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A esquerda, o governo e a hora do teste

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Atualizado às 08:37

A existência de um partido com raízes proletárias num país tão desigual socialmente como o Brasil seria "natural". Na Europa foram os partidos proletários que, ao longo da história, modernizaram socialmente os países do capitalismo central. Nos EUA, o capitalismo já surgiu no pressuposto de se criar um enorme mercado consumidor que forjaria o capital a adequar a alocação dos recursos a partir desta premissa - o sindicalismo, a partir do século XIX, defendeu os avanços trabalhistas e sociais.

É certo que desde o final da II Guerra Mundial, a esquerda da Europa Ocidental construiu plataformas reformistas e modernizantes que permitiram o compartilhamento da produtividade crescente (e, portanto, do crescimento do PIB). O comportamento ideológico destes partidos de esquerda incorporou as visões keynesianas e, assim, implicitamente, aceitaram a economia de mercado, mesmo que rejeitassem o capitalismo tradicional (liberal). Até mesmo no berço do capitalismo moderno, o Reino Unido, os avanços e as conquistas da esquerda via o Partido Trabalhista moldaram a sociedade com maior igualdade, sem prejuízo da liberdade essencial à vida social. Assim, a esquerda europeia pôde ser chamada de "esquerda modernizante".

A história da esquerda latino-americana, em geral, e brasileira, em particular, oscilou entre o idealismo revolucionário (e.g. Che Guevara) e a adesão ao populismo, esta última muito mais marcante e majoritária dentre os países da região.

O esquerdismo revolucionário atracava por detrás do aparente vanguardismo, a rejeição à democracia burguesa e ao mercado (além do próprio capitalismo). Cuba é a única evidência substantiva das consequências desta visão: um país atrasado, liderado por uma dupla familiar de ditadores (Fidel e Raul) e sem a disseminação das conquistas burguesas da democracia e da liberdade pessoal.

Já a esquerda populista não pode ser uniformemente qualificada. Todavia, se caracterizou por a formação de elites sindicais incrustadas no Estado e a pregação de ganhos sociais efêmeros e/ou inconsistentes com o desenvolvimento da economia de mercado. Ao se constituir em empecilhos formais e materiais ao capital, aproveitou-se desta condição para alastrar suspeitas e atos provados de corrupção e/ou peleguismo, dentre as principais "doenças políticas" que se alastraram no continente.

O Partido dos Trabalhadores (PT) foi constituído num contexto e com fundamentos bastante consistentes com a história brasileira. Contou com o apoio formal da Igreja Católica progressista, de intelectuais de esquerda com variadas origens e estirpes e por sindicalistas que fugiam do formato tradicional do sindicato populista. Apesar da multiplicidade de tendências em seu corpo, o segmento majoritário do PT intrinsecamente aceitava os valores da democracia burguesa e da economia de mercado. O PT foi construído organicamente e com raízes sociais verdadeiras e representativas, coisa rara na América Latina.

A chegada do PT ao Poder Central em 2002 foi fato histórico que, à época, foi lido por boa parte dos analistas da Política brasileira como o fechamento de um ciclo histórico que consolidava a democracia brasileira. Afinal, à classe tradicional de dirigentes do Estado brasileiro, suas oligarquias e os detentores da essência da riqueza nacional, se juntava um partido proletário que poderia contrabalançar o poder tradicional.

Lula da Silva, já presidente da República, soube como ninguém fazer a transformação do PT em um partido tradicional da esquerda populista latino-americana. Entregou um pouco de pão, diversão e bens para a imensa classe pobre do país e fechou um acordo de convivência íntima com as elites tradicionais brasileiras. Contou com um inesperado "bônus externo" que valorizou o preço de nossos produtos primários e, com isso, marcou a história com um período de bonanças, mas de pouco progresso. Nos campos da educação, da saúde, da tecnologia, da cultura, etc. o país em quase nada avançou - estes são os campos de atuação da esquerda moderna desde o final do século XIX.

A corrupção, o nepotismo e o aproveitamento do Estado em favor próprio, foram decorrências naturais da conversão do petismo ao populismo. A bonança, enquanto durou, foi o item de legitimação dos crimes e malfeitos da esquerda brasileira. Inclua-se aí a própria mídia, em larga medida silenciosa ou pouco atuante nos anos Lula.

A administração de Dilma Rousseff não foi apenas ignorante nas coisas básicas da economia. Transformou-se no amálgama entre a esquerda ideológica (e lá atrás revolucionária) e a populista, agora dominante no petismo. A corrupção generalizada já estava em processo de metástase o que tornou inviável seguir a rota lulo-populista.

O resultado de todo este processo é que as classes pobres e excluídas da sociedade perderam a sua representação e foram vividamente traídas pelos ideais originais do petismo. Agora, junta-se às classes médias urbanas e pede a cabeça da presidente em praça pública. As oligarquias políticas tradicionais retomaram o comando do processo político e, assim, a sina de país sub capitalista voltou a povoar o cenário político.

No governo Dilma ficou evidente a ausência de suficiente funcionalidade dos Poderes estatais para fazer o país ir à frente em reformas mínimas - nessa hora até o STF aumentou os seus vencimentos. E mais: os políticos-surfistas das ondas lulistas da corrupção se protegem atirando na presidente da República e criando um clima de ingovernabilidade para derrubá-la. Se vai funcionar, a história contará.

Nas últimas semanas, em busca de alguma redenção política, Dilma Rousseff circulou entre o populismo da esquerda (encontros com CUT e "Margaridas") e os oligarcas do Congresso, ilustrados pela figura medonha de Renan Calheiros. Trata-se de um pacto macabro de sobrevivência política que não irá a lugar nenhum. Enquanto isso, multidões vão às ruas e não sabem o que fazer. Comovem, mas não movem. Ademais, as lideranças destes movimentos são respingos de velhas vontades das oligarquias.

O país está inviabilizado do ponto de vista fiscal e monetário e do ponto de vista econômico e social requer um novo pacto para se desenvolver. Mais que tudo a oligarquia e a esquerda populista e/ou ideológica precisam ser vencidas para que algo de novo possa brotar.

A proposta orçamentária de 2016, vinda do Planalto, é mais uma dessas peças que ilustram a loucura que domina a política brasileira. Chega a ser difícil de acreditar que tão incompetente e irresponsável proposta possa ser posta na mesa. Todavia, trata-se de mais um símbolo dos tempos em nossa Terra.

Ao que parece, tanto os oligarcas quanto a esquerda brasileira estão dispostos a testar o pior cenário para somente após um desastre completo tentar fazer algo que seja politicamente saudável para o país.

A hora do teste está próxima, mas os resultados são imprevisíveis.