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A indulgência do Príncipe

quinta-feira, 28 de abril de 2022

Atualizado às 15:12

1. Introdução

No Brasil, qualquer opinião jurídica sobre graça ou indulto posterior a 22/4/22 se tornou suspeita, inclusive a minha. Quais são os limites constitucionais - se é que eles existem - imponíveis ao presidente da República para agraciar seres humanos que sofreram condenações criminais? Se alguém respondesse na data de hoje, isto seria pouco persuasivo. Afinal, a opinião jurídica ad hoc nem sempre guarda o devido distanciamento emocional.

Daí a importância de, sem retirar os olhos do futuro, responder às querelas constitucionais por meio da construção de uma ponte do presente com o passado. Quando a Assembleia Nacional Constituinte promulgou a CF/88, Daniel Silveira era uma criança com cinco anos de idade. Jair Bolsonaro ainda não havia pisado nos átrios do Congresso Nacional e somente no ano seguinte viria a inaugurar sua carreira política, tornando-se vereador no Rio de Janeiro.

Constituintes não têm dons premonitórios. Uma das grandes virtudes do originalismo, portanto, é o fato de que ele estabelece um standard claro sobre como decidir, antes que o caso venha a ser decidido (MARKMAN, 2011, p. 116). Tanto as regras do jogo quanto as ferramentas a serem empregadas são previamente estabelecidas e conhecidas, o que repele a ideia de casuísmos, vale dizer, de abordagens realizadas "sob encomenda" para um caso específico (MARKMAN, 2011, p. 116).

As fontes originais são impessoais.

2. A resposta originalista

A questão está circunscrita a saber se é possível sindicar a validade do decreto presidencial que agraciou o deputado Daniel Silveira, em controle de constitucionalidade. Vejamo-la.

De um modo geral, limites imponíveis à graça presidencial indicariam:

(i) infrações que não poderiam ser agraciadas;

(ii) pessoas que não poderiam ser agraciadas.

O aspecto (i) é resolvido com muita simplicidade: os crimes que não admitem a graça foram exaustivamente elencados pelo constituinte e são por todos conhecidos (art. 5º, LXIII, CF/88), não se confundindo com aqueles imputados pela procuradoria-Geral da República ao parlamentar (arts. 23, II e IV c/c 18, LSN e 344, CP). Ampliar esse rol é um gesto de infidelidade ao texto ou de apostasia constitucional. Apesar disso, o STF já acrescentou a esse elenco, como uma pretensa "limitação constitucional implícita", que crimes motivadores de pedido de extradição não podem ser indultados pelo Presidente (Ext. 1435/DF, 2ª turma, rel. min. Celso de Mello, j. em 29/11/16).

Pois bem. Quanto ao aspecto (ii), com exceção de quem agracia1, qualquer pessoa pode ser agraciada. A propósito, no âmbito eclesiástico, a graça é um favor imerecido.

Em um passado longínquo e distante das paixões políticas do presente, Ulysses Guimarães asseverou que "[...] o direito de graça é até um direito de rei; o rei é que tinha esse direito, o da graça. O sujeito é condenado há [sic] trinta anos e você o coloca na rua" (DANC, suplemento "B", p. 15). O constituinte Nelson Jobim, que depois a comunidade jurídica reencontrou como ministro do STF, ouviu atentamente e não refutou essa premissa estabelecida por Ulysses.

Qualquer estudo sério em Direito Constitucional deve se ocupar da herança dos institutos, sem o que não é possível compreender a contento o seu verdadeiro conteúdo. O Brasil adota uma forma de governo republicana, mas, goste-se ou não, a CF/88 conservou um instituto típico dos reinados. Esta é a graça concedida pelo presidente da República.

Isso fica particularmente claro quando se investiga a origem do presidencialismo brasileiro, que é um arranjo institucional transplantado do Direito Constitucional norte-americano. Quando a disciplina Poder Executivo é ministrada na Faculdade de Direito de Stanford (USA), o curso principia com o exame da influência da herança britânica sobre as competências do Presidente da República, mais precisamente o fato de que algumas atribuições presidenciais foram hauridas do Rei George III2. Este é o caso, para o que nos interessa, do chamado right to pardon - instituto equivalente à graça presidencial.

Tem prevalecido no constitucionalismo norte-americano que, com exceção dos atos que configuram impeachment, o poder do presidente da República para agraciar ou indultar (right to pardon) é praticamente ilimitado3. No caso Ex Parte Garland (1866), asseverou-se que isso contemplava todos os crimes federais4, podendo ser concedido antes, durante ou depois de instaurado o processo criminal. Predomina, no entanto, que não é possível agraciar ou indultar delitos futuros. Este é um interessante limite também aplicável a Bolsonaro, mas que não costuma ser explicitado: presidentes da República brasileiros não podem agraciar criminosos de maneira prospectiva, que equivaleria a um cheque em branco para a delinquência, mas somente em relação aos delitos já perfectibilizados. Os crimes atribuídos a Daniel Silveira são pretéritos. Quanto à ausência de trânsito em julgado, não há óbice à fruição do benefício, conforme já esclareceu o ministro Alexandre de Moraes em posição que veio a prevalecer na ADIn 5.874/DF: "a Constituição Federal não limita o momento em que o presidente da República pode conceder o indulto, sendo possível isentar o autor de punibilidade, mesmo antes de qualquer condenação criminal". De mais a mais, a absolvição do parlamentar afigura-se, no atual estágio processual, impossível.

Cuida-se, repita-se, de uma reminiscência monárquica que se traduz em um ato de clemência. E nesse contexto histórico de poder "de origem divina, reconhecido ao Príncipe" (BARRETO, 1958, p. 206), o ato de agraciar não encontra limites quanto a quem será contemplado pela clementia principis. Apenas para se ter ideia, nem mesmo o povo pode se opor ao conteúdo da clemência no Direito Constitucional italiano. A Constituição da Itália prestigia o referendo como meio de participação popular, mas subtrai do povo a possibilidade de referendar indultos (art. 75)5.

A hipótese é corroborada pelas fontes originais brasileiras. Durante uma audiência pública perante a subcomissão dos Direitos e Garantias Individuais na Assembleia Nacional Constituinte, em 6/5/1987, o advogado Modesto da Silveira, notabilizado como o célebre defensor dos presos políticos na ditadura militar, pontuou que "[...] cabe ao presidente da República quando quiser ou, lhe agradar, quando o preso tem prestígio, conceder-lhe um indulto ou uma graça". Na época, Modesto da Silveira havia percebido uma grave falha no anteprojeto Afonso Arinos. No texto, a tortura era havida como inafiançável, insuscetível de anistia e até imprescritível - este último aspecto, como se sabe, lamentavelmente não veio a ser contemplado pelos constituintes no texto definitivo -, mas simplesmente não havia menção à agraciabilidade. Logo, exatamente "para evitar essas graças que o presidente normalmente dá a um preso" (DANC, Suplemento 79, p. 30) - advertiu desconfiado -, melhor seria que os constituintes incluíssem a vedação, proposta que calhou de ser acolhida e hoje consta do texto constitucional.

Por fim, examinando-se a literatura jurídica contemporânea à promulgação da CF/88, a exemplo da constituição anotada de Celso de Mello, colhe-se que "A decisão do presidente da República, concedendo ou denegando a graça pleiteada, é insuscetível de revisão judicial" (1986, p. 266).

Este era o significado original e, em uma Constituição resistente, é também o atual. Em uma análise linguística, foi à vista desses conceitos semânticos que o constituinte reconheceu o poder de "indulto", no art. 84, VI, vocábulo que acabou indevidamente sendo empregado para abarcar também a graça.

Aliás, na história constitucional brasileira mais recente, já sob o pálio da CF/88, verifica-se que o então presidente Fernando Collor agraciou um homicida, reduzindo-lhe um terço da pena6.

No que concerne especificamente ao mérito da clemência, a eventual prestação de contas pelo mau uso do poder de agraciar não ocorre perante juízes ou tribunais. Há quatro argumentos para isso:

a. Originalmente, cuida-se de uma atribuição política e que é escrutinada pela Nação

Tamanha a importância da competência de indultar e agraciar, Ulysses Guimarães discordou do constituinte Nelson Jobim, porque não aceitava que a medida fosse delegável ao procurador-Geral da República. Ulysses sustentou tratar-se de uma "atribuição política, pela qual [o presidente] é responsável, até, perante a Nação [...]" (DANC, Suplemento "B", p. 14)

Não é uma coincidência que a ministra Rosa Weber tenha reconhecido exatamente isso, ao proferir seu voto na ADIn 5.874: "A finalidade do indulto como forma de manifestação do Poder Executivo reservado para os amigos do rei, ou seja, para aqueles que tenham boa relação política, desvirtua-se das justificativas do instituto. Todavia, nesta hipótese, o controle da legitimidade democrática do ato praticado pelo Chefe do Poder Executivo compete ao processo político" (original sem destaques).

b. A natureza jurídica da graça presidencial, tecnicamente, é de contrapeso

Em discurso proferido no simpósio do Instituto Pedroso Horta, em 13/8/1978, no município de Teresina/PI, Ulysses Guimarães descreveu que a separação dos poderes não era suficiente para inibir abusos. Seria necessário ainda consagrar um sistema de funções atípicas onde cada Poder desempenharia a função típica de outro Poder. Esta é precisamente a natureza da graça e do indulto. Segundo o referido constituinte brasileiro, "Não deve haver competências exclusivas, de vez que muitas hão de ser condominiais. O Executivo é Legislativo pela iniciativa da lei, pela sanção e pelo veto, e Judiciário pelo indulto e comutação de penas [...]" - original sem destaques. Como se vê, ao indultar, o Executivo age atipicamente como Judiciário e, com isso, apresenta freios constitucionais a este Poder.

Esta é a natureza jurídica da graça presidencial. Trata-se de um limite exercido pelo Executivo sobre o Judiciário. Como teve a grandeza de reconhecer o ministro Alexandre de Moraes, na ADIn 5.874/DF, "O sistema de freios e contrapesos, todavia, também estabelece mecanismos de controle do Executivo sobre o Poder Judiciário, como por exemplo, [...] a possibilidade de concessão de graça, indulto ou comutação de penas (CF, art. 84, XII)".

Ora, ao se permitir que o STF controle judicialmente os freios e contrapesos que lhes são apresentados por outro Poder, o Tribunal migra da posição de controlado para elevar-se ao patamar de controlador. Os freios determinados pela Constituição, então, evaporam. Quem controla os freios já não se submete a eles. Em síntese, com uma Suprema Corte que reconhece para si mesma a prerrogativa de avaliar indultos e graças presidenciais, os "mecanismos de controle do Executivo sobre o Poder Judiciário", tais como descritos por Alexandre de Moraes, já não existem.

A propósito, a compreensão de que a graça traduz um contrapeso infirma o senso comum de que agraciar condenados é um "insulto" endereçado ao Poder Judiciário. Toda graça é, por definição, um ato de antagonismo estabelecido entre a presidência da República e o órgão judicante que prolatou o édito condenatório - assim como todo veto presidencial traduz, por excelência, um ato de antagonismo entre o Executivo e o Legislativo. A Constituição Federal previu mecanismos de concórdia, quando os Poderes concordam, mas também de discordância a ser estabelecida entre eles. O veto a um projeto de lei, assim como a graça presidencial, representa um ato constitucional de oposição entre Poderes.

c. Ao contrário do indulto, que é impessoal, a graça é ontologicamente pessoal

Aquilatar eventual desvio de finalidade na graça presidencial, além de ir de encontro - e não ao encontro - à compreensão original, também ignora que esse benefício é ontologicamente pessoal. Trata-se de uma lição das mais primevas, já repetida na metade do século passado, quando o professor Otávio de Sá Barreto, da Universidade Federal do Paraná, esclarecia àquela geração de juristas que "graça é uma coisa e, outra, o indulto; que êste é ou devia ser sempre de caráter coletivo e impessoal, ao passo que a outra individual e pessoal" (1958, p. 208).

Perquirir a impessoalidade em um benefício de índole pessoal é uma atividade cujo desfecho já se conhece de antemão: a graça será sempre fulanizada, concedida a pessoa certa e por razões perigosíssimas de serem sondadas.

d. A teoria dos motivos determinantes é de difícil acoplagem nos atos políticos

Tem-se entendido no Brasil, por influência da construção pretoriana do Conseil d'État da França, que os atos administrativos - vinculados ou discricionários - se submetem à chamada teoria dos motivos determinantes, por força da qual o administrador estará comprometido com os motivos que venha a declinar, ainda que não estivesse obrigado a explicitá-los.

Aqui, temos um problema mais sério na recepção desse construto. A acoplagem da teoria dos motivos determinantes nos atos políticos é dificílima.

O transplante da teoria dos motivos determinantes foi pensado para atos administrativos praticados por um administrador. Por exemplo, quando um agente público é exonerado do cargo em comissão por uma suposta ausência de assiduidade, mas consegue demonstrar que compareceu todos os dias, pontualmente, mediante juntada da folha de ponto. A motivação era despicienda, mas, uma vez documentada no ato administrativo, comprometerá o administrador e dela dependerá a validade do ato.

A graça e o indulto, porém, não são atos administrativos. Eles pertencem a uma quarta categoria dos atos do Poder Público - tradicionalmente estudados como administrativos, legislativos ou jurisdicionas -, qual seja, a dos atos políticos. José dos Santos Carvalho Filho bem o esclarece: "Esses atos não são propriamente administrativos [...] os atos políticos comportam maior discricionariedade para os governantes, facultando-lhes a todo o tempo um leque aberto de possibilidades de ação, sendo todas legítimas. Como exemplo desses atos, temos o ato de indulto, da competência do presidente da República (art. 84, XII, CF/88) [...]" (2020, p. 1802). E conclui o administrativista: "[...] seus motivos residem na esfera exclusiva da autoridade competente para praticá-los", razão pela qual a sua valoração é vedada pelo Judiciário (CARVALHO FILHO, 2020, p. 1802).

Permitindo-se que os motivos dos atos políticos sejam sindicados pelo Judiciário, à luz da teoria dos motivos determinantes, até mesmo o veto presidencial a projeto de lei estaria sujeito ao crivo do STF, bastando para isso que se fundasse em uma duvidosa inconstitucionalidade. A teoria dos motivos determinantes, convém reiterar, é típica de uma ambiência infralegal - mesmo assim, nem sempre, o que se comprova pelo seu desaparecimento diante da tredestinação lícita operada nas desapropriações.

3. O posicionamento do STF (ADIn 5.874)

Não há precedentes do STF sobre o controle de constitucionalidade da graça propriamente dita e utilizar um raciocínio analógico sobre a hipótese mais aproximada - a ADIn 5.874, que versa sobre indulto - pode apresentar alguns problemas sérios de adaptação. A dificuldade mais óbvia no transporte da ratio decidendi se refere ao argumento da impessoalidade, dado que a graça é eminentemente pessoal.

De toda sorte, o fato é que o STF tem, sim, admitido o controle judicial do próprio mérito nos indultos concedidos pela presidência da República. Importa o que se faz, não o que se diz. É irrelevante o que consta das ementas, assumindo mais relevo a substância e a realidade das coisas.

Dizer que o STF não aceita que o mérito do indulto seja controlado é uma proposição sem acurácia. O mais preciso é afirmar que o STF afirma não controlar o mérito, mas que, contraditoriamente, também se declara legitimado para aquilatar a razoabilidade do seu conteúdo. Basta a leitura atenta do voto do ministro Alexandre de Moraes na ADIn 5.874, que recebeu a adesão da maioria dos ministros e sagrou-se vitorioso no Colegiado, para verificar que ele defendeu ser possível o controle com base no princípio da razoabilidade, ou seja, um juízo tipicamente meritório. Negou incursionar no mérito, é verdade, mas teve o cuidado de deixar muitas portas abertas. Ora, quem fiscaliza a sensatez do conteúdo de um decreto presidencial de clementia principis está, substancialmente, avaliando o mérito ou demérito da escolha efetuada.

O mais é ilusão.

No campo descritivo, portanto, o STF admite, sim, o controle meritório dos atos de clementia principis. E se vier a fazê-lo no que concerne ao Decreto de 22/4/22, não terá havido comportamento contraditório. O Tribunal terá, neste caso, sido coerente consigo mesmo - não com o significado original do texto constitucional.

4. Conclusão

Lula poderia, sim, ter sido nomeado por Dilma como ministro de Estado. Temer poderia, sim, ter indultado da maneira como indultou. Mandetta poderia, sim, ter sido exonerado do Ministério da Saúde pelo presidente Bolsonaro. E Bolsonaro pode, sim, agraciar quem lhe aprouver, desde que não se aventure em fazê-lo nos crimes proscritos pelo constituinte.

Se gostamos disso como cidadãos - e temos o direito cívico de não apreciar -, esta é uma questão onde não pretendo incursionar. Saber se a graça é devida é um assunto que pertence à sociedade e, sobretudo, aos eleitores, descabendo atrair essa temática para a arena judicial.

Por fim, dizem que a decisão do STF teria sido descartada pela caneta do presidente da República. Em absoluto. Somente a ausência de familiaridade com o Direito Penal e o Direito Eleitoral poderia originar um boato irresponsável e escalafobético como esse. A graça não tem envergadura para alcançar os efeitos secundários da condenação penal, que permanecem íntegros. O parlamentar não apenas poderá perder o mandato mediante decisão da Câmara dos Deputados7, por maioria absoluta e, após a EC 76/13, em escrutínio aberto - o que, espera-se, aconteça -, como não será candidato nas eleições que se avizinham, tampouco nas seguintes e nem mesmo nas subsequentes (art. 344, CP c/c art. 1º, I, "e", 1, da LC 64/90).

Não saiu de graça.

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No Direito Constitucional dos EUA, o tema da graça autoconcedida ainda é controverso. Prevalece não ser possível. Há boas razões para sustentar o mesmo no Brasil, como foi feito aqui, mas aprofundar esse aspecto escapa aos propósitos deste ensaio.

Esta é uma abordagem feita, por exemplo, na obra do constitucionalista Michael McConnell: The President Who Would Not Be KingExecutive Power under the Constitution. New Jersey: Princeton University Press, 2020.

Em Burdick v. United States (1915), a Suprema Corte decidiu que o perdão presidencial necessariamente precisa ser aceito pela pessoa agraciada. Em obter dictum, entendeu-se que o perdão se assemelha a uma confissão, portanto, poderiam haver razões morais para a recusa - embora este detalhe não conste do precedente. No Brasil, o aceite também tem a sua importância porque até mesmo Promotores de Justiça podem postular a graça "em favor" de um dado sentenciado (art. 188, LEP). Neste caso, é perfeitamente possível que o agraciado prefira ajuizar uma revisão criminal a ser "beneficiado" pela causa de extinção da punibilidade que não removeria os efeitos secundários da condenação. Ou que de repente pretenda expiar seus erros. Ou que simplesmente não aceite, por se considerar inocente e baseado em razões morais. Diferentemente, em se tratando da graça como resposta a um pedido apresentado pela pessoa pretensamente agraciada, o aceite é dispensável. Quem pediu anuiu. No Brasil, Daniel Silveira deve manifestar sua concordância com a benesse.

Nos EUA, o right to pardon não obstaculiza a persecução penal por crimes estaduais, a serem julgados pelos tribunais dos estados. Blindam-se apenas os federais. Ao contrário do Brasil, que concebe a República Federativa como soberana e os entes políticos como autônomos, o constitucionalismo norte-americano tem desenvolvido a doutrina da "dupla soberania" (Gamble v. United States - 2019). Isso permite que réus sejam responsabilizados por "procuradores da república" (federal prosecutors) e "promotores de justiça" (state prosecutors) sem bis in idem (double jeopardy).

5 Na Itália, porém, o indulto é concedido pelo Poder Legislativo. O Presidente da República continua detentor, entretanto, do direito de agraciar (art. 87).

O documento foi localizado pelo Procurador Vladimir Aras, após a indicação do incidente pelo promotor de Justiça Milton Merquiades.

A necessidade de deliberação da Casa respectiva para a perda do cargo foi decidida pelo Plenário do STF na Ação Penal 565/RO, no Caso Ivo Cassol, em 8/8/13. O Tribunal decidiu pela aplicação do § 2º do inc. VI do art. 55 da Constituição Federal, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Joaquim Barbosa. Trata-se do precedente mais relevante sobre o tema até os dias atuais, embora não seja o mais recente e tenha sido contrariado por decisões posteriores da Primeira Turma, porque emanou do Plenário. A prevalecer a concepção pela qual as Turmas devem observar o entendimento do Plenário, tal como dispõe o CPC/2015, é este o entendimento a ser adotado.

8 BARRETO, Otávio de Sá. A "clementia principis" de Nossos Dias no Direito Nacional. Revista da Faculdade de Direito UFPR, Vol. 6, pp. 203-210, 1958.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 34ª ed. São Paulo: Atlas, 2020.

10 McCONNELL, Michael W. The President Who Would Not Be King: Executive Power under the Constitution. New Jersey: Princeton University Press, 2020.

11 MARKMAN, Stephen. Harvard Journal of Law & Public Policy. Vol. 34, 1. Originalism and Stare Decisis. In: Originalism 2.0. pp. 111-120, 2011.

12 MELLO FILHO, José Celso de. Constituição Federal Anotada. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986.