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Os limites da inteligência artificial no Direito

A importância da IA no Direito, (resolução de problemas jurídicos mais corriqueiros e simples), sem menosprezar o argumento ora defendido segundo o qual a IA artificial não pode se prestar à solução jurídica de questões mais complexas, intrincadas e peculiares.

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Atualizado em 12 de setembro de 2019 09:39

Nos dias atuais, tem sido recorrente, principalmente nas mídias escrita e falada, a afirmação de que a inteligência artificial poderá vir a substituir a atividade humana em todos (para alguns mais extremados) ou quase todos quadrantes da vida em sociedade.

No que diz respeito ao Direito, tema do presente artigo, ousamos divergir da afirmação de que a inteligência artificial, mesmo num futuro distante, substituirá totalmente o labor dos operadores do Direito, a saber, juízes, promotores, procuradores, advogados, etc.

Dizemos isso com amparo na constatação fática de que a atividade jurídica é complexa e multifacetada, não se reduzindo à inteligência lógica e pragmática que emana dos robôs e das máquinas.

Não se pode deixar de reconhecer o progresso advindo da aplicação da IA no Direito. Com efeito, os operadores do Direito podem sim louvarem-se na AI para dar cabo de uma miríade de processos, ações, petições, etc, que lhes acorrem, tudo isso com eficiência e produtividade ímpares.

Ao nosso ver isso já está ocorrendo notadamente em casos ou situações corriqueiras e mais simples, não revestidas de complexidades ou peculiaridades.

Essa constatação, de outro lado, não nos autoriza a dizer, de revés do que pensam algumas pessoas menos avisadas, que a IA poderá abarcar empiricamente, mesmo num futuro menos próximo, a totalidade do fenômeno jurídico, este dotado de grandes complexidades e intrincamento.

Efetivamente, nessa linha de raciocínio, é importante explicitar três dimensões da condição humana, que apartam a máquina do homem: o logos, que significa a inteligência ou razão humana; o phatos, vale dizer, os sentimentos e paixões humanas; e o virtus, componente ético ou moral das ações humanas.

Assim - sem prejuízo da utilização da IA nas questões jurídicas mais simples ou corriqueiras, o mesmo não acontecendo com aquelas impregnadas de particularidades e complexidades, e que reclamam a presença do logos, da razão (não a razão pragmática de que dotados os equipamentos de IA), do phatos (sentimentos e paixões), que não é compatível com a IA, bem assim do virtus, este revelador de comportamentos éticos e morais só existentes no ser humano -, é imperioso reconhecer  que o fenômeno jurídico, por envolver aspectos racionais, sentimentais e morais, não pode se circunscrever à utilização da inteligência artificial.

Nessa esteira, tomemos como exemplo as questões forenses de família. Sem prejuízo de tantas outras onde emergem, visivelmente, os aspectos racionais, sentimentais e morais, para afirmar, sem a menor dúvida, que a AI é impotente para resolvê-las de forma adequada e justa.

Cabe - nos assinalar, por outro lado, que os cursos jurídicos , inclusive os de  pós-graduações, que quase sempre foram afeitos puramente à dogmática jurídica, estão atualmente, mesmo que de forma insipiente,  revendo seus currículos para introduzir o estudo da filosofia, sociologia, ética, ciência política, etc, de modo a poder solver as questões jurídicas que medram nas  sociedades extremamente complexas como as da atualidade. 

Desse modo, é forçosa a conclusão de que a IA não está dotada, em profundidade, de aportes sociológicos, filosóficos e éticos, de molde a poder resolver de forma justa e adequada as questões jurídicas submetidas ao seu crivo.

Acresce ao que vem de ser exposto, sob outro prisma, o argumento de que, segundo o jusfilosofo Hans Kelsen, em sua obra Teoria Pura do Direito, Armênio Amado - Editora Coimbra, 1984, pags 463 a 473, a interpretação jurídica não é só ato de conhecimento, mas sim sobretudo ato de vontade.

Com efeito, os modelos normativos (a Constituição , as leis, etc.) apresentam ao intérprete e aplicador do Direito mais de uma possibilidade de interpretação, cabendo a eles, sobretudo em face dos conteúdos ou conceitos  indeterminados e plurissignificativos dos textos da legislação , a escolha, no exercício de ato vontade, da alternativa que mais lhes pareça acertada e justa.

Assim, como as máquinas ou os robôs não têm vontade, resulta claro que deixar ao alvedrio da IA a resolução de conflitos complexos e dotados de peculiaridades é empobrecer e a apequenar, por demais, a atividade jurídica.

Além do mais é preciso registrar, por outro lado, na linha do pensamento do filósofo  Gadamer, na sua obra Verdade e Método I, Ed. Vozes, 8ª edição, que em todo  ato de interpretação emerge a pré - compreensão do intérprete , esta fundada em suas, dele intérprete, tradições, valores, cultura, costumes , etc , nele enraizados.

Por óbvio que a IA, a par de não ter vontade na interpretação do Direito, com mencionado, não pode ter, ademais, valores, tradições, costumes (pré - compreensão), o que frustra um sadio ato de interpretação do Direito.

Além de tudo isso, soma-se o argumento de que, para efeito da responsabilidade civil e penal, os atos decorrentes do uso da IA não podem ser dolosos os culposos, na medida em que as máquinas não possuem intenção.

Nesse particular, mister se faz a elaboração de legislação densa e minuciosa vocacionada para coibir os abusos e desvios no manejo da IA, mediante a imputação de responsabilidade civil e penal a terceiros, a exemplo de fabricantes e produtores da IA.

Ademias, os limites da utilização da IA devem ser precedidos de ampla discussão ético - jurídica.

Por outro lado, não é demasia lembrar que o fenômeno da política - entendida esta como o exercício do poder político pelos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário - é, de igual forma que o jurídico,  dinâmico, rico , complexo e multifacetado, sendo certo que o Direito significa - para alguns juristas renomados, como o saudoso professor JJ Calmon de Passos, em  sua obra "Direito, Poder, Justiça e Processo, Revista Forense, 1999  - um discurso  do poder político, vale dizer, se presta a instrumentalizar as decisões  emanadas dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Em sendo assim, é dizer, o Direito como o mais eminente  instrumento do poder político, forçosa deve ser a conclusão de que ambos (direito e política) estão umbilicalmente relacionados, sendo certo afirmar-se , nesse diapasão, que a IA não é  meio idôneo para compreender a correlação entre política e Direito, caso contrário estaríamos diante da possibilidade de empobrecimento de ambos.

Para finalizar, podemos realçar a importância da IA no Direito, (resolução de problemas jurídicos mais corriqueiros e simples), sem menosprezar o argumento ora defendido segundo o qual a IA artificial não pode se prestar à solução jurídica de questões mais complexas, intrincadas e peculiares.  

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*Gustavo Hasselmann é advogado e procurador do município de Salvador/BA

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