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O futuro da Justiça do Trabalho - A necessidade da unificação para evitar, na prática, a extinção

Régis Franco e Silva de Carvalho

O tema há algum tempo ronda, digamos, com maior vigor, a ordem do dia, em especial depois da reforma trabalhista, que alterou diversos dispositivos e procedimentos previstos pela CLT, já tendo sido objeto de manifestações do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, além do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Atualizado às 12:20

A discussão sobre o futuro da Justiça do Trabalho retoma aos holofotes com a proposta de emenda à constituição (PEC) do deputado Paulo Eduardo Martins, que trata da fusão da Justiça do Trabalho com a Justiça Federal.

O tema há algum tempo ronda, digamos, com maior vigor, a ordem do dia, em especial depois da Reforma Trabalhista, que alterou diversos dispositivos e procedimentos previstos pela CLT, já tendo sido objeto de manifestações do próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, além do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

A proposta de emenda à constituição do deputado Paulo Martins busca, em suma, unificar a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho à Justiça Federal e Ministério Público Federal, respectivamente, com a extinção do Tribunal Superior do Trabalho e dos Tribunais Regionais do Trabalho, a imediata aposentadoria com proventos integrais aos seus membros (Ministros e desembargadores do Trabalho), ao passo que todos servidores da justiça do trabalho e os juízes do trabalho passarão a integrar a estrutura da Justiça Federal, sendo que as Varas do trabalho poderão ser transformadas em Varas Especializadas da Justiça Federal, com a mesma competência para apreciar e julgar as mesmas matérias hoje atinentes às Varas do trabalho.

Aqui começa a minha reflexão e até mesmo provocação: Por que não?

Como juiz do trabalho há quase 12 anos, há pouco mais de 1 como titular de uma unidade com uma das maiores movimentações processuais do país, confesso que não consigo entender tanta resistência a uma mudança me parece não apenas óbvia e necessária, mas vai na linha da racionalidade de recursos exigida em tempos de adequações dos gastos públicos.

Tanto a justiça do trabalho como a Justiça Federal comum são ramos do Poder Judiciário que integram o Poder Judiciário da União. Cada uma com estruturas enormes e completamente autônomas, em especial a justiça do trabalho.

A Justiça do Trabalho é composta pelo Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília, com sua belíssima e enorme sede, além de 24 Tribunais Regionais do Trabalho divididos pelo território nacional (basicamente um Tribunal Regional do Trabalho por Estado, embora, por exceções, São Paulo conte com 2 Tribunais Regionais do Trabalho, ao passo que alguns outros poucos Tribunais Regionais do Trabalho abrangem 2 Estados ou localidades (TRT 11, Amazonas e Roraima, TRT 08, Pará e Amapá, TRT 14, Rondônia e Acre e TRT 10, Tocantins e Distrito Federal), com quase 4.000 cargos de Magistrados e pouco mais de 40.000 cargos de servidores.

Por seu turno, a Justiça Federal é composta por apenas 5 Tribunais Regionais Federais, com sedes em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife, abarcando, cada um, mais de um ou diversos estados.

Analisemos a questão pelo seu ângulo mais simples, mas de imenso impacto financeiro e orçamentário. Cada tribunal possui uma estrutura própria e esta não é apenas aquela voltada à realização da atividade principal, à atuação jurisdicional ou, em outras palavras, à apreciação, julgamento e andamento dos processos. Cada um desses tribunais possui enormes estruturas próprias para as mais variadas atividades-meio, desde as imprescindíveis e necessárias até outras, digamos, menos importantes e até mesmo supérfluas.

Com efeito, pensemos que cada tribunal conta com o seu setor de "RH", um setor de pagamento, setor médico, de segurança, cerimonial e eventos, apoio administrativo, até mesmo setores como ginástica laboral e de motoristas dos famigerados carros oficiais (assunto para outra oportunidade, mas já manifesto a minha total contrariedade a essa anacrônica prática, que ainda subsiste), dentre inúmeros outros. Agora pensemos na quantidade de servidores que atuam nesses setores.

Na realidade, isso acarreta não apenas grandes despesas, mas despesas redundantes (em duplicidade, por exemplo), completamente desnecessárias, que serão consideravelmente diminuídas com a fusão dos tribunais e, consequentemente, dos seus setores administrativos idênticos ou semelhantes.

Explico: Em São Paulo, há poucos quarteirões de distância, estão as sedes do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região e do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, cada um com a sua estrutura administrativa própria. Com a fusão da justiça do trabalho com a Justiça Federal, haverá considerável diminuição da estrutura (e das consequentes despesas) envolvendo as atividades-meio, passando haver apenas um único setor de segurança, um único setor de pagamento, um único setor médico, um único setor de cerimonial etc para aqueles que hoje são dois tribunais autônomos e que se tornarão apenas um único tribunal.

Isto é a óbvia otimização dos recursos públicos. É obrigação de qualquer administração minimamente eficiente. Manter no mínimo o mesmo serviço (ou melhor) com considerável redução de custos e despesas.

Quanto à atividade-fim da Justiça do Trabalho, a análise, julgamento e andamentos dos processos trabalhistas, não haverá considerável impacto, pois as Varas do trabalho continuarão a existir (até porque os processos trabalhistas também continuarão existindo e alguém precisa julgá-los), com a mera mudança do letreiro colocado na porta do fórum, ou seja, apenas com a alteração do nome, deixando de ser Vara do Trabalho, da justiça do trabalho, passando a se chamar algo como Vara Federal Especializada em Direito do Trabalho ou simplesmente Vara Federal do Trabalho. E, convenhamos, o nome na tabuleta é realmente o que menos importa, mas sim a eficácia, a eficiência, o fazer mais com menos.

O que ocorrerá é que haverá uma melhor racionalização dos recursos públicos, inclusive humanos, de modo que uma considerável quantidade de servidores hoje atuantes em atividades-meio redundantes dos Tribunais, com a unificação poderá ser deslocada para a atuação diretamente nas atividades-fim, nas Varas, Turmas, Sessões de Julgamento e Gabinetes de Magistrados, ou seja, onde realmente importa para a prestação dos serviços para a sociedade.

Ademais, é importante registrar, ainda, as consideráveis distorções existentes atualmente, em especial depois da diminuição dos processos na justiça do trabalho após a reforma trabalhista, algo em torno de 30% em média, sendo que há muitas varas em que tal redução foi bastante superior.

Neste sentido, destaco que no próprio Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, enquanto cada Vara de cidades como Itapecerica da Serra, Carapicuíba e Cubatão, recebeu em 2018 pouco mais de 1.000 novos processos, cada uma das 5 varas do trabalho de Barueri recebeu mais de 2.000 processos novos no mesmo período.

Tal injusta distorção, referente à diferença no número de processos em andamento em cada vara, é ainda maior se comparadas as Varas do trabalho com as Varas da Justiça Federal.

Com a unificação destes dois ramos da Justiça, seria possível uma melhor distribuição das atividades jurisdicionais entre varas judiciais que hoje são de tribunais diferentes que, passando a ser de um mesmo e único tribunal, poderiam passar a cuidar de um número médio de processos mais equânime, justo, diminuindo-se os prazos médios de andamentos dos processos com um todo, até porque, com a devida vênia, não consigo conceber que um processo trabalhista (que tramita na justiça do trabalho) seja realmente tão mais importante para a parte que um processo de aposentadoria, muitas vezes por invalidez (que tramita na Justiça Federal).

Analisando-se a questão pelo lado dos mais fervorosos defensores da manutenção da justiça do trabalho como ramo autônomo do poder judiciário - em especial aqueles diretamente interessados nessa manutenção de coisas, muito mais por motivos pessoais e profissionais do que sensibilizados pelos reais interesses sociais - ainda assim não encontro justificativa para tanto.

O pior dos caminhos para o fim da Justiça do Trabalho, atualmente, é não fazer nada e deixar tudo como está. Matá-la ou reduzi-la consideravelmente por inanição, como vem sendo feito já há algum tempo.

As severas restrições orçamentárias que estão sendo impostas, em especial à Justiça do Trabalho, tendem a destruí-la a curto ou médio prazo, ou ao menos inutilizá-la.

Atualmente os servidores e magistrados que estão se aposentando (número que aumentou consideravelmente com as alterações vindouras com a reforma da Previdência e o que tende a se acentuar ainda mais após a sua aprovação) não são repostos por novos servidores ou magistrados, pois a "fatia do orçamento" que era destinada ao pagamento dos seus subsídios passa a ser comprometida no pagamento das suas aposentadorias, não havendo liberação de verbas adicionais que, na realidade, estão sendo cada vez mais restringidas.

A escassez de servidores nas unidades dos tribunais é considerável e tende a piorar cada vez mais. A perspectiva que se abre para 2020 é ainda pior. E isto é um caminho sem volta, pois as restrições orçamentárias são decorrentes da necessária redução e readequação dos gastos públicos, o que é uma tendência não apenas interna, mas mundial.

O único caminho de sobrevivência decente e razoável é se reinventar. É encontrar meios de otimização, de se fazer mais com menos, de se racionalizar as despesas. E a unificação da justiça do trabalho com a Justiça Federal vem ao encontro disso. De se unificarem, ao menos, os setores administrativos desses Tribunais, diminuindo-se o tamanho da máquina estatal ao menos no que tange às atividades-meio, que não beneficiam diretamente a sociedade, mas se voltam apenas ao funcionamento dos próprios tribunais.

Deixar as coisas como estão é, dentre em breve, ter órgãos da justiça sem condições adequadas de funcionamento, com o agravamento dos cargos vagos de servidores e magistrados, ou seja, que manterão uma existência apenas fictícia, porém cada vez mais ineficaz e ineficiente, por absoluta carência dos meios essenciais para o seu regular funcionamento.

Particularmente eu sempre tive um sério "problema" de excesso de imparcialidade, inclusive comigo. Possivelmente por isso exerça a função de dizer o direito e solucionar conflitos. Não consigo mudar o meu pensamento acerca daquilo que é o óbvio, o certo, simplesmente por estar dentro da situação. Não consigo pensar de forma corporativista.

Ainda que eu faça parte da justiça do trabalho, ainda que eu tenha lutado muito para estar onde estou, não consigo defender a manutenção do estado atual das coisas simplesmente pelo meu comodismo, da minha carreira ou por qualquer outro interesse menor, particular, talvez até mesmo mesquinho, que não o real interesse social.

Antes de ser juiz do trabalho, eu sou cidadão e sou contribuinte. E, como sempre defendi, o interesse público, o interesse social, devem sempre prevalecer a qualquer interesse privado, particular ou mesmo corporativista.

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*Régis Franco e Silva de Carvalho é juiz do trabalho, titular da 3ª Vara do Trabalho de Barueri/SP.

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