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Da "Tipicidade Fechada" ao voto de qualidade no Carf - A longa guerra entre Fazenda e contribuintes

segunda-feira, 6 de março de 2023

Atualizado às 07:52

Com a liberdade que um texto singelo permite, arbitro o ano de 1978 como o nascedouro da dogmática nacional sobre a legalidade tributária. Obviamente, as discussões são anteriores, mas a sistematização apresentada por Alberto Xavier justifica a escolha. De forma resumida, o aludido autor e seus discípulos apontam que a legalidade tributária seria dotada de formalismo superior aos demais ramos do Direito - para alguns, até do direito penal - de forma a evitar os voluntarismos interpretativos das autoridades fazendárias.

A sistematização de Alberto Xavier foi motivada pela ausência de uma compreensão abrangente da importância da interpretação da norma tributária - segundo sua percepção - o que, de fato, poderia ser exemplificado em diversas situações, como, por exemplo, o art. 111, II do CTN. O referido preceito, ao dispor sobre a necessidade de "interpretação literal" sobre a outorga de isenções, no sentido de afastar subjetividades finalísticas por parte das autoridades administrativas, acabou gerando efeito inverso, de forma a ser aplicado como um comando de efeito restritivo.

Dentro dessas premissas, surgiram terminologias heterodoxas, como a "tipicidade fechada", em conhecida confusão entre conceitos e tipos. De toda forma, o formalismo fiscal sempre encerrou uma dificuldade, dentre outras: por que desconfiar das autoridades administrativas e, ao mesmo tempo, depositar esperanças no Poder Legislativo? Tendo em vista que boa parte das normativas legais sobre matéria tributária são decorrentes de projetos derivados do Executivo, aliada a complexidade e ambivalência da sociedade contemporânea, de que serviria o formalismo fiscal?

Pela minha experiência, após mais de um decênio como "autoridade fiscal" e, no decênio seguinte, do "outro lado do balcão", noto que há uma desconfiança recíproca acentuada. As discussões abstratas sobre legalidade tributária, de um lado, e aspectos finalísticos de justiça fiscal, de outro, escondem anos de mágoas mútuas. É certo que a desordem estatal na matéria tributária - em todos os Poderes - propicia oportunidades de planejamentos fiscais que favorecem maiores contribuintes. Mas é igualmente correto apontar que a mesma realidade traduz insegurança acentuada, comprometendo a atividade econômica e, ao fim e ao cabo, prejudicando a todos nós.

Ou seja, a desconfiança da dogmática nacional frente às autoridades administrativas, além de conflitar com a conhecida e notória ineficiência e incapacidade institucional do Poder Legislativo em produzir as normas "fechadas", acaba por inflar a ausência de afinidade das autoridades administrativas frente aos contribuintes. Ao buscarmos a legalidade "estrita", apontando alegados excessos das autoridades administrativas, há o efeito rebote de maiores rigores na interpretação fiscal e na organização de órgãos administrativos, como a recente questão do voto de qualidade no CARF.

Como a previdência social possui suas contribuições submetidas ao regime constitucional tributário - incluindo a legalidade - acabamos como participantes involuntários da batalha. O embate tem produzido vitoriosos pontuais e temporários, mas, no geral da guerra, estamos todos morrendo. Além de buscar a necessária paz na Ucrânia, poderia o novo Governo terminar anos de combates entre fisco e contribuintes. Seria uma conquista digna do Nobel da Paz.