Irresponsabilidade fiscal e previdência social - A aposentadoria especial dos agentes de saúde
segunda-feira, 1 de dezembro de 2025
Atualizado em 28 de novembro de 2025 08:55
Tomo a liberdade de iniciar a coluna com um dos dispositivos mais desrespeitados da CF/88: o art. 195, § 5º ("Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total"). Lá previsto desde as origens do texto constitucional, é simplesmente ignorado na maioria das discussões previdenciárias.
O feito se repete na recente aprovação, pelo Senado Federal, do PLP 185/24, o qual, a pretexto de disciplinar a EC 120/22, acaba por criar benefício sem fonte de custeio. Na verdade, o enredo é ainda pior, pois a medida legislativa contraria diretrizes já consolidadas no sistema previdenciário brasileiro.
Para melhor contextualizar a insensatez da medida, importa notar que a EC 120/22, ao dispor sobre o tema da remuneração dos agentes comunitários de saúde e de combate a endemias, inclui uma previsão absolutamente desnecessária, ao prever que os referidos agentes "terão também, em razão dos riscos inerentes às funções desempenhadas, aposentadoria especial" (art. 198, § 10, CF/88).
Desnecessária, pois a legislação previdenciária brasileira, desde 1960, assegura aposentadoria especial a segurados com exposição a agentes nocivos, dentro ou fora da área de saúde. Apesar de supérflua, a norma acabou por subsidiar a surreal compreensão de que tais agentes teriam direito a uma nova modalidade de aposentadoria especial, em franco favorecimento frente a todos os demais segurados do RGPS em atividades insalubres.
O PLP 185/24 cria regra autônoma, restrita a esta classe de trabalhadores, em franca contradição com as regras gerais de aposentadoria especial fixadas pela EC 103/19. E sem qualquer menção às fontes de custeio! Ou seja, viola-se não somente a necessidade de prévio financiamento, mas a isonomia com as demais classes em atividades insalubres e, ainda, as premissas normativas adotadas pelo próprio Congresso Nacional na aprovação da EC 103/19.
Como se não bastasse o conjunto de temeridades normativas, o projeto aprovado ainda afirma que não se aplica à referida aposentadoria "as normas relativas à comprovação de efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes" (art. 2º, § 1º). Em outro ponto de surreal inadequação normativa, o projeto consegue a façanha de contrariar todo a evolução da matéria desde o advento da lei 9.032/95, quando se extinguiu o enquadramento especial por categoria profissional em favor da efetiva comprovação de exposição permanente a agentes nocivos.
Falando em contradições, o projeto ainda assegura a aposentadoria especial com paridade e integralidade, atributos protetivos de regimes previdenciários de servidores públicos que foram afastados desde o advento da EC 41/03. Um festival de temeridades, ilegalidades e inconstitucionalidades aprovadas por unanimidade (57 a zero).
Nos resta, agora, esperar que a Câmara dos Deputados tenha algum zelo na apreciação da matéria e, mediante rejeição da medida, seja o PLP 185/24 encaminhado ao destino adequado: os arquivos do Congresso Nacional.

