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Universidade suíça premia estudantes de Direito do Brasil

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Atualizado às 08:03

Veio da cidade de Lucerna, na Suíça, a prova de que, apesar do tempo aparentemente escuro em nossa comunidade, o sol do talento e da dedicação começa a brilhar mais uma vez graças a uma nova geração de brasileiros.

Letícia Machado Haertel, Bernardo Fico, Bárbara Teixeira e Ana Carolina Almeida são estudantes de Direito. Os três primeiros, da Universidade de São Paulo. Ana Carolina, da Universidade Federal da Bahia. Eles compuseram um seleto rol de trinta universitários de todo o mundo escolhidos num criterioso processo seletivo para participarem, por três semanas, em julho, do "Lucerne Academy for Human Rights Implementation" [Academia de Lucerna para a Implementação dos Direitos Humanos], curso de verão oferecido pela Faculdade de Direito da Universidade de Lucerna.

O curso se debruça sobre desafios dos Direitos Humanos. Nele, a atividade prática é muito importante, com destaque para habilidades como análise de casos, escrita ágil e argumentação oral. Ao final, um julgamento simulado (Moot Court Competition) é realizado entre oito equipes formadas pelos trinta estudantes.

Nessa 9ª edição, Letícia Machado Haertel foi premiada como a melhor oradora e seu time apresentou o melhor memorial (argumentação escrita). Além disso, sua equipe saiu-se vitoriosa no julgamento simulado. Bernardo Fico conquistou o prêmio de terceiro melhor orador e seu time disputou a final da competição.

Para Ana Carolina Almeida, a experiência foi engrandecedora. "Ter aulas com ex-juízes da Corte Europeia de Direitos Humanos, como Mark Villiger, e participar de um Moot Court com uma banca de juízes tão brilhantemente formada por advogados praticantes da Corte e professores renomados foi uma experiência inebriante", afirma a acadêmica de Direito da UFBA.

Bárbara Teixeira também se entusiasmou. A acadêmica de Direito da USP diz que o curso "permite aprofundamento em pouco tempo com professores incríveis e reconhecidos". Quanto ao Moot, ela revela: "Ele se tornou um marco na minha vida acadêmica, além de ter sido uma experiência de superação e crescimento pessoal". Bárbara realça a singularidade de Lucerna. "O maior diferencial foi a distinção acadêmica e profissional dos diretores da academia, professores, juízes do Moot, apoiadores e integrantes, que fazem toda a experiência mais proveitosa", finaliza.

Leticia Machado Haertel, que voltou para casa com três premiações, tem uma boa trajetória nos chamados "moots". Ela participou da 20ª Inter-American Moot Court Competition, em 2014; das rodadas americanas e internacionais da Price Media Law Moot Court Competition, em 2015, como oradora e, em 2016 como juíza; da Nelson Mandela World Human Rights Moot Court Competition, em 2015, como oradora e, em 2016, como treinadora; e da Jessup Moot Court Competition, em 2017. Logo no primeiro semestre da faculdade, começou sua especialização em Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH). Além da graduação na USP, ela terá dupla graduação na Ludwig-Maximillians Universität, em Munique, Alemanha.

Bernardo Fico também tem uma longa caminhada. Quanto aos moots, foi orador, pesquisador, juiz, e agora será treinador de duas competições. Está fazendo um curso de Diversidade Sexual e Direitos Humanos, trabalhou na Corte Interamericana de Direitos Humanos na época em que tramitava um parecer da Corte sobre direitos LGBTI, cooperou com a Relatoria de Direitos LGBTI da Comissão Interamericana, auxiliou a apresentação feita pelo advogado Paulo Iotti de um caso de homofobia ao Sistema Interamericano, e, agora em agosto, voltará para a Costa Rica para fazer considerações a respeito do direito de refugiados LGBTI a não serem discriminados. Além do terceiro melhor orador da disputa, Bernardo e seu time chegaram à final da competição.

Ser aceito, participar, e receber prêmios em disputas jurídicas desse porte é um feito. Para Letícia, "tais competições formam um jurista completo, ensinando habilidades de pesquisa, argumentação, escrita, oratória, debate e trabalho em equipe e desenvolvendo capacidade de auto-organização, disciplina e resistência a situações de alta pressão".

Todavia, a prática ainda não é suficientemente valorizada pela maioria das Universidades no Brasil, escritórios e outras instituições, o que pode resultar em surpresas negativas por parte dos candidatos e até mesmo desistências.

Letícia reconhece esse cenário, mas sabe como transformá-lo. "Essa barreira pode ser vencida quando o aluno ou a aluna percebe que as habilidades aprendidas com o moot podem ajudá-los em todas as áreas de suas vidas". Ela destaca outras vantagens: "Depois de participar em um moot, qualquer outra tarefa é considerada mais fácil e a pessoa tem maior facilidade para lidar com ela. Além disso, a oportunidade de competir lado a lado com as melhores pessoas de universidades de renome pelo mundo não pode ser desperdiçada. Por último, o medo de falar em público, tende a ser um empecilho. Hoje, depois de tantas competições, tal medo praticamente desapareceu - mas o frio na barriga ao me aproximar da tribuna permanece como se fosse a primeira vez", diz ela.

Bernardo também é um entusiasta. Ele tem dicas a dar: "Acho que o primeiro conselho é encontrar um tema que te interesse e ao qual você queira muito se dedicar, isso facilita demais na hora de engrenar em uma competição. Muitas vezes quando eu falo sobre moots as pessoas dizem que tem medo de falar em público, mas essa é uma habilidade que a gente desenvolve", esclarece.

Além do preparo intelectual e do exercício de habilidades como a exposição oral, os participantes também tiveram de lidar com o inesperado. Foi o caso de Letícia. Na véspera da competição, uma colega de equipe teve uma emergência familiar e informou de que não poderia participar mais. "Éramos 4 pessoas e nossa apresentação tinha 4 partes, de forma que com a saída dela alguém precisaria assumir espontaneamente a parte dela. Eu tive uma noite para me preparar e apresentar uma argumentação completamente nova. Eu estava com muito medo de meu nervosismo em relação a essa parte nova me atrapalhar", recorda ela. O resultado mostra a capacidade de superação de todos da equipe.

Bernardo também precisou transcender desafios. "Eu apresentava duas partes do caso, e minhas duas colegas de equipe apresentavam uma parte cada. Como elas nunca haviam participado de uma competição, era crucial um acompanhamento de perto para que elas tivessem segurança", recorda ele. Bernardo, contudo, diz jamais ter duvidado do potencial de seu próprio time. "Eu sempre soube do potencial delas, mas o pouco tempo para a preparação deixou as duas muito nervosas. Conseguir motivá-las e dar o apoio para que elas pudessem se desenvolver, enquanto eu mesmo também tinha que me preparar para as rodadas foi um desafio enorme".

Letícia e Bernardo dizem ser o curto tempo reservado à preparação para a competição o grande diferencial do Lucerne Academy e, também, o seu maior desafio. "Enquanto outras competições reservam ao menos dois meses para a fase escrita e um mês para preparação da fase oral, tivemos duas semanas para escrever o memorial e menos de uma semana para preparar a apresentação. Não havia margem para erros ou mudanças de plano", reconhecem eles.

Os dois estudantes têm uma visão realista do Brasil quanto aos Direitos Humanos, uma visão que, mesmo real, não é negativa nem pessimista. "O caso da Lei Maria da Penha é um exemplo de como as autoridades do nosso país souberam lidar bem com uma questão de direitos humanos que foi trazida por uma instância internacional, agindo de maneira interna para garantir uma melhor atuação do Estado", afirmam.

Quanto ao futuro profissional, Letícia não deixa portas fechadas. "Diversos especialistas em Direitos Humanos trabalham junto a empresas e escritórios e se utilizam destas instituições para provocar mudança. Esse inclusive foi o tema desse ano na Academia de Lucerne, onde estudamos a relação entre Empresas e Direitos Humanos. Considero esse também um caminho possível para mim".

Bernardo segue se dedicando principalmente a questões de direitos LGBTI. "Eu não poderia estar mais contente com o retorno que toda essa experiência tem me dado - e não estou falando de retorno financeiro, mas de satisfação pessoal. Eu vejo um caminho bem longo pela frente, tanto pra mim quanto para as pautas que eu defendo. Ainda tem muito desafio, mas também tem muito progresso vindo e eu quero contribuir da melhor maneira possível", afirma.

Leticia ainda tem alguns semestres até a graduação. Contudo, sabe que cursará um LLM na Ludwig-Maximillians Universität, em Munique. "Provavelmente passarei um tempo trabalhando na Corte Europeia de Direitos Humanos", adianta ela.

Bernardo também tem projetos. "Tive o privilégio de conviver com pessoas que me ensinaram e me inspiraram muito, quer fossem próximas, quer fossem referências que sempre admirei. Espero poder retribuir inspirando gerações futuras, como defensor de direitos humanos, como docente e como referência na temática de direitos de pessoas LGBTI", afirma.

O programa suíço "Lucerne Academy for Human Rights Implementation" segue fresco na memória dos participantes. Bárbara Teixeira guarda na mente alguns momentos: "A redação do memorial proporcionou intenso estudo de questões de Direito Internacional dos Direitos Humanos e a sustentação oral nos trouxe habilidades e técnicas essências para este meio", recorda.

Ana Carolina Teixeira também não esquece as conquistas. "A melhor parte foram as grandes amizades que fiz, além de ter provado a mim mesma que sim, brasileiros são capazes de tudo e que experiências como essa não são inatingíveis: pelo contrário, são possíveis e nós as desempenhamos com graça e garra!", destaca.

Letícia, Bernardo, Bárbara e Ana Carolina. Quatro estudantes de Direito que, na Suíça, deram o melhor de si não somente para eles mesmos, mas para toda a nossa comunidade. Um resultado que alimenta os anjos bons da nossa natureza coletiva. Mostra que, com paixão, talento e dedicação, podemos mudar a nós, contribuir com o próximo e ajudar a transformar o mundo. Uma bonita lição.