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Projeto de combate a fake news não avança. Definição de quem decidirá o que é fato ou fake é empecilho

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Atualizado às 07:53

Esta semana, o plenário da Câmara dos Deputados rejeitou o requerimento de urgência ao projeto de lei que busca combater a disseminação de fake news na internet, em especial nas redes sociais (PL 2.630/2020)1. Assim, o projeto terá trâmite mais alongado, passando por diversas comissões da Câmara e não terá aplicação nas eleições de 2022.

Como bem pontuado no Twitter pelo professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Carlos Affonso Souza, "o debate oscilou entre 'quem é contra o PL quer mentir nas redes' e 'quem apoia quer impedir a vitória de Bolsonaro'", o que, claramente, deixa as importantíssimas discussões técnicas que envolvem liberdade de expressão e combate a mentiras e informações falsas em segundo plano.

À época da apresentação do projeto, destacamos em nossa coluna diversos problemas em suas previsões legais, como imprecisões técnicas; uso de termos como "desinformação", que implicam muita subjetividade do intérprete; direcionamento das regras às principais plataformas hoje existentes, o que pode deixá-las rapidamente obsoletas; além de elevada carga de obrigações aos provedores de internet e redes sociais, tais como monitoramento e responsabilidade exclusiva no combate a conteúdo falso ou enganoso.

De lá para cá, várias proposições foram apensadas ao projeto principal, dentre as quais destacamos a extensão da imunidade parlamentar para as redes sociais (art. 22, § 8º, do substitutivo ao PL), que cria duas classes de cidadãos: os comuns, que estarão sujeitos às regras de combate a fake news e os privilegiados (parlamentares), que não serão responsabilizados por opiniões e palavras proferidas nas redes sociais, escapando de qualquer moderação de conteúdo. A regra, absurda por si só, é especialmente problemática no período eleitoral, uma vez que coloca num patamar superior os candidatos que exerçam mandato parlamentar em relação aos que não exercem.

De qualquer forma, na falta de uma lei específica para regular o tema, é o Judiciário - em especial o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - que tem se mexido para evitar que as eleições presidenciais deste ano sejam tão influenciadas por fake news quanto as de 2018, um fenômeno mundial que já tinha sido verificado dois anos antes no Brexit e na eleição de Donald Trump.

O TSE tem firmado acordos e compromissos com outros órgãos públicos (como a própria Câmara dos Deputados) e com as principais plataformas de internet2. De acordo com o que foi divulgado, os memorandos de entendimento assinados pelos provedores listam ações, medidas e projetos que serão desenvolvidos em conjunto pelo TSE e cada provedor. Mesmo o Telegram - que se recusava a atender qualquer chamado das autoridades brasileiras3 - acabou se rendendo diante da ordem do ministro Alexandre de Moraes (STF) de suspensão de seus serviços no país, de modo que se acredita venha a participar da iniciativa do TSE.

No que toca à distinção do que seria informação verdadeira da falsa - ou, como diz a campanha criada por veículos de imprensa e institutos de checagem, fato ou fake - o substitutivo, em sua redação atual, segue responsabilizando os provedores, de acordo com suas políticas e termos de uso, para que atuem contra a disseminação de informações falsas (o art. 15 do substitutivo fala em "exclusão, indisponibilização, redução do alcance ou sinalização do conteúdo"). É previsto, ainda, o dever de informar o usuário, inclusive com a fundamentação da medida tomada pelo provedor e os procedimentos e prazos que podem ser tomados por quem se sentiu prejudicado.

Este ponto altera significativamente o Marco Civil da Internet, que afasta a responsabilidade de provedores até que seja proferida ordem judicial específica determinando a indisponibilização de conteúdo ilegal (art. 19 da Lei nº 12.965/2014). Além disso, traz alto grau de insegurança jurídica, na medida em que transfere a decisão às empresas de internet, quase todas estrangeiras, muitas das quais com sede nos EUA, cujo conceito de liberdade de expressão é bem diferente do brasileiro.

Por fim, como o projeto de lei ainda enfrentará longo trâmite no Congresso Nacional, é preciso cuidado redobrado com eventuais tentativas dos governantes de se atribuir o poder de decisão sobre o que pode ou não ser publicado ou o que deve ou não permanecer no ar. A título de exemplo, em El Salvador o presidente Nayib Bukele, sob a justificativa de combater as gangues que atuam no país, está em forte ofensiva contra os meios de comunicação, a ponto de o congresso salvadorenho ter aprovado - esta semana - uma alteração no Código Penal que prevê até quinze anos de cadeia aos responsáveis por difundir mensagens de "pandilleros"4.

Segundo reportagem do jornal espanhol El País, a legislação persegue "a elaboração e reprodução ilegal de mensagens, sinais, denominações ou propaganda alusiva às gangues" nos meios de comunicação analógicos e digitais, o que levou a associação de jornalistas locais a expressar sua preocupação com o "claro intento de censura", no que foi respaldada pela organização Human Rights Watch.

Seguimos acompanhando o desenrolar do projeto de lei, bem como as medidas e decisões do Poder Judiciário na árdua tarefa de preservar a liberdade de expressão ao tempo em que se combatem as fake news.

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Texto original do senador Alessandro Vieira (PSDB/SE) e substitutivo do deputado Orlando Silva (PCdoB/SP).

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3 Tratamos do assunto em nossa coluna de 04/02/2022.

4 Em tradução livre, os membros ou integrantes de gangues.