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As implicações jurídicas da iminente criação do metaverso e a necessidade de sua regulamentação

sexta-feira, 22 de julho de 2022

Atualizado em 21 de julho de 2022 18:56

Desde o final do ano passado, quando o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, anunciou que a rede social mudaria seu nome para Meta1, como parte do projeto da empresa de revolucionar a internet através da realidade virtual, o termo "metaverso" ganhou enorme espaço na mídia, atraindo a atenção de todo o mercado.

O que muitos denominam de a "nova fronteira digital" ou "o novo capítulo da internet", na verdade remonta à obra de ficção científica Snow Crash, de Neal Stephenson2, lançada em 1992. O termo foi apropriado pelo mundo digital para definir um espaço virtual coletivo compartilhado que reproduz o mundo real por meio da conjugação das tecnologias de realidade virtual3, realidade aumentada4 e internet.

Neste intervalo de três décadas desde a cunhagem do termo, identificam-se diversas iniciativas de exploração comercial do metaverso, por exemplo em filmes (Matrix, 1999; Avatar, 2009; e Free Guy, 2021), jogos (Sim's, 2000; Roblox, 2006; e Minecraft, 2011) e plataformas de ambientes interativos para relações sociais (Active Worlds, 1995; Second Life, 2003; Decentraland, 2017; e Mozila Hubs, 2018), as quais, devido ao atual estágio de evolução tecnológica e à enorme difusão dos produtos digitais nos hábitos e na cultura mundial, tendem a aumentar de forma exponencial nos próximos anos.

Importante registar que o metaverso em si - como um ambiente virtual compartilhado de interação - ainda não existe. Os diversos aplicativos até aqui lançados funcionam como uma espécie de porta de entrada para esse mundo abstrato, mas eles ainda não estão interligados. Quando isso acontecer, os produtos de cada plataforma serão interoperáveis, criando um universo único, semelhante ao que existe hoje com a rede mundial de computadores.

Entretanto, o nascimento do multiverso parece ser apenas uma questão de tempo. Recentemente, Meta (Facebook), Sony, Microsoft, Nvidia, Qualcomm e outras trinta empresas constituíram o Metaverse Standards Forum5, grupo formado para disseminar a tecnologia do metaverso de maneira aberta, padronizada e comunicável, justamente pensando no surgimento de meios para que as diversas plataformas se interliguem.

Antes mesmo que isso ocorra, a comunidade jurídica já deve se preocupar com os limites e a regulação do metaverso, antevendo a multiplicidade de efeitos legais que advirão das relações mantidas nesse ambiente virtual. O desafio parece ser o de separar a realidade alternativa intrínseca ao metaverso, de situações com consequências concretas para a esfera de direitos e obrigações dos usuários. Será que, dentre os inúmeros eventos reais passíveis de reprodução virtual, poderemos, num futuro próximo, falar em casamento ou crimes no metaverso?

De partida, o próprio ingresso no metaverso exige a prática de atos que ainda são novidade, geram dúvida e carecem de melhor regulamentação.

Com efeito, embora o acesso às plataformas de uma maneira geral seja gratuito, parte das funcionalidades do metaverso exige a aquisição de ativos digitais como criptomoedas (por exemplo, o Linden, da Second Life; e a Mana, da Decentraland) e NFTs (tokens representativos de propriedade sobre bens e direitos virtuais, como imóveis e veículos, voltados para uso no metaverso), que carecem de regras mais claras.

Por outro lado, a "materialização" daqueles que ingressam no metaverso exige a criação de um avatar, o qual reproduz no universo virtual as características físicas e de personalidade do usuário, permitindo a sua interação com os demais usuários. Aqui, a dúvida é em que medida o avatar poderá ser considerado uma extensão do seu usuário enquanto sujeito de direito, com personalidade jurídica, apto a exercer direitos e contrair obrigações no metaverso.

Esse ponto leva a outra indagação, quanto à caracterização do metaverso como um espaço de desenvolvimento de relações sociais e negociais capazes de produzir efeitos jurídicos. Em outras palavras, a evolução do metaverso como uma realidade paralela em que os usuários, representados por seus avatares, se socializam, trabalham, consomem, enfim, praticam os mesmos atos da vida real, pode levar ao estabelecimento de relações jurídicas análogas às do mundo físico? Retomando o exemplo, um casamento no metaverso poderia resultar em direitos sucessórios entre os avatares e seus bens virtuais? E mais: admitindo-se essa possibilidade como viável, seria possível a prestação de serviços no metaverso, como os de advocacia para uma ação de separação, com a consequente criação de instituições virtuais equivalentes aos órgãos públicos reais, como o Poder Judiciário e o MP? E quais seriam as leis aplicáveis, considerando que estaríamos em um ambiente global, sem fronteiras, que, a rigor, concentra pessoas de todo o planeta?

O que, num primeiro olhar, parece absurdo, digno de obras de ficção científica, pode num curto espaço de tempo se tornar realidade. Para nos mantermos no exemplo da prestação de serviços jurídicos, há cerca de quinze anos, o Ministério da Justiça de Portugal lançava a plataforma e-Justice Centre, para operar especificamente no metaverso como uma corte e um centro de medição e arbitragem visando a resolução de disputas no mundo virtual da Second Life6. Em contrapartida, no mesmo ano de 2007, a Seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil analisava - e, então, rejeitava - a instalação de escritório virtual na plataforma Second Life. Naquela ocasião, entendeu-se que haveria a quebra do princípio da pessoalidade inerente à relação cliente-advogado, além de não haver como garantir o sigilo profissional7.

Enfim, as dúvidas e as discussões tendem a se multiplicar, pois já se tem notícia de projetos e experiências envolvendo o metaverso nas mais variadas áreas, como a imobiliária (reprodução virtual de empreendimentos para serem visitados e mobiliados por clientes), a financeira (criação de ferramentas para operação e oferta de produtos em ambientes virtuais) e a educacional (museus virtuais abertos à visitação pública). No Brasil, a Petrobras já realizou palestra em auditório virtual criado no ambiente da Second Life, da qual puderam participar apenas pessoas que tivessem seus avatares cadastrados no site8.

Nessa rápida incursão, já foi possível verificar que o metaverso traz infinitas oportunidades e, a reboque, implicações jurídicas para as mais variadas áreas do direito. A despeito dos questionamentos e incertezas que esse universo virtual suscita, a sua existência se torna cada dia mais real e concreta, tornando fundamental os debates em torno da sua regulamentação.

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1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui.

3 Tecnologia de interface entre usuário e sistema operacional via recursos gráficos com o objetivo de criar a sensação de presença em um ambiente que não é real.

4 Integração de elementos ou informações virtuais a visualizações do mundo real por meio de dispositivos eletrônicos como câmeras e sensores.

5 Disponível aqui.

6 Disponível aqui.

7 Disponível aqui.

8 Disponível aqui.