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A nova lei de recuperação judicial e o impacto nos créditos trabalhistas

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Atualizado às 08:22

No final de dezembro de 2020, foi sancionada a "nova" Lei de Recuperação Judicial e Falências. Desde o dia 23 de janeiro de 2021, estão valendo as novas regras da lei 14.112/2020, que reformulou a lei 11.101/2005.

A mudança da legislação pode ser considerada uma das grandes apostas do Governo Federal na busca da recuperação da economia do país para este ano de 2021, contribuindo ainda para o célere restabelecimento da saúde financeira das empresas. O objetivo da Recuperação Judicial é evitar que uma empresa "quebre". A ideia não é apenas ajudar os empresários (donos do negócio), mas evitar que o índice de desemprego aumente ainda mais.

A lei moderniza o sistema e prioriza a efetiva continuidade das atividades empresariais, considerando a importância social da empresa e a manutenção dos postos de trabalho. É verdade que, diante da crise causada pela Covid-19, o país segue suportando os trágicos efeitos da pandemia. As medidas de isolamento e distanciamento social refletem diretamente na economia do país.

A pandemia acelerou a transformação da sociedade e da economia de praticamente uma década em um ano, em todo o mundo, conduzindo a economia mundial ao pior desempenho desde a Segunda Guerra Mundial. É obvio que no Brasil a história não seria diferente, afinal, segundo dados do IBGE, mais que 500 mil empresas encerraram suas atividades devido à crise atual.

Em recente entrevista, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - Luis Felipe Salomão, destacou que: "A expectativa é que até 80% das empresas vão enfrentar algum tipo de dificuldade decorrente da atual crise global. Este momento tão delicado demanda do Judiciário, cada vez mais, planejamento e estratégia para se evitar maiores prejuízos sociais e econômicos". Sua Excelência está à frente do recém-lançado estudo Métricas de Qualidade e Efetividade da Justiça Brasileira: o tempo e o custo de um processo de recuperação de crédito, promovido pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A Recuperação Judicial é vista como medida de reestruturação econômica por meio da qual empresas conseguem regularizar o seu passivo com descontos consideráveis, se protegendo, inclusive, de eventuais penhoras, podendo servir de instrumento para alavancar empresas em dificuldade.

O empresário busca, através da Recuperação Judicial, um meio para evitar que a sua empresa seja levada a falência. O processo da recuperação permite que as empresas renegociem suas dívidas acumuladas em um momento de crise, recuperando suas atividades e evitando a dispensa de funcionários.

Ao ingressar com o pedido, a empresa obtém o direito de suspender os pagamentos aos credores, recebendo ordem judicial autorizativa para que, durante o processo da Recuperação Judicial, efetue o pagamento apenas dos funcionários, da matéria prima e produtos essenciais para o devido funcionamento da empresa.

A principal inovação com a nova legislação é a possibilidade de o devedor contratar um financiamento junto as instituições bancárias utilizando bens pessoais e até mesmo de outras pessoas como garantia, constituindo-se numa possibilidade de a empresa garantir seu fluxo de caixa. Diante da crise enfrentada pela empresa é comum que os bancos deixarem de emprestar dinheiro, devido ao alto risco de inadimplemento. Com a reforma legislativa, o empréstimo depende de autorização judicial, e caso a falência seja decretada antes da liberação do valor total do financiamento, o contrato será automaticamente rescindido, sem multas e encargos.

Além da possibilidade do citado financiamento, a lei traz algumas mudanças que asseguram a suspensão das execuções por um prazo de 180 dias (stay period), com a possibilidade de renovação pelo mesmo período, bem como autoriza o parcelamento das dívidas tributárias em até 120 meses, autorizando, ainda, o parcelamento de novos débitos.

O texto também inova quando traz a possibilidade de os credores apresentarem um Plano de Recuperação, com o objetivo de resolver o conflito entre as próprias partes. Tal situação ocorrerá quando, na hipótese de o Plano de Recuperação do devedor ser rejeitado, a Assembleia poderá aprovar um plano de recuperação apresentada pelos credores.

É importante destacar a existência da Recuperação Extrajudicial, que é um procedimento de negociação privada, entre empresa devedora e seus credores, embora precise ser homologado no Poder Judiciário. Ao contrário da proibição anteriormente em vigor, pela nova lei pode-se incluir os créditos trabalhistas ou por acidente de trabalho na Recuperação Extrajudicial, desde que haja negociação coletiva com o sindicato da respectiva categoria profissional (art. 161).

Tanto na Recuperação Judicial, quanto na Extrajudicial, o Plano é um título executivo, e, consequentemente, se a devedora não cumprir com o que foi devidamente apresentado, o credor poderá pedir, por corolário lógico, a execução do acordo ou entrar com um pedido de falência.

Pois bem, diante das inovações da nova lei, vamos verificar as principais alterações na legislação em relação aos Créditos Trabalhistas. 

Durante o processo de recuperação judicial, a consequência mais comum é a redução no quadro de empregados, onde ocorrem as demissões em massa. Os empregados de uma empresa em recuperação ou falida continuam a ter a preferência aos seus créditos. Aliás, se identificando a presente de algum ativo, ele será naturalmente utilizado para pagar as dívidas trabalhistas.

As ações de natureza trabalhista serão processadas perante a Justiça do Trabalho até a apuração do respectivo crédito, permitindo pleitear perante o administrador judicial a habilitação, exclusão ou modificação dos créditos trabalhistas, que serão inscritos no quadro geral de credores pelo valor determinado em sentença.

A lei 14.112/2020 trouxe também como inovação a possibilidade da extensão do prazo de pagamento dos créditos trabalhistas em mais dois anos (artigo 54, §2°), mantendo a regra geral do prazo de um ano, que agora poderá ser estendido, totalizando um prazo final de pagamento de até três anos, desde que cumpridos os requisitos legais de forma cumulativa, quais sejam: (i) apresentação de garantias que o juiz entenda serem suficientes; (ii) aprovação dos credores trabalhistas no quórum determinado pelo artigo 45, §2°, da LRF (maioria simples dos credores presentes); e (iii) garantia da integralidade dos créditos trabalhistas.

Assim, cumpridos os requisitos acima mencionados, é permitida a ampliação do prazo do pagamento, mas sem aplicação concomitante do deságio. Ainda, o legislador silenciou quanto à incidência de juros e da correção monetária para a recomposição dos valores durante esse prazo adicional.

Quanto à classificação dos créditos, houve alteração no artigo 83. Nesse sentido, os créditos derivados da legislação trabalhista limitados a 150 salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidente de trabalho, permanecem em primeiro lugar na ordem de classificação. Outra alteração importante diz respeito à manutenção da natureza do crédito, ainda que este seja cedido a terceiros, ou seja, o crédito continuará preferencial na ordem de classificação, sendo revogado o §4° do artigo 83. Antes, os créditos trabalhistas cedidos a terceiros perdiam sua natureza e passavam a ser tratados como créditos sem preferência.

Em se tratando de créditos extraconcursais, segundo a nova legislação, os créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a serviços prestados após a decretação da falência foram colocados em quarto lugar na ordem de preferência do art. 84. Antes disso, teremos o pagamento antecipado e indispensável à administração da falência, além dos créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial, vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários-mínimos por trabalhador. 

Neste atual cenário, nasceu juntamente com a nova legislação a possibilidade aos credores, quando se tratar de crédito trabalhista, que adjudiquem os bens alienados na falência ou os adquiram por meio de constituição de sociedade de fundo ou de outro veículo de investimento, com a participação, se necessária, dos atuais sócios do devedor ou de terceiros, ou mediante conversão de dívida em capital.

Enfim, ao analisar todo o contexto e as novidades trazidas com a lei 14.112/2020, notam-se que os objetivos principais foram facilitar a recuperação das empresas, trazer maior celeridade e efetividade à liquidação das empresas, viabilizar o acordo entre as partes e, quando não houver acordo, garantir um procedimento em tempo razoável que permita a manutenção dos postos de trabalho, o pagamento dos credores e a recuperação do empresário.

*Regiane Aurélia Bonin de Moraes é advogada trabalhista, graduada pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP/SP, pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela UNIMEP/SP, pós-graduanda em Compliance, LGPD e Prática Trabalhista pelo IEPREV.