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Os impactos da maternidade sobre a igualdade de gênero

quarta-feira, 10 de maio de 2023

Atualizado às 08:41

A história da mulher sempre foi marcada por uma constante luta, baseada em um contínuo provar, resultado dos vestígios deixados pela sociedade patriarcal, em que as tarefas destinadas para homens e mulheres eram previamente conhecidas e delimitadas. Para esclarecer, por muito tempo as tarefas dos homens tinham como marca a dominação, vez que era seu papel proteger a família, garantir-lhe o alimento, sendo ele conhecido como o provedor. Por outro lado, as mulheres eram destinadas às tarefas domésticas e o cuidado da prole e do próprio marido.

Obviamente que com a evolução da sociedade, as mulheres passaram a arcar com outras atividades e, de forma excepcional, passaram a ter os papéis invertidos com o dos homens, sendo possível ver ambos sendo provedores ou, até mesmo a mulher sendo a principal provedora1. Essa mudança se deu principalmente com manifestações femininas (movimentos feministas) ao longo da história, com a exaltação do princípio da igualdade e foco em medidas de antidiscriminação, que foram deixando as marcas do patriarcalismo cada vez mais enfraquecidas, demonstrando que homens e mulheres devem ter os mesmos direitos, mesmas oportunidades no mercado de trabalho e, principalmente, oportunidade de ascensão. 

Ocorre que, apesar de estar muito claro todo esse contexto e todas as possibilidades que ele traz, há ainda muitos casos em que a discriminação e a desigualdade podem ser vislumbradas, demonstrando que as iniciativas para esta causa devem ir muito além. A mulher continua não sendo tratada como uma pessoa que tem igual direito a se realizar como ser humano, e isso engloba a escolha de uma carreira e outras possíveis aspirações que envolvam a via na esfera pública. Pode-se considerar que a estratégia do patriarcado é construir o mito de uma família sentimental, cujo anjo da casa seria a mulher, a principal responsável por servir e atender às necessidades dos membros da família, o que corresponde à figura da mãe.

A conquista dessa igualdade, na maioria das vezes, ocorre a duras penas, visto que ainda é a realidade de muitas mulheres a chamada dupla jornada de trabalho, vez que, além de ter seu próprio trabalho remunerado, cuidam das tarefas domésticas, dos filhos e, muitas vezes, ainda possuem o encargo de cuidar de um familiar debilitado. Tudo isso, na maioria das vezes, sem poder contar com a participação do companheiro, que costuma ter certo preconceito em dividir e realizar as tarefas domésticas.

Evidencia-se que a carga (em todos os sentidos) de todas essas atividades e, o quanto isso compromete o tempo das mulheres, gerando consequências quando o assunto é dedicação ao âmbito profissional. Assim, as dificuldades enfrentadas pelas mães junto ao mercado de trabalho geram diversos transtornos, principalmente em razão da ausência de leis e de políticas públicas que desobriguem as mulheres da exclusividade do cuidado. O que se verifica é que o mercado discrimina as trabalhadoras, mas as avalia como economicamente necessárias, entretanto, quando considerada a sua capacidade reprodutiva, muitos empregadores continuam a preferir a contratação masculina, sob o retrógrado argumento do decréscimo da produtividade feminina quando se tornam mães. 

Como exemplo, podemos citar a pesquisa de Patrícia Bertolin, de 2017, intitulada "Mulheres na Advocacia: padrões masculinos de carreira ou teto de vidro", em que se investigou os óbices enfrentados e as estratégias utilizadas pelas mulheres advogadas, para ascenderem profissionalmente em grandes escritórios de advocacia.

Dentre os resultados encontrados, Bertolin verificou que a maternidade e o home office eram compreendidos como menor disponibilidade ao escritório. Em complemento, entre 2020 e 2022, com o advento da pandemia de COVID-19, Karen Freire buscou compreender o que passou a ser um problema para a vida das mulheres advogadas, em especial para as mães de crianças, em sua pesquisa "Mulheres na advocacia: home office e trabalho de cuidado durante a pandemia de COVID-19", ocasião em que verificou que o maternar dessas mulheres, nesse período, acarretou sobrecarga e exaustão, de modo que nem mesmo a suspensão dos prazos forenses facilitou o melhor exercício de ambos os trabalhos, sendo um dos motivos principais observados o fato de não ter havido divisão igualitária das tarefas nas casas, o que manteve as advogadas como as principais responsáveis por executar ou delegar o invisível porém imprescindível trabalho de cuidado.

No Brasil, a preocupação com relação à busca da igualdade de gênero também é ampla, a começar pela licença maternidade, que está assegurada constitucionalmente para empregadas gestantes pelo período de 120 dias (art. 7º, inciso XVIII da Constituição), período em que inexistem atividades laborativas, mas a empregada continua a receber os salários. No caso de a empresa ter aderido ao programa "Empresa Cidadã", nos moldes do art. 1º da Lei Federal 11.770 de 2008 (alterada pela Lei nº 13.257 de 2016), o período da licença maternidade passa a ser de 180 dias.

Há, ainda, a estabilidade das gestantes, que pode ser observada na alínea b, do inciso II, do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em que fica disposta a vedação da dispensa imotivada da trabalhadora grávida, quando da confirmação da gravidez até 5 meses após o parto, sendo a garantia provisória também válida ainda que a gravidez ocorra no curso do prazo de seu aviso prévio, nos termos do art. 391-A, da CLT.

É neste contexto que se mostra importante o direito estrangeiro, especialmente se for contar com outros entes que já passaram por essas questões anteriormente. Isso porque, a divisão sexual do trabalho é uma problemática que assola todos os países, sendo alguns já mais avançados para deliberar sobre o assunto. Dentre eles, pode-se destacar as iniciativas portuguesas sobre o assunto, com destaque ao Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho de 2021, que trata de diversos aspectos importantes, mas em que, nesse contexto destaca a importância da conciliação entre a vida profissional e familiar. E, dentre as premissas destacadas, temos a importância de criação de mecanismos mais flexíveis para facilitar essa conciliação, a promoção de uma cultura que favoreçam essa conciliação, a ideia de expandir os incentivos para a partilha entre homens e mulheres do gozo de licenças parentais e a criação de mecanismos de licença a tempo parcial, além da melhoria da regulação relativa aos cuidadores informais, dentre outros2

Assim, o que se verifica é uma compreensão cada vez maior da realidade das mulheres e, principalmente, dos esforços necessários para garantir que exista uma maior participação masculina em tarefas que antes eram destinadas às mulheres, justamente com o objetivo de assegurar que o país alcance a igualdade de gênero.

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1 Segundo dados obtidos na Pesquisa Pnad Contínua de 2018, que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou em 2019, verificou-se que as mulheres ganhavam 79.5% do total do salário pago aos homens e que tinham uma jornada semanal de trabalho menor em 4,8 horas, sem considerar o tempo dedicado aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas, então invisíveis e não remunerados.

2 Disponível aqui.