, dos céus..., e em seu próprio nome. A Constituição de 1988, essa heroína generosa, dá fundamento a isso? Para o ministro Luís Roberto Barroso, e dois dos seus colegas, não. Para mim, também não.

Liberado para pauta diferimento da compensação fruto da correção monetária das demonstrações financeiras no período-base de 1990

O ministro Gilmar Mendes liberou para inclusão em pauta o RE 545.796/RJ, cujo tema 298 da repercussão geral é: diferimento da compensação tributária advinda da correção monetária das demonstrações financeiras no período-base de 1990.

Precedente com repercussão geral precisará mensurar oficialmente impacto financeiro no RGPS

Os impactos de decisões judiciais começam a ser mensurados em precedentes da Suprema Corte com repercussão geral. O ministro Gilmar Mendes determinou a intimação da AGU para que informe à Corte "quanto ao impacto financeiro no RGPS resultante da pretensão de não aplicabilidade do fator previdenciário nas hipóteses das regras de transição da EC 20/98". A medida foi adotada no RE 639.856/RS, contra o INSS, tendo como amici curiae o Instituto dos Advogados de São Paulo - IASP, o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário e o Sindicato Nacional dos Aposentados Pensionistas e Idosos da Força Sindical - SINDNAPI. O tema 616 da repercussão geral é: incidência do fator previdenciário (lei 9.876/99) ou das regras de transição trazidas pela EC 20/98 nos benefícios previdenciários concedidos a segurados filiados ao Regime Geral até 16/12/1998.

Parecer da PGR se opõe à regulamentação judicial do IGF

A PGR se manifestou no MI 6389/DF (min. Teori Zavascki), impetrado por membro do MPF contra os representantes dos Poderes Executivo e Legislativo com a finalidade de obter a regulamentação do art. 153, VII, da Constituição (IGF - Imposto sobre Grandes Fortunas). A manifestação é, na verdade, contrarrazões ao agravo regimental interposto contra decisão do ministro Teori Zavascki, que negou o pedido. Segundo a PGR, "não se está aqui a defender nem a investir contra a instituição do imposto, cuja conveniência fiscal e extrafiscal compete ao Executivo e ao Legislativo avaliar. Apenas se registra que, jurídica e politicamente, não há dever, mas potencialidade, de a União o criar e cobrar".

Ação sobre omissão na aplicação de fundo ligado a telecomunicações terá rito abreviado

O ministro Ricardo Lewandowski dispensou a análise de liminar para levar a julgamento definitivo a ADO 37, que discute a aplicação de recursos do Fust. A ação foi ajuizada pela OAB, que aponta omissão administrativa do Executivo Federal e da Anatel quanto à aplicação dos recursos, conforme a lei 9.998/2000, que o instituiu. A OAB argumenta que tanto o Fust quanto a Cide foram criados para fomentar investimentos em telefonia fixa, mas que tal modalidade de serviço vem caindo em desuso, sem que os programas de universalização das telecomunicações sejam implementados e as respectivas verbas orçamentárias aplicadas. Alega ainda que a cobrança da Cide deveria ser suspensa por medida liminar, até o julgamento definitivo da ação. O caso ainda não foi liberado para inclusão em pauta.

Destaque da semana

O STF julgou procedente a ADO 25 e fixou prazo de 12 meses para que o Congresso Nacional edite lei complementar regulamentando os repasses de recursos da União para os estados e o Distrito Federal em decorrência da desoneração das exportações do ICMS. De acordo com a decisão, se ainda não houver lei regulando a matéria quando esgotado o prazo, caberá ao TCU fixar regras de repasse e calcular as cotas de cada um dos interessados. Foram analisadas duas outras ações nas quais se discute a questão dos repasses aos estados relativos à desoneração das exportações (ACO 1044/MT e ACO 779/RJ).

Tá na pauta

Está pautada para da 7/12, quarta-feira, o exame da medida cautelar na ADI 5581/DF (min. Cármen Lúcia), ajuizada pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP), contra o art. 18, caput, §§ 2º e 3º da lei 13.301/2016 que "dispõe sobre a adoção de medidas de vigilância e saúde quando verificadas situação de iminente perigo à saúde pública pela presença do mosquito transmissor do virus da dengue, do virus chikungunya e do vírus da Zika", bem como de atos administrativos do poder público nacional. Sustenta-se a necessidade de interpretação conforme a Constituição do referido art. 18 por entender que "não é possível restringir a concessão do benefício pelo prazo máximo de três anos, pois as crianças afetadas pela síndrome sofrerão impactos e consequências por toda a vida, o que está cientificamente demonstrado". Também que é necessário o reconhecimento de que a concessão do Benefício de Prestação Continuada é devida não apenas para "criança vítima de microcefalia em decorrência de sequelas neurológicas decorrentes de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti", mas também àquelas que sofrem de outras desordens neurológicas causadas pela síndrome congênita do vírus zika, que venham ainda a serem comprovadas cientificamente". Ainda, que se deve determinar a concessão do benefício às pessoas com sequelas da síndrome congênita do vírus zika independente da comprovação da miserabilidade ou, no mínimo, fixando presunção de miserabilidade do grupo familiar". Diz que "o gozo do salário maternidade não pode produzir a restrição de outro direito constitucional: Benefício de Prestação Continuada". Antes da análise de mérito, a Corte precisará definir se a requerente tem legitimidade ativa para propor a ADI.

Global Constitutionalism

Prêmio Nobel da Paz, o arcebispo Desmond Tutu percorre o globo defendendo ser possível remendar laços sociais esgarçados pela violação às leis por meio de uma justiça que, não sendo vingativa, enxergue no outro um traço de humanidade a ser resgatado por uma ética que não destrua, mas restaure. É a justiça restaurativa, que guiou a Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul. Ela tem habitado a mente da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. Essa semana, uma delegação de seis juízes e seis promotores da Guiné-Bissau se reuniu com a presidente para discutir a experiência brasileira com a conciliação. "Queremos usar esse sistema no nosso país para acalmar mais a sociedade e apaziguar os conflitos", afirmou o magistrado Gássimo Djaló, porta-voz da delegação. A experiência brasileira é, para a presidente Cármen Lúcia, "um verdadeiro trabalho de justiça restaurativa". Antes, em sua primeira reunião como presidente, diante de 26 governadores ansiosos para saberem qual a saída para a guerra fiscal, já havia respondido sem medo: "a Justiça restaurativa".

Evento

Será lançada a coleção Comentários ao Código de Processo Civil, dirigida por Luiz Guilherme Marinoni e coordenada por Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero. A coleção será apresentada pelo ministro Sérgio Kukina, do STJ. Será dia 6 de dezembro, próxima terça-feira, a partir das 18h30, no Espaço Cultural do STJ.

Obiter dictum

Durante o julgamento do recebimento da denúncia contra o presidente do Congresso, senador Renana Calheiros, o ministro Gilmar Mendes começou a repetir uma história relativa a um magistrado da Justiça Federal que havia sido perseguido pelo Ministério Público. "Só não imputaram a ele a derrubada do World Trade Center", disse. De repente, o ministro revela o que foi de fato encontrado nas investigações. "Que ele, colecionador, tinha uma caneta-revólver em casa". Daí passou a repetir: "Uma caneta-revólver, uma caneta-revólver...". O decano, ministro Celso de Mello, vermelho, olhou para o ministro, se segurando. "Caneta-revólver, uma caneta-revólver...", o ministro Gilmar repetia. Foi quando o ministro Celso de Mello não se aguentou, pôs a mão na boca e gargalhou. Olhado pelo ministro Gilmar, que, enfático, repetia "caneta-revólver, uma caneta-revólver", o decano se recompôs e o julgamento seguiu seu curso.