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O que a Justiça do Trabalho sabe acerca do Open Banking?

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Atualizado às 08:09

Mesmo sem a conclusão da quarta etapa do programa, a estrutura do Open Banking já está sendo discutida pelo judiciário trabalhista e o tema pode definir o rumo de alguns players do mercado.

Como se sabe, nem todas as instituições participam do Open Banking. O sistema financeiro aberto indica um caminho próspero e necessário, especialmente para elevar a concorrência, permitindo um produto de excelência ao consumidor final, em tese, mais acessível.

Analisamos julgados dos Tribunais Regionais do Trabalho do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul para compreender como a Justiça do Trabalho tem recepcionado o tema.

A principal discussão gira em torno do enquadramento sindical. Não é porque determinada Instituição Financeira (IF) participa do arranjo financeiro que todos os players são considerados bancos.

O que define qual sindicato determinada empresa está vinculado é a sua atividade preponderante, e não as atividades desempenhadas por determinado colaborador - tal como preceitua o artigo 511 da CLT.

Em sessão realizada no dia 23/09/2021, o Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo soube distinguir o "joio do trigo" ao analisar e julgar o processo 1000377-23.2015.5.02.0203.

Na ocasião, o TRT Paulista negou provimento ao Recurso Ordinário do autor que pretendia o enquadramento sindical à categoria dos bancários. O empregador é uma Instituição de Pagamento (IP) e há época dos fatos estava vinculada ao Sindicatão.

O acórdão foi preciso ao destacar que "informações da empresa em rede social não é prova a desconstituir os registros oficiais perante Órgão Estatais". Além disto, prestigiou a prova técnica ao fundamentar que "a opinião leiga não se sobrepõe a assertivas técnicas de especialistas". Em fase de instrução, o Juiz determinou a realização de prova pericial para "análise de documentação e para que seja esclarecido se de fato, a 1ª reclamada constituiu-se como financeira e se há financiamento de valores".

Em outras palavras, a empresa não pode deixar que o julgador analise uma matéria tão sensível com a percepção apenas da prova testemunhal. É fundamental que a empresa formule requerimento para perícia técnica. A prova testemunhal se socorre da memória para lembrar dos fatos, já a perícia se fundamenta na ciência para contribuir com o julgador.

A diferença de uma Instituição de Pagamento (IP) para uma Instituição Financeira (IF) é enorme. A começar pela expressa vedação de realizar atividades idênticas - O Banco Central veda que a IP, por exemplo, conceda empréstimo e financiamento para seus clientes.

Mesmo que alguma IP atue como correspondente bancária de determinada IF, não se pode concluir que a Instituição de Pagamento atue como se banco fosse!

Conforme Resolução nº 3.954 do Banco Central do Brasil, as Instituições Financeiras estão autorizadas a contratar empresas correspondentes bancários para desempenhar atividade administrativas, tais como: (i) encaminhamento de proposta de abertura de conta; (ii) realização de recebimento, pagamentos e transferências eletrônicas; (iii) recebimento e pagamento de qualquer natureza; (iv) execução ativa e passiva de ordens de pagamento cursadas por intermédio da Instituição Financeira; (v) realização de operação de câmbio de responsabilidade da IF, além de outras hipóteses previstas no artigo 8º da citada Resolução.

Quanto à licitude desta terceirização - contratar uma empresa para atuar como correspondente bancária -, o Tribunal Superior do Trabalho já concluiu ser lícita tal prática (RR 900-26.2016.5.20.0006).

Destarte, superada discussão sobre a licitude do correspondente bancário e, mais, estando o Magistrado ciente das distinções entre uma IF e uma IP, não restam dúvidas de que eventual pedido de enquadramento sindical distinto deve ser julgado improcedente.

Concluímos com entusiasmo as inúmeras decisões que negaram o pedido de equiparação aos bancários1. Entretanto, como o tema ainda é recente, verificamos, também, decisões que equiparam a Instituição de Pagamento com um banco[2]. Embora isto não seja autorizado pelo Banco Central, parte dos autores têm tido êxito.

Portanto, para que se tenha uma correta conclusão da "atividade preponderante" da empresa, fundamental que seja feita uma perícia (contábil/societária), a fim de que o Magistrado esteja convencido de que as testemunhas tinham uma visão míope do negócio.

No próximo dia 29 de outubro, aliás, terá início a terceira fase do Open Banking. Nesta fase, surge a possibilidade de compartilhamento dos serviços de iniciação de transações de pagamento. E, segundo o próprio Banco Central, "isso abre caminho para o surgimento de novas soluções e ambientes para a realização de pagamento".

Estaremos atentos para saber o que o judiciário trabalhista conhece acerca do Open Banking!

*Igor Cazarini Sevalli é bacharel em Direito pela FMU/SP. Advogado especialista em Direito do Trabalho pela PUC/SP (COGEAE), com formação em Compliance Laboral pela Wolters Kluwer (Espanha); coautor do livro "Coronavírus e os Impactos Trabalhista" (Editora JH Mizuno, 2020); Coautor do livro "Perguntas e Respostas sobre a Lei da Reforma Trabalhista" (Editora LTr, 2019) e coordenador da área trabalhista do escritório Tilkian Marinelli Marrey Advogados.

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1 Processos de nºs 0012114-55.2017.5.03.0134, 1001080-32.2017.5.02.0025, 1000123-86.2021.5.02.0705, 0010207-10.2020.5.03.0047 e 0010545-66.2020.5.15.0138.

2 Processo de nº 0010517-31.2017.5.03.0173.