COLUNAS

  1. Home >
  2. Colunas >
  3. Migalhas Infância e Juventude >
  4. 31 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente e a experiência das audiências concentradas protetivas

31 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente e a experiência das audiências concentradas protetivas

terça-feira, 13 de julho de 2021

Atualizado às 09:29

O Estatuto da Criança e do Adolescente comemora 31 anos na data de hoje, e uma experiência que tem se afigurado bastante exitosa para a proteção integral de crianças e adolescentes em situação de acolhimento familiar e institucional é a realização das intituladas 'audiências concentradas'. 

No Brasil, estima-se que aproximadamente 30.000 crianças e adolescentes estão inseridos em programas de acolhimento familiar e institucional, medida de proteção prevista no art. 101, VIII e IX, do Estatuto e que devem ser aplicadas de forma excepcional e temporária. 

O art. 19, §1°, do Estatuto aponta que a situação de crianças e adolescentes acolhidos odeve ser reavaliada no máximo a cada três meses pela autoridade judiciária, que deverá decidir de forma fundamentada, com base em relatório elaborado pela equipe interprofissional ou multidisciplinar, a respeito da possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta. 

Durante o Curso de Formação Inicial para a Magistratura, a amiga, colega e professora Maria dos Remédios Pordeus Pedrosa disse a mim e a outros colegas de concurso que tomaram posse há exatos 9 anos, que a partir do momento no qual uma ordem de acolhimento é exarada pelo/a magistrado/a, é disparado um relógio, como numa contagem regressiva, para o desligamento do/a acolhido/a do programa de acolhimento familiar e institucional. 

Nunca me esqueci disso e essa imagem de certa forma representa a urgência de que à criança e ao adolescente seja garantido o direito à convivência familiar, previsto no art. 227 da Constituição Federal, evitando-se que a permanência em programa de acolhimento institucional se prolongue além de dezoito meses (art. 19, §2°, do Estatuto). 

Na linha da Doutrina da Proteção Integral encampada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, é imprescindível para a garantia da convivência familiar e comunitária a articulação e a integração operacional dos órgãos que figuram no Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, conforme art. 88, VI, do Estatuto e a resolução 113/06 do CONANDA. Esse diálogo intersetorial pode hoje ser erigido a um direito da criança e adolescente, na perspectiva do art. 14 da lei 13.431/17 e do art. 208, XI, do Estatuto. 

Ademais, para que o núcleo essencial desse direito fundamental seja devidamente atendido, é importante garantir envolver as crianças e adolescentes nessa decisão, à luz do direito à participação previsto no art. 12 da Convenção sobre o Direito das Crianças, em cujo âmbito de proteção também são incluídas as crianças na primeira infância, observada a especificidade da idade e a interlocução por meio de profissionais qualificados em processos de escuta, conforme o Marco Legal da Primeira Infância. 

Impende destacar que também a família deve participar da tomada da decisão, até mesmo porque é garantidora fundante dos direitos desse grupo populacional, na esteira do art. 227 da Constituição e, se afastada do convívio da criança e do adolescente a respeito do qual exerce a responsabilidade, tem acesso ao contraditório e à ampla defesa (art. 101, §2°, do Estatuto). No X FONAJUP realizado em 16 de junho passado, foi aprovado o Enunciado 25 que assim dispõe: Nos processos de medida de proteção ou similar, de caráter litigioso (art.101, incs. VII,VIII e IX, do ECA), os detentores do poder familiar e outros responsáveis legais serão obrigatoriamente chamados a integrar a ação. 

Com efeito, as audiências concentradas qualificam a reavaliação trimestral que deve ser realizada pela autoridade judiciária, reunindo para tanto os integrantes da Rede de Proteção, as crianças e adolescentes acolhidos e também a família, contando com a construção coletiva da decisão que propugne encaminhamentos para o desligamento do programa de acolhimento familiar ou institucional, seja por meio da reintegração à família de origem, seja na colocação em família substituta. 

Esses eventos são importantes também para deliberação acerca de necessidades e vulnerabilidades específicas que podem ser atendidas em prol dos/as acolhidos/as e da própria família de origem, como a inserção em programas de apadrinhamento (art. 19-B do Estatuto), programas de 'guarda subsidiada', mecanismos de 'busca ativa' para adoção, dentre outras articulações. No tocante a intervenção possível nos integrantes do núcleo familiar, identificam-se deliberações voltadas à inserção em programas de transferência de renda, serviços de fortalecimento de vínculos, acompanhamentos e tratamentos para as questões de saúde mental e dependência química etc. 

O Provimento 118, de 29 de junho de 2021, do Conselho Nacional de Justiça, atualmente é o ato normativo que regulamenta as audiências concentradas protetivas e que, por sua vez, revogou o Provimento 32, de 24 de junho de 2013, que dispunha até então a respeito desse evento. 

Segundo o Provimento 118/21, a audiência concentrada deve ser realizada sempre que possível nas dependências das entidades e serviços de acolhimento, em periodicidade semestral, preferencialmente nos meses de "abril e outubro" ou "maio e novembro". Nos trimestres em que tais eventos não ocorrem, a reavaliação é realizada pelo/a próprio/a magistrado/a, à luz dos documentos técnicos das equipes multidisciplinares do juízo e dos serviços que atuam junto às famílias e instituições de acolhimento. 

Na Vara da Infância e Juventude de Campina Grande, juntamente com o amigo e colega Perilo Rodrigues de Lucena, realizamos trimestralmente as audiências concentradas, o que viabiliza um acompanhamento mais assíduo das situações de acolhimento institucional no Município, bem assim o monitoramento dos encaminhamentos realizados em momentos anteriores. 

Neste período de pandemia as concentradas vêm sendo realizadas excepcionalmente por videoconferência, permitindo a reavaliação tempestiva das medidas protetivas aplicadas, o que está expressamente previsto no Provimento em referência. 

Observa-se que a autoridade judiciária responsável pela realização da audiência concentrada é aquela que aplica a medida de proteção, mesmo que a criança ou o adolescente venha a ser acolhida em outra Comarca, a qual fica encarregada apenas da fiscalização da execução da medida aplicada. 

Por ocasião das audiências concentradas, tal normativo recomenda que seja realizada fiscalização presencial, pelo/a magistrado/a, das entidades e serviços de acolhimento, na linha do art. 95 do Estatuto, sendo imperioso ter em vista os parâmetros das Orientações Técnicas dos Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes de 2009, do Ministério do Desenvolvimento Social, para aferição de aspectos físicos, recursos humanos, infraestrutura dentre outros. 

Outro aspecto importante tratado pelo Provimento é a fiscalização daqueles/as que estão há mais de 6 meses acolhidos/as sem processo de destituição do poder familiar dos pais biológicos, abrindo-se vista ao Ministério Público para se posicionar a respeito, na esteira do art. 101, §10, do Estatuto, podendo os autos serem remetidos ao Procurador-Geral de Justiça caso se identifique uma indefinição da situação, tomando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal. 

As audiências concentradas também vêm sendo realizadas em outros momentos processuais de acordo com experiências de colegas no país, antes de eventual determinação de acolhimento institucional ou familiar, à luz de medida judicial movida pelo Ministério Público, ou logo após a concretização da medida protetiva, sobretudo quando realizada de forma emergencial pelo Conselho Tutelar, conforme art. 93 do Estatuto, garantindo-se a intervenção precoce e a consideração da excepcionalidade do acolhimento. 

Por fim, importante destacar dois aspectos que podem tornar mais efetivos os resultados das audiências concentradas. 

Primeiramente, garantir que seja atribuída maior relevância em aspectos de produtividade na realização de audiências concentradas, tendo o Fórum Nacional da Infância e Juventude do Conselho Nacional de Justiça (FONINJ/CNJ), a partir da provocação do FONAJUP e da ABRAMINJ, aprovado parecer para encaminhar essa demanda para análise no procedimento que tramita no âmbito do CNJ, destinado à atualização da Resolução 106/10 do CNJ. 

Em segundo lugar, o atendimento de toda unidade judiciária com competência da infância e juventude com equipe interprofissional (profissionais da Psicologia, Assistência Social e Pedagogia) e quantitativo suficiente de profissionais, observando-se o art. 1°, III, do Provimento 36/14 e o art. 2°, IV, da Recomendação 97/21, ambos do Conselho Nacional de Justiça, uma vez que a intervenção desses profissionais é imprescindível para embasar e qualificar a decisão judicial em face das possibilidades fáticas e jurídicas voltadas ao desacolhimento e à prevenção do afastamento do seio familiar. 

Assim, observa-se nesses 31 anos do Estatuto que a experiência das audiências concentradas potencializa um caráter acessível, sensível e amigável do Sistema de Justiça a crianças e adolescentes em situação de acolhimento familiar e institucional, proporcionando em seu favor a mobilização da Rede de Proteção para identificação de soluções e meios para a garantia do direito fundamental à convivência familiar e comunitária.