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Morrer por um salário

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Atualizado em 3 de agosto de 2018 14:54

O título da coluna é inspirado na recente obra de Jeffrey Pfeffer, festejado professor da Stanford University. O título original é "Dying for a Paycheck". Em resumo, a obra aponta como, na atualidade, o ambiente de trabalho adoece e mata cada vez mais. As doenças e mortes precoces não são aqui decorrentes das situações clássicas de acidente de trabalho, tradicionalmente apontadas como eventos súbitos, inesperados e imediatamente incapacitantes.

Na verdade, a grande dificuldade apontada pelo autor são as doenças ocupacionais. Rotineiramente segregadas em doenças profissionais e doenças do trabalho, são produzidas por ambientes inadequados de atividade profissional, o que envolve não somente agentes nocivos de ordem física, química ou biológica, mas, como aponta o estudo citado, organizações e culturas laborais que demandam excessivamente de seus profissionais.

A questão confronta o discurso otimista do Século XX, típico da modernidade, em que as pessoas teriam cada vez mais tempo livre para a família e atividades lúdicas. O que se nota, especialmente no Brasil, é exatamente o contrário. Com foco na eficiência e produtividade, empresas estabelecem metas e objetivos cada vez mais dificultosos para seus empregados gerando, com isso, ambientes competitivos, conflituosos e, enfim, incapacitantes.

A lógica do ganho de curto prazo traz graves impactos futuros, tanto para empresas, que tendem a perder a desejada eficiência, assim como para os sistemas de previdência social, que sofrem o incremento das despesas com benefícios por incapacidade e morte. Pessoas que trabalham sob pressão crescente tendem a perder a capacidade de trabalho, extenuadas por jornadas elevadas e pela competição velada entre os colegas.

Parece difícil que o mercado, sozinho, seja capaz de reverter essa crescente bolha de incapacidades laborais. Cada vez mais, gestores são também cobrados por acionistas para obter resultados de curto prazo. Projetos comprometidos com a qualidade de vida dos empregados, na prática, são considerados como secundários. Afinal, caso dirigentes não produzam resultados em tempo hábil serão, também, demitidos da organização com perda de remuneração e demais benesses.

Como já tive oportunidade de apontar em textos anteriores, o descaso com o meio ambiente do trabalho trará resultados desastrosos também para a previdência social. A inexorável ampliação dos limites etários para fins de aposentadoria voluntária imporá severo crescimento das prestações por incapacidade. O resultado será dramático tanto do ponto de vista da viabilidade do sistema protetivo quanto da dignidade da clientela protegida.

Naturalmente, a questão do trabalho excessivo é por demais complexa, pois envolve aspectos comportamentais derivados do incentivo ao consumo e da ostentação social, entre outros. Todavia, é forçoso reconhecer que as empresas e o Estado Brasileiro têm pouco ajudado na resolução do tema. Na verdade, as políticas estatais da atualidade estão também, equivocadamente, comprometidas com metas de curto prazo. A percepção obtusa da realidade laboral e previdenciária no Brasil nos encaminha para o abismo da falência financeira e social.

No momento em que temos a notícia do fim do bônus demográfico da população brasileira, com o esperado incremento do envelhecimento populacional, medidas de regulação estatal se fazem necessárias, colocando o aparato normativo em prol da viabilidade atuarial do sistema, mas sem descurar da saúde e dignidade dos trabalhadores. Somente assim poderemos, em tempo hábil, conjugar modelo laboral salubre com sistema de proteção social equilibrado.