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Perspectivas para o STF em 2022

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Atualizado às 08:01

O ano de 2021 foi mais um, dentre vários, no qual os homens do poder supuseram possível emparedar o Supremo Tribunal. Enganaram-se novamente. Precisam aprender com a História.

Franklin Delano Roosevelt é um ícone estadunidense. FDR salvou o país do buraco econômico da Grande Depressão com o seu New Deal; obteve, de forma inédita, quatro mandatos; e, por fim, ganhou a Segunda Guerra Mundial. Não é pouca coisa. Ao lado de George Washington e Abraham Lincoln, brilha na aurora dos maiores presidentes dos Estados Unidos. Em sua singular trajetória há, contudo, uma retumbante derrota: a tentativa de emparedar a Suprema Corte para governar alheio ao seu controle. 

Numa série de decisões tomadas por apertada maioria (6 x 3 e 5 x 4) nos anos de 1935 e 1936, a Suprema Corte dos Estados Unidos reputou inconstitucionais leis que visavam recuperar a economia do país. Reeleito em 1936, o presidente Roosevelt enviou um projeto de lei ao Congresso no qual um juiz adicional poderia ser acrescentado para cada um que tivesse mais de 70 anos de idade.1 Com isso, aumentar-se-ia o tamanho da Suprema Corte, temporariamente, de nove para quinze juízes, permitindo que o Executivo nomeasse novos julgadores favoráveis a seus programas econômicos.2

"Na quinta-feira passada, descrevi o sistema de governo americano como um conjunto de três cavalos fornecido pela Constituição ao povo americano para arar suas terras. Os três animais são, naturalmente, os três poderes - o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Dois dos cavalos, o Congresso e o Executivo, trabalham hoje em sintonia, enquanto o terceiro insiste em puxar para o outro lado"3, afirmou FDR, em 9 de março de 1937, não numa live, mas em um de seus Fireside Chats, transmitidos ao vivo pelo rádio.

A intenção de Roosevelt se revelou um fiasco. O Congresso dos Estados Unidos não embarcou na aventura. No propósito de emparedar a Suprema Corte, mesmo um homem da envergadura de um FDR, fracassou. É sábio ter alguma humildade para aprender com a lição da História.       

Quanto ao Supremo Tribunal Federal, não é apenas um calendário de julgamentos que ele traz para 2022. Muitas peças mudarão de posição num tabuleiro no qual um sopro interno pode provocar, do lado de fora, um vendaval.

O Ano Judiciário de 2022 se inicia tendo como presidente da Suprema Corte o ministro Luiz Fux. Terminará, todavia, com a ministra Rosa Weber ocupando esse assento.

A "Corte Fux" deixará boa lembrança. Logo no seu início, a soltura do traficante André do Rap, por meio de uma liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio, foi cassada pelo Presidente. Ainda que tenha havido protesto do então decano, o ministro Luiz Fux não caiu em qualquer armadilha de confronto interno.4 Seguiu adiante. Bom para o Tribunal.   

Houve também reações institucionais em momentos delicados. Em 2021, o presidente do STF anunciou o cancelamento do encontro que reuniria os chefes dos três Poderes, incluindo o presidente Jair Bolsonaro. "Nos últimos dias, o presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte, em especial os ministros Luís Roberto de Barroso e Alexandre de Moraes. Quando se atinge um dos integrantes, se atinge a Corte por inteiro"5, registrou o ministro Luiz Fux, em sessão do STF transmitida ao vivo para todo o país.

Há críticas, contudo, quanto ao excesso de decisões tomadas em sede de suspensões de liminares. A última, determinando o imediato cumprimento das penas aplicadas aos quatro condenados no caso da boate Kiss, gerou uma justa grita na comunidade jurídica. O Presidente acolheu o pedido do Ministério Público gaúcho na Suspensão de Liminar nº 1504. Não foi a primeira vez que presidentes do Supremo fazem um mais do que alargado uso das suspensões de liminares. Infelizmente, não deve ser a última.

A partir de setembro, aquela cadeira postada no centro do Plenário será ocupada por uma nova liderança que chega após 45 anos de magistratura, incluindo 10 anos de STF, passagem pelo Tribunal Superior do Trabalho e as presidências do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região e do Tribunal Superior Eleitoral. Rosa Maria Pires Weber, a juíza gaúcha de Porto Alegre, presidirá o STF.  

Atual vice, a Ministra tem experiência, coragem e serenidade suficientes para fazer uma excelente presidência. Se alguma sugestão puder ser dada, deixa-se aqui a inspiração da abertura ofertada aos advogados e advogadas pelo então presidente Dias Toffoli. Presidência de porta fechada não é bom sinal e, em termos de abertura, o ministro Toffoli foi insuperável.

Há mais mudanças. Em 2021, o Ano Judiciário foi aberto com a presença do ministro Marco Aurélio. Nesse ano, Sua Excelência não está mais lá. Foi sucedido pelo ministro André Mendonça, jurista com passagem na chefia da Advocacia-Geral da União e no Ministério da Justiça. Como será o seu gabinete? Como o Ministro se portará nas sessões do Plenário? Optará por concessões monocráticas de cautelares? Adotará, como regra, a colegialidade do Plenário Virtual? Receberá advogados e advogadas? Terá um gabinete aberto? Falará com a imprensa ou se portará de maneira mais reservada?

É preciso esperar que o ano de 2022 cumpra o seu curso para que as perguntas acima passem a ser respondidas pelos fatos. Cada novo gabinete da Suprema Corte traz em si a sua própria dinâmica, mas também os seus mistérios. Vale aguardar, observar e, se preciso for, reivindicar.    

Quem volta a atuar exclusivamente no Supremo Tribunal Federal é o ministro Luís Roberto Barroso. Dia 28 de fevereiro, o ministro Edson Fachin assumirá a presidência da Corte Eleitoral, permanecendo até agosto. O ministro Barroso esteve absolutamente envolvido com as eleições de 2020, mas também se viu empurrado para um inócuo debate acerca do retorno do voto impresso no Brasil.

Agora, uma vez mais integralmente mergulhado na Suprema Corte a partir de fevereiro, o Ministro se preparará para a assunção da vice-presidência, que é o caminho antecedente para o mais marcante momento de toda a sua exitosa trajetória jurídica - a presidência do STF.

Outra mudança acontecerá em agosto. O ministro Alexandre de Moraes, relator de polêmicos inquéritos no Supremo envolvendo o presidente da República e sua entourage, assumirá a presidência do TSE com a missão de conduzir as eleições de 2022. O seu gabinete na Suprema Corte é, hoje, o de menor acervo (811 processos).6

"Se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro será cassado e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as eleições e a democracia no Brasil", anotou o ministro Alexandre de Moraes, no recente julgamento do TSE sobre o disparo em massa de notícias falsas pela chapa "Bolsonaro-Mourão" na corrida eleitoral de 2018. A conferir.    

O ano se inicia também com a ministra Cármen Lúcia compondo a Primeira Turma, presidida pelo ministro Dias Toffoli. Em seu lugar, na Segunda Turma, entra o ministro André Mendonça. A Segunda Turma é presidida pelo ministro Nunes Marques. A dança de cadeiras tem significado, especialmente para quem se vê, em determinados temas, estrangulado por placares apertados.  

Além da mudança de peças nesse singular tabuleiro, há ainda a continuidade de práticas recentes, como as sessões híbridas de julgamento (com a possibilidade de patronos e julgadores se fazerem presentes online ou fisicamente) e uma grande quantidade de casos sendo julgados no Plenário Virtual. 

Aliás, com a expansão do referido Plenário Virtual, o mérito de muitos recursos com repercussão geral pôde ser apreciado. Com isso, houve uma grande baixa no estoque. Hoje (06/01/2022), restam 185 temas com repercussão geral aguardando deliberação. Para se ter uma ideia, apenas em 2020 foi apreciado o mérito de 126 temas. Abaixo, um gráfico elaborado pelo próprio STF mostra a evolução. 

Reconhecida a Repercussão Geral e Julgado o Mérito - Ano Atual7

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

O ano de 2021 terminou no STF com um acervo de 24.272 processos aguardando deliberação. Eles estão assim divididos: ARE: 9.918; RE: 3.826; Rcl: 2.842; HC: 2.737; ADI: 1.369; MS: 634; RHC: 615; ACO: 404; Pet: 370; ADPF: 309; e RMS: 188.8

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

Se separarmos por ramo do Direito, o cenário é o seguinte: Direito Administrativo e outras matérias de Direito Público: 9.630; Direito Processual Penal: 3.439; Direito Tributário: 2.693; Direito Processual Civil e do Trabalho: 2.145; Direito Penal: 1.916; Direito Civil: 1.239; Direito do Trabalho: 985; e Direito Previdenciário: 722.9 Abaixo, um gráfico ilustrativo do cenário.

 (Imagem: Divulgação)

(Imagem: Divulgação)

O Ano Judiciário de 2022 se inicia, portanto, com algo além de uma agenda de julgamentos no plenário presencial do Supremo Tribunal Federal. Mudança de composição, alteração da presidência e vice-presidência, retorno integral do ministro Luís Roberto Barroso (que preside o TSE) e partida do ministro Alexandre de Moraes para a grave missão de conduzir as eleições gerais de 2022. Essas são movimentações importantes que não podem passar despercebidas de um olhar atento.

Em seguida há, como não pode deixar de ser, o calendário completo dos casos incluídos em pauta de julgamento presencial no Plenário do STF para todo o primeiro semestre de 2022. Muitos deles são oriundos do Plenário Virtual e dele foram retirados por pedidos de destaques feitos por ministros. 

A esse respeito vale notar que, dia 3 de novembro de 2021, a partir de uma sugestão da ministra Cármen Lúcia, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, adiantou que deve haver uma resolução da Suprema Corte disciplinando melhor a questão dos destaques no Plenário Virtual.10

Pela dinâmica atual, sempre que há um destaque, o caso vai ao Plenário Presencial para julgamento que se inicia do zero, ou seja, ainda que tenha o Ministro Relator e outros colegas votado, o destaque reclama, no Plenário Presencial, nova leitura de relatório, realização das sustentações orais, reapresentação do voto do Ministro Relator e retomada de todos os votos. Uma possibilidade aventada é haver algum período antecedente ao início do julgamento virtual para que o destaque seja feito.  

O fim é o começo. O Ano Judiciário de 2022 se inicia formalmente dia 1º de fevereiro. Apenas formalmente. Em Brasília e, especialmente, na Praça dos Três Poderes, a Suprema Corte segue em plena atividade, com seus gabinetes repletos de trabalho preparando o percurso a ser trilhado ao longo do novo ano. A Corte persevera altiva e sem receio das armadilhas do poder, como deve ser.

__________

1 Schwartz, Bernard. A History of the Supreme Court. New York: Oxford University Press, 1993. p. 233.

2 O cenário é retratado por Roy Jenkins: "A maior derrota política de Roosevelt foi sua desajeitada tentativa, na primeira metade de 1937, de reformar (alguns diriam subjugar) a Suprema Corte dos Estados Unidos. Enviou mensagem ao congresso argumentando hipocritamente que a Suprema Corte não conseguia dar conta de suas tarefas e que uma administração eficiente exigia a designação de mais um juiz para cada juiz com setenta anos ou mais. Sua derrota foi rica em paradoxos. Primeiro, ocorreu logo depois da grande vitória em novembro anterior. Segundo, na batalha de cinco meses que se travou entre fevereiro e julho, Roosevelt, o mestre da política, cometeu erro após erro, enquanto a Corte de "cavalo e carroça", com seus juízes idosos e obscurantistas, jogou brilhantemente suas cartas defendendo-se. Em conseqüência, numa aliança com o Senado que nada tinha de inevitável, aniquilou a mais importante das primeiras propostas dos mais poderosos e recentemente presidente da história americana". Jenkins, Roy. Roosevelt. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005, pp. 110-15.

3 Acemoglu, Daron. Por que as nações fracassam: as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Daron Acemoglu e James A. Robinson; tradução Cristiana Serra. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, pp. 317-318.

4 Em outubro de 2020, o ministro Luiz Fux, presidente do STF, suspendeu os efeitos de decisão liminar proferida pelo ministro Marco Aurélio em favor do traficante André do Rap, apontado como líder do PCC - Primeiro Comando da Capital. A prisão foi decretada em maio de 2014, por ocasião da Operação Oversea, deflagrada pela PF. A liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio se baseou no excesso de prazo. Ela foi cassada nos autos da SL nº 1.395.

5 Disponível aqui.

6 Dados disponíveis aqui.

7 Dados disponíveis aqui.

8 Dados disponíveis aqui.

9 Dados disponíveis aqui.

10 O Migalhas divulgou matéria completa a respeito da questão.