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2022: O triunfo do Estado Constitucional brasileiro

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Atualizado às 07:34

A jurisdição constitucional nasceu para a resistência. Nos Estados Unidos, quando o presidente Thomas Jefferson disse não cumprir uma eventual determinação judicial obrigando-o a dar posse a um juiz indicado por seu antecessor e oponente, John Adams, a Suprema Corte, em Marbury v. Madson, 1803, reconheceu-se competente para declarar leis inconstitucionais, num pioneiro exercício de legítima defesa institucional.

A Alemanha, por sua vez, fundou sua Corte atual para ajudar na limpeza das ruínas materiais e imateriais deixadas pelo nazismo. Nasceu para resistir.

Na África do Sul, o então presidente Nelson Mandela criou a Corte Constitucional cuja missão é resistir a qualquer ensaio supremacista ou revanchista semelhante aos que forjaram o apartheid.

O Estado Constitucional brasileiro, todavia, não havia mostrado, ainda, talento para a resistência.

Getúlio Vargas e um grupo de militares, por exemplo, empacotaram a Corte. Mais tarde, ministros como Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes foram cassados pela Ditadura Militar. O então presidente da Corte, Gonçalves de Oliveira, e seu sucessor, Antônio Carlos Lafayette de Andrada, saíram do Tribunal, em protesto. Dizem que Adauto Lúcio Cardoso chegou a arremessar sua toga sobre a bancada e foi para casa para nunca mais voltar.

A verdade é que assistimos, desde 1500, o colonizador triunfar sobre o povo originário colonizado; o escravocrata sobre o escravizado; a ditadura sobre a democracia e a desigualdade sobre a igualdade. Há também o tempero permanente do golpismo.

"O Senhor Getúlio não deve ser candidato, se for candidato não deve ser eleito, se for eleito, não deve tomar posse, se tomar posse não pode governar", disse Carlos Lacerda, imortalizando, em 1950, o nosso espírito institucional golpista. Somos feitos também disso, da violência, da pilhagem e de golpes de Estado.

Não sem razão nos últimos quatro anos, alguns militares e parte da sociedade civil, liderados por um capitão eleito presidente, tramaram tudo: Intervenção Militar, art. 142 da Constituição, Exército como Poder Moderador, fechamento do STF, ameaças de não cumprimento de decisões judiciais, pedidos de impeachment de ministros, balas contra agentes da Polícia Federal em resistência à prisão, negação formal do resultado das eleições, fogo em carros e em ônibus em Brasília, atentados à bomba., tudo à luz do dia.

Acontece que, dessa vez, ministros como Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes - os mais atacados - não partiram. Eles ficaram, vestiram suas togas e se juntaram às Rochas, às Rosas e aos demais juízes constitucionais.

Quando a Suprema Corte dos Estados Unidos, para sobreviver, em 1937, reverteu sua posição então contrária ao New Deal do poderoso presidente Franklin Delano Roosevelt, ela abriu caminho para a vindicação futura por direitos. Perdeu naquele momento, mas para ganhar no dia seguinte. Nasceu, uma década e meia depois (1953/1969), a Corte de Warren, desmantelando a segregação racial e fazendo muito pela independência judicial e pelos direitos fundamentais.

No Brasil, o STF, tendo reconstruído interpretativamente a sua competência para erguer mecanismos de legítima defesa institucional, mostrou ao mundo que o que ocorreu em países como Venezuela, Guatemala, Polônia e Hungria - cujos governos acabaram com a independência judicial -, é um acidente, não um destino. É possível resistir e o Supremo resistiu.

Sem dúvida, o Estado Constitucional brasileiro foi o grande vitorioso de 2022.