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Remissão: a manobra dos planos de saúde que prejudica o consumidor da terceira idade

Mariah de Castro Neves Olmedo Freind e José Leandro da Silva Costa Passos Caldas

É fato: o carioca está vivendo mais. Fechamos a primeira década do século XIX com a cidade habitada por mais cariocas que chegam à terceira idade.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Atualizado em 10 de fevereiro de 2010 10:18


Remissão: a manobra dos planos de saúde que prejudica o consumidor da terceira idade

Mariah de Castro Neves Olmedo Freind*

José Leandro da Silva Costa Passos Caldas*

É fato: o carioca está vivendo mais. Fechamos a primeira década do século XIX com a cidade habitada por mais cariocas que chegam à terceira idade.

O crescimento da população de idosos, em números absolutos e relativos, é um fenômeno mundial e está ocorrendo a um nível sem precedentes. Atualmente, uma em cada dez pessoas tem 60 anos de idade ou mais e, para 2050, estima-se que a relação será de uma para cinco em todo o mundo, e de uma para três nos países desenvolvidos.

Juridicamente, o idoso vem recebendo mais atenção e proteção. Ainda que com a idade de uma criança, a lei 10.741 de outubro de 2003 (clique aqui), popularmente conhecida como "Estatuto do Idoso", ganha força e passa, progressivamente, a influenciar a interpretação dos Tribunais na solução dos conflitos do cotidiano. Mais que uma lei, o Estatuto do Idoso é a consolidação de uma vontade da sociedade em proteger e certificar os direitos daqueles que contam com anos de luta e, ao lado da CF e outros microssistemas jurídicos protetivos, tais como o CDC (clique aqui), irradia seus preceitos por todo o ordenamento jurídico pátrio, possibilitando que a lei brasileira possa ser aplicada para, de fato, fazer justiça. Trocando em miúdos, a sociedade quer viver mais e melhor, protegendo e respeitando os mais velhos.

Justamente no intuito de alcançar maior qualidade de vida, encontra-se no topo da lista do cidadão a preocupação com saúde. Diante do lamentável estado de completa carência em que se encontra o sistema público, é cada vez maior o número de pessoas que contratam os planos privados. Não se trata, verdadeiramente, de uma opção dos ricos. A grande maioria dos aderentes dos planos de saúde privados é composta pelo cidadão trabalhador que paga as mensalidades com grande sacrifício e tem, como retorno, a cobertura mais básica possível (aquela que deveria ser provida pelo Estado).

A questão fica ainda mais séria, quando alguns planos privados se valem de cláusulas contratuais abusivas para impor ao cidadão leigo desvantagens e prestações extremamente desproporcionais. É, por exemplo, o que ocorre com a cláusula de remissão da apólice do seguro-saúde quando finda o prazo de remissão.

Antes, contudo, necessário expor o que é a remissão. Os planos de saúde, em sua imensa maioria, prevêem que, quando o titular do plano falece, os seus dependentes continuarão tendo cobertura pelo prazo de cinco anos, sem precisar pagar a mensalidade do plano. Ao final deste prazo, o dependente tem o direito de celebrar um novo contrato com o plano de saúde, nos mesmos moldes (cobertura, custos, sem carência, etc.) que o plano do titular falecido.

A princípio, parece que os planos de saúde entregam uma benesse incrível para os dependentes. Ao analisar de forma mais detida e ver a aplicação desta cláusula na prática, o resultado é completamente diferente.

A maioria dos titulares dos planos de saúde, quando do seu falecimento, conta com mais (às vezes muito mais) que sessenta anos, e deixa, em muitos casos, dependentes também com mais de sessenta/setenta anos. O dependente sobrevivente conta com cinco anos de remissão, porém, quando acaba este prazo, o plano de saúde informa para o dependente que, se quiser celebrar novo plano, este sofrerá um "reajuste" em torno de 800% (oitocentos por cento), o que inviabiliza o dependente de contratar este plano.

Por não ter como pagar o valor oito vezes maior do que o que era pago quando o titular era vivo, o dependente acaba não contratando o novo plano, ficando sem qualquer cobertura. Depois de anos de pagamento fiel ao plano, no momento em que o dependente mais precisa, o plano abusa do seu poder e impõe "o valor oito vezes maior", alegando que é o valor pago anteriormente só que atualizado.

O CDC enumera de forma exemplificativa, no artigo 51, as cláusulas contratuais consideradas abusivas. Tais cláusulas serão consideradas nulas de pleno direito, ou seja, tidas como não escritas no contrato, mesmo que o consumidor tenha concordado com seu conteúdo, uma vez que ofendem norma de ordem pública e interesse social (art.1º do CDC).

A nulidade das cláusulas abusivas poderá ser ocorrer tanto nos contratos de adesão como nos contratos de comum acordo, uma vez que é o próprio Código Civil (clique aqui) que estabelece que a liberdade de contratar deve ser exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Em suma, isto significa que os contratantes têm a obrigação de zelar pelo equilíbrio contratual em todas as fases do contrato e na execução do mesmo, se comportando sempre de acordo com a probidade e a boa-fé.

A preocupação do legislador em manter sempre o equilíbrio contratual pode ser claramente constatada no inciso IV do referido art.51 do CDC que veda, expressamente, cláusulas que estipulem obrigações iníquas (injustas), abusivas (que desrespeitam valores da sociedade), que ofendam a boa-fé em seu aspecto objetivo (como a falta de cooperação entre os contratantes, lealdade ou quando é frustrada a legítima confiança criada no consumidor) e a equidade (justiça do caso concreto).

Há ainda que se falar na clara abusividade das cláusulas-surpresa. Como podemos deduzir do próprio nome, são aquelas que não permitem a correta informação sobre suas consequências e, por isso, acabam frustrando as expectativas do consumidor. na prática, Na prática, segundo juristas especializados no tema, é preciso que se investigue o que o consumidor espera do contrato e qual o conteúdo das cláusulas contestadas ou duvidosas. Se a discrepância entre a expectativa do consumidor e o conteúdo das cláusulas for tão grande, a ponto de justificar sua estupefação e desapontamento, a cláusula se caracteriza como surpresa e é abusiva por não respeitar a devida boa-fé.

Pois é exatamente o que ocorre com as cláusulas de remissão nos planos de saúde. O segurado, ao contratar o seguro, entende estar assegurando, ao seu dependente, um grande benefício, qual seja: ao tempo da morte do titular, estar coberto pelo plano sem ter a mensalidade cobrada pelo prazo de 5 (cinco) anos e após, ao final de tal período, ter a opção de aderir novamente ao plano nos mesmo termos do anterior.

Como demonstrado, não é o que acontece. Ao tempo final do período de remissão, é imposto ao dependente (que em 90% dos casos é idoso) um valor exorbitante justificado pelo plano como "reajuste". Pois nos resta clara a conduta abusiva dos planos. Tem-se um consumidor que legitimamente acredita estar contratando um benefício, mas que, por conta da manobra de má-fé do plano, acaba por restar em um grande prejuízo, ou sem a cobertura do plano.

Neste caso, onde uma cláusula não redigida de forma clara, dando margem à interpretações ambíguas, levou o consumidor a uma situação de extremo prejuízo, é impositiva a aplicação do artigo 47 do CDC que determina que as cláusulas contratuais serão interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor.

O principio da interpretação mais favorável nada mais é que a aplicação prática de principio constitucional da igualdade, garantindo aos desiguais, tratamento desigual, permitindo, desta forma, que seja restabelecido o equilíbrio na relação de contratual.

No caso em comento, o consumidor é parte vulnerável frente ao plano de saúde, e por isso tem o direito de ter a cláusula de remissão interpretada da forma que lhe seja mais favorável e não, como vem acontecendo, de modo a garantir uma extrema vantagem para o plano de saúde sob pena de ferir frontalmente boa-fé objetiva e o equilíbrio entre as partes que devem sempre estar presentes nas relações de consumo.

O TJ/RJ consolidou o seu entendimento no sentido de que, findo o prazo de remissão, tem o remido a faculdade de celebrar novo contrato nos mesmos moldes do anterior. Ainda, a intervenção do Poder Judiciário tem sido efetiva no sentido de mandar os planos de saúde permitirem a contratação, por parte dos ex-dependentes, de novos planos de saúde, aproveitando o período de carência do plano anterior, e a um custo do valor do plano anterior, corrigido segundo os índices da ANS.

Para que o consumidor consiga esta vitória, é fundamental que, de posse de todos os documentos sobre o caso (comprovantes de pagamento, contrato, documentos de identidade, etc.) procure um advogado especializado no tema, ou a Defensoria Pública, ajuizando processo com esta intenção.

Com essa conduta, consegue-se que o Poder Judiciário traga o reequilíbrio ao caso concreto, imputando à Administradora do Plano de Saúde a inclusão do idoso como titular de plano de saúde idêntico àquele contratado pelo falecido parente, com as mesmas garantias e sem qualquer período de carência, devendo as mensalidades ser no valor daquela última cobrada à dependente, devidamente corrigida pelos índices de correção da ANS.

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*Sócios do escritório José Leandro Caldas Advogados Associados






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