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Non-Fungible Tokens e a individualização das obras de arte virtuais

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Atualizado às 08:25

Recentemente, ganhou espaço na mídia a notícia de uma empresa que comprou da galeria de arte Taglialatella, em Nova Iorque, a obra "Morons (White)", do renomado pintor britânico Banksy, por US$95 mil, para, na sequência, queimá-la ao vivo em um evento transmitido via streaming e, momentos depois, criar uma representação virtual da referida obra.

A idealizadora deste inusitado evento foi a Injective Protocol, uma das primeiras companhias especializadas em DeFi - diminutivo de Decentralized Finance ou finanças descentralizadas -, conceito que representa uma visão de sistema financeiro que opera exclusivamente com base em contratos digitais autoexecutáveis, os denominados smart contracts, portanto sem intermediários tais como bancos e câmaras de compensação.

De acordo com o executivo da Injective Protocol, Mirza Uddin, tal evento foi "uma expressão de arte em si", parte de um projeto de validação da habilidade do blockchain de substituir obras materiais de arte. Mirza esclareceu que a empresa "recriou inteiramente a obra material, incluindo especificações no código do smart contract, de maneira que ninguém jamais consiga de nenhuma forma alterar a obra digital. A peça física será eternamente memorizada nesta NFT"1.

Os NFT, iniciais de Non-Fungible Tokens - códigos infungíveis, numa tradução livre para o português - são itens virtuais que utilizam tecnologia de blockchain e smart contracts para assegurar sua singularidade e imutabilidade. Em outras palavras, o item virtual vem acompanhado de uma certidão de autenticidade e de um contrato com os direitos de propriedade, protegidos contra roubo, fraude e falsificação por protocolos e algoritmos complexos. Podem ser vinculados a qualquer arquivo digital, por exemplo, fotografias, vídeos, figurinhas virtuais e outros artigos colecionáveis, como é o caso das obras de arte, individualizando-os, tornando-os únicos e, com isso, agregando-lhes valor.

A febre dos NFT vem se alastrando pelos mais diversos itens. Há alguns dias, Jack Dorsey, CEO do Twitter, vendeu a primeira mensagem da rede social de mesmo nome, publicada em 21 de março de 2006, como um NFT por US$2,9 milhões2.

Na mesma semana, a artista Krista Keen vendeu por US$512 mil a Mars House, uma casa digital projetada para ser uma escultura de luz e que, de acordo com sua criadora, "está pronta para o futuro, podendo ser transportada para nosso ambiente real e desfrutada com outros [por meio de aplicativos]. Podemos eventualmente tê-la na superfície de Marte. Ela representa uma mudança de paradigma na nossa definição de arte em um mundo de realidade aumentada"3.

No Brasil, o cantor e compositor Supla - seguindo a linha de dezenas de marcas e personalidades de renome internacional, como Gucci, Nike, Pizza Hut, Elon Musk, Mark Cuban e Snoop Dogg - colocou à venda um videoclipe feito no TikTok e edições limitadas de seis artes, por preços que vão de 0,3 a 1 Ethereum (algo entre R$500,00 e R$1.600,00)4.

Ocorre que, em todos os exemplos acima, assim como em qualquer outra situação de itens digitais, um terceiro poderá obter uma cópia do arquivo, com exatamente o mesmo conteúdo. Qual, então, o sentido de se pagar valores tão altos por tais obras?

O sucesso dos NFT parece estar associado ao seu significado cultural, aliado ao capital social decorrente da propriedade sobre os ativos, cuja autenticidade e rastreabilidade transportam, do mundo real para o virtual, a noção de valor e exclusividade sobre itens digitais que, até então, eram considerados uma commodity. Ao contrário de outros ativos como bitcoins, os NFT oferecem a capacidade de chamar a atenção das pessoas e se popularizar, justamente por estarem vinculados a itens únicos, de colecionador.

Tanto é assim, que o valor dos NFT vem aumentando exponencialmente. Segundo a Trading Platforms, empresa especializada na classificação de sites de negócios e investimentos, somente em fevereiro deste ano houve um volume superior a US$400 milhões em transações envolvendo NFT, com mais de 17 milhões de traders ativos diariamente5.

Entretanto, assim como ocorre com as criptomoeadas, o mercado de NFT ainda é extremamente volátil e incerto. É cedo para afirmar que se trata de um investimento sólido e seguro, ou se não passa de um modismo, um movimento de oportunidade e especulação.

Questionado sobre os NFT, Drew Orlanoff, da TechCrunch, website especializado em tecnologia, pondera que "como alguém que coleciona itens materiais como suvenires de esporte, fico empolgado com propriedade e exclusividade. Mas tem havido propaganda exagerada em torno dos NFT. Tem muito do: participe agora para ficar rico ou fique para trás. Há potenciais vantagens para artistas, mas ainda não as vejo para consumidores"6.

Realmente, para artistas este é um novo e potencialmente lucrativo mercado, especialmente considerando que os NFT podem agregar uma função que destina ao criador um percentual do valor sobre cada transferência da obra.

Mas, para consumidores, as vantagens são subjetivas e questionáveis. Afinal, do ponto de vista de um colecionador - diferentemente do que ocorre com obras físicas, que, dada a sua singularidade, ficam expostas em museus, galerias ou mesmo em casa -, a originalidade de um NFT é basicamente uma questão formal e técnica, já que nada impede a reprodução digital do seu conteúdo.

Por outro lado, na ótica de investidores, ganhos efetivos a longo prazo dependerão de os NFT de fato manterem a tendência de serem considerados uma nova forma de colecionar arte e, claro, de a obra adquirida de fato se valorizar, assim como tradicionalmente ocorre com ativos materiais.

Seja como for, não há como negar o sucesso de momento dos NFT, impulsionado por grandes marcas e celebridades que vêm surfando esta onda, e a infinidade de possibilidades que eles permitem explorar. Entretanto, ainda será preciso algum tempo para confirmar se estamos diante de um modismo ou de uma forma perene e autossustentável de criar arte, colecionar e investir.

__________

1 Blockchain company buys and burns Banksy artwork to turn it into a digital original.

2 The first-ever tweet sold as an NFT for $2.9 million.

3 https://www.dezeen.com/2021/03/22/mars-house-krista-kim-nft-news/

4 Supla NFT King.

5 Disponível aqui.

6 Disponível aqui.