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A pensão especial decorrente de feminicídio e o equilíbrio financeiro e atuarial

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Atualizado às 07:58

A recente lei 14.717, de 31 de outubro de 2023, em sucintos 4 (quatro) artigos, cria a pensão especial aos filhos e dependentes crianças ou adolescentes, órfãos em razão do crime de feminicídio (art. 1º). A nova prestação pecuniária, não obstante a valorosa dimensão protetiva a pessoas em condição de vulnerabilidade, encerra dúvidas e críticas.

Dentro das dúvidas, uma evidente é a quem competirá gerir o novo benefício. O candidato natural é o INSS, apesar da natureza claramente assistencial da prestação. A capilaridade da autarquia, aliada à expertise na atuação junto ao público, propiciam essa solução provável. Causa estranheza a lei deixar a questão em aberto.

Dúvida um tanto mais complexa é como se dará a verificação da condição de beneficiário da prestação. A lei estabelece, como possíveis percipientes, não somente filhos, mas "dependentes menores de 18 (dezoito) anos". A norma não estabelece qualquer restrição e não disciplina a comprovação da dependência econômica, a qual, muito provavelmente, seguirá as normativas usualmente adotadas no Regime Geral de Previdência Social. Ficou tudo para o futuro regulamento.

O art. 1º, § 2º prevê a interessante situação da possível concessão do benefício de forma provisória, o que, no limite, permite, desde já, a requisição do benefício, mesmo ausente a regulamentação administrativa. Tendo em vista o histórico administrativo no qual o INSS também concede benefícios assistenciais, não parece de difícil conclusão que caberá à Autarquia adaptar-se para tanto.

No quesito "crítica" aplicável à nova prestação assistencial, destoa o pouco caso do legislador ordinário com a necessária previsão prévia de fonte de recursos para a seguridade social, na forma do art. 195, § 5º da CF/88 ("Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total").

O art. 3º da lei 14.717/23, prevê, laconicamente, que "As despesas decorrentes do disposto nesta lei serão classificadas na função orçamentária Assistência Social e estarão sujeitas a previsão nas respectivas leis orçamentárias anuais". É o mesmo que dizer nada. Na atual formatação normativa, apesar da razoabilidade da proteção de crianças e adolescentes em tão dramática situação, é patente a inconstitucionalidade do benefício assistencial previsto na lei 14.717/23.

Assim como há a necessidade de responsabilidade e maturidade do legislador ordinário na restrição de direitos sociais, de forma a conjugar o atendimento dos objetivos protetivos no bojo das limitações orçamentárias, o mesmo raciocínio deve prevalecer em situações de ampliação ou criação de novas prestações, as quais, se adotadas de forma irresponsável, colocam em xeque todo o sistema protetivo.