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Interpretações controvertidas na concessão da justiça gratuita pelo TST

sexta-feira, 25 de março de 2022

Atualizado às 07:53

Não é novidade que a Lei da Reforma Trabalhista trouxe alterações para a CLT que, mesmo decorridos quatro anos de sua edição, despertam discussões e dissensos junto à doutrina e à jurisprudência trabalhistas.

Recentemente, um dos pontos controvertidos decorrentes da lei 13.467/2017, o qual diz respeito à condenação do beneficiário da justiça gratuita no pagamento dos honorários periciais e advocatícios da parte contrária, foi objeto de relativa pacificação pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADI 5.766, em que foi declarada a inconstitucionalidade de parte dos artigos 790-B, caput e § 4º, e 791-A, § 4º, da CLT.

A expressão "relativa", utilizada acima, tem sua razão na medida em que não houve, até a presente data, a disponibilização da íntegra da referida decisão nem mesmo a modulação de seus efeitos, o que implica em diversas questões bastante polêmicas, a exemplo da possibilidade de ajuizamento de ações rescisórias frente às decisões judiciais transitadas em julgado ou de repetição de indébito, visando a devolução dos valores recebidos por advogados em ações trabalhistas a título de honorários advocatícios sucumbenciais.

O fato é que os artigos da Consolidação das Leis Trabalhistas declarados inconstitucionais colidiam com os direitos fundamentais à assistência jurídica integral e gratuita e ao do acesso à justiça, previstos no artigo 5º, incisos LXXIV e XXXV, da Constituição Federal de 1988, respectivamente.

Todavia, a despeito do julgamento da ADI 5.766 refletir a prevalência da garantia de direitos fundamentais constitucionalmente previstos sobre os artigos 790-B, caput e §4º c/c 791-A, §4º, da CLT, subsiste o debate acerca da constitucionalidade de outro artigo modificado pela Lei nº 13.467/2017, qual seja, o artigo 790, §4º, da CLT.

O presente artigo não discorrerá sobre este mencionado debate; ao revés, o objetivo aqui é perquirir outra discussão existente em torno do mencionado artigo celetário, a saber: a relativa à interpretação que deve ser conferida ao §4º do artigo 790/CLT no tocante às condições de concessão do benefício da justiça gratuita.

Com efeito, a justiça gratuita se trata de benefício consistente na possibilidade de a parte postular em juízo sem ter de arcar com as despesas do processo ante sua insuficiência de recursos1.

A grande maioria da doutrina trabalhista defende que o benefício da gratuidade judiciária decorre do direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita, assim entendido como o direito garantido ao indivíduo que não possui recursos financeiros ao auxílio extrajudicial e à assistência processual, com vistas à obtenção de informações antes da propositura da demanda e de condições estruturais para seu ajuizamento e prosseguimento sem qualquer ônus (artigo 5º, LXXIV, da CF/88)2.

Também resta compreendido no direito fundamental da assistência jurídica integral e gratuita a assistência judiciária, que se refere ao direito da parte que comprovar insuficiência de recursos de ter um advogado patrocinado pelo Estado.3

Há, no entanto, outra linha doutrinária que sustenta que a justiça gratuita deriva do direito de acesso à justiça, disposto no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, implicando, portanto, em um benefício de natureza processual que visa garantir o acesso do cidadão aos Tribunais mediante a eliminação do entrave econômico4.

Indiscutivelmente, o benefício da justiça gratuita representa ferramenta processual essencial à concretização dos direitos de acesso à justiça e à assistência jurídica integral e gratuita.

Nesse prumo, com a Lei da Reforma Trabalhista a gratuidade judiciária passou a ser regulada pelo artigo 790 da CLT, §§3º e 4º, que assim dispõem:

"§ 3o  É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

§ 4o  O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo." 

Portanto, com redação dada pela Lei nº 13.467/2017, as condições para a concessão da justiça gratuita são: (i) percebimento de salário não superior a 40% (quarenta por cento) do teto dos benefícios da previdência social; e (ii) comprovação de insuficiência econômica para arcar com as despesas do processo.

Conforme afirma Miessa5, a interpretação e aplicação do disposto nos §§ 3º e 4º do artigo 790 da CLT pode seguir duas linhas divergentes.

A primeira segue no sentido de que as condições previstas na norma celetária em comento devem ser aplicadas de forma cumulada, concedendo-se a gratuidade da justiça à parte que receber salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social e que comprovar a insuficiência de recursos para o pagamento das despesas processuais.

A segunda linha interpretativa, por sua vez, segue na direção de que a aplicação dos §§ 3º e 4º do artigo 790 da CLT deve ocorrer de forma separada, independente, de modo que a concessão da justiça gratuita se condiciona ao atendimento do requisito objetivo (descrito no § 3º do artigo 790 da CLT) ou da comprovação do critério subjetivo (constante do artigo 790, §4º, CLT).

Entrementes, é indiscutível que na hipótese da parte perceber salário mensal não superior ao patamar expresso no §3º do artigo 790 da CLT há a presunção legal de insuficiência de recursos, restando cabível a concessão da justiça gratuita6.

A questão contorvertida abarca aqueles que perceberem salário superior ao equivalente a 40% do limite máximo dos benefícios da previdência social, haja vista que a comprovação de insuficiência financeira passou a ser condição para concessão do benefício da gratuidade (790, §4º, CLT), especialmente em razão da Lei Trabalhista não dispor acerca de quais provas são necessárias para comprovação do estado de hipossuficiência do requerente do benefício.

Diversos juristas, a exemplo de Souto Maior7, defendem que a previsão legal contida no §4º do artigo 790 da CLT representa verdadeiro retrocesso do ordenamento jurídico brasileiro, haja vista que na própria Justiça do Trabalho já havia se consolidado o entendimento de que por simples declaração feita pela parte ou por seu procurador poderia se comprovar a insuficiência de recursos para fins de obtenção do benefício da gratuidade judiciária (OJ nº 304/SBDI-I/TST -  cancelada em decorrência da sua aglutinação ao item I da Súmula nº 463 do TST).

Legalmente, presume-se verdadeira a alegação de insuficiência econômica deduzida por pessoa natural (artigo 99, §3º, CPC), de modo que, aplicando-se subsidiariamente tal dispositivo ao processo do trabalho à pessoa que declarar não possuir recursos para arcar com as despesas processuais deve ser concedido o benefício da justiça gratuita (artigos 769 da CLT e 15 do CPC).

Neste sentido, dada a presunção legal da situação hipossuficiente do requerente da gratuidade, resta dispensável a produção de provas, conforme, inclusive, decorre do artigo 374, IV, do CPC.

Deveras, a dilação probatória relativa ao preenchimento das condições para concessão do benefício em questão somente é cabível caso haja nos autos elementos que evidenciem a inexistência de situação de hipossuficiência econômica do requerente (artigo 99, §2º, CPC).

Assim sendo, é possível interpretar o §4º do artigo 790 da CLT em sincronia com o artigo 99, §3º, do CPC, considerando a declaração de pobreza assinada pela parte ou por seu advogado com poderes especiais para tanto prova suficiente para concessão da gratuidade da justiça.

Tal interpretação alcançaria os incisos XXV e LXXIV do artigo 5º da Constituição Federal, possibilitando ao trabalhador que vem em juízo pleitear direito não observado pelo empregador, acesso efetivo à justiça com o desempenho da assistência judiciária integral e gratuita.

Nesta linha de raciocínio, aliás, destacam-se as recentes decisões da 3ª Turma do Colendo TST, de lavra do Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte - proferido no processo RRAg-662-54.2018.5.08.0011 - publicada no DEJT em 18/02/2022, assim como da 5ª Turma da Corte Superior Trabalhista (Ag-RRAg-1001410-91.2018.5.02.0090, 5ª Turma, Redator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 04/03/2022).

De forma oposta, porém, há a interpretação do §4º do artigo 790 da CLT, exigindo-se a comprovação da condição de miserabilidade declarada pelo trabalhador, para fins de concessão da gratuidade judiciária, mesmo frente à apresentação de declaração de hipossuficiência firmada pela parte, sob o fundamento de que, inobstante os direitos fundamentais previstos nos inciso XXXV e LXXIV do artigo 5º da CF, à lei processual cabe dispor sobre os modos e condições em que se dará o acesso à justiça e a gratuidade judiciária, tal como faz a CLT com as alterações da Lei nº 13.467/2017. (RR-10559-71.2019.5.03.0024, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 18/02/2022).

Parece que este posicionamento, s.m.j., contraria a tradição da Justiça do Trabalho quanto às condições para concessão da justiça gratuita, de modo que resta esperançar que, o mais brevemente possível, seja esta questão controvertida objeto de pronunciamento definitivo por parte do Órgão de Cúpula do Tribunal Superior do Trabalho.

__________

1 CORREIA, Henrique; MIESSA, Élisson. Súmulas, OJs do TST e recursos repetitivos - comentados e organizados por assunto. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 1124.

2 CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; JORGE NETO, Francisco Ferreira. O direito fundamental à assistência judiciária gratuita prestada pelo Estado e seus desdobramentos com a reforma trabalhista. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, v. 9, n. 84, p. 64-71, dez. 2019/jan. 2020. Disponível aqui.

3 SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 17. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2021, p. 411.

4 MIZIARA, Raphael. Honorários advocatícios sucumbenciais no processo do trabalho: fundamentos teóricos e aplicações práticas. Salvador: Editora JusPodivm, 2021, p. 95.

5 MIESSA, Élisson. Curso de direito processual do trabalho. 8. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021, p. 333.

6 MIESSA, op. cit., p. 337.

7 Disponível aqui.